O Hermetismo Oriental e as Emoções à Flor da Pele
26 de fevereiro de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Cultura | Tags: confucionismo, contemplação, cultura oriental, hermético, introspecção, japonês, psicologia, zen | 2 Comentários »
O oriental é antes de tudo um hermético. Homem não chora. Esposa boa é aquela que concorda com o marido em tudo. Homem guarda emoções. Mulher que silencia, anjo de sapiência…
Clichês. Descendendo de orientais, já nascemos com essa “deficiência genética” para demonstrar abertamente sentimentos, emoções, paixões. Não sem algumas dificuldades, viemos lidando para corresponder ao apelo desta cultura exuberante, aberta e calorosa do latino. De abraços ruidosos, beijos escancarados e afetos explícitos. Os sanseis (terceira geração) e posteriores, já inteiramente adaptados e miscigenados, vão sabiamente encontrando o seu equilíbrio e formando uma nova raça exótica, bonita, aberta, peculiar. O latino e o oriental. Sem paralelos no mundo.
Inspirada do zen budismo e do confucionismo, a cultura oriental é voltada para a introspecção e a contemplação, a emoção contida e a atitude reservada. Atitude muitas vezes interpretada, nos “calientes” trópicos latinos, como frieza e distanciamento. Em países como a Alemanha e a França, ou mesmo na Inglaterra e nos Estados Unidos, a reserva oriental é bem aceita e até bastante apreciada.
Não havendo a cultura do contato físico entre pessoas não íntimas, para os primeiros japoneses que tiveram contato com ocidentais, o próprio cumprimento do aperto de mãos oferecia certo “embaraço”: atrapalhavam-se pensando qual mão deviam oferecer, quem devia tomar a iniciativa, quando afrouxar o aperto etc. No fim, muitas vezes acabavam segurando a mão oferecida do outro com ambas as mãos, e sacudiam-na calorosamente. Contatos físicos como abraços eram comuns entre crianças, ou entre mães e filhos pequenos; um pai jamais abraçaria os filhos. Quando muito, um afago na cabeça. Mesmo no amor conjugal, o homem só demonstrava uma espécie de “afeto relutante”. No teatro Kabuki (clássico japonês, com pantomimas), onde há muitas regras e convenções para diferenciar situações, para marcar a “situação de namoro”, um rapaz e uma moça se dão as duas mãos, o máximo de contato físico permitido entre enamorados, desde sempre.
Filmes japoneses/chineses expressam bem esse “hermetismo”: os últimos lentos minutos de Okuribito/Partidas, de Yojirô Takita, por exemplo, se passam em absoluto silêncio, mas tudo é “falado” nos gestos contidos, nos olhares cúmplices, nos detalhes. Ou quem não se lembra do denso filme de Wong Kar Wai, Amor à Flor da Pele? Você capta a atração, a paixão e o desejo dos dois apaixonados do filme, sem que nada seja falado, apenas sentido ardente e avassaladoramente através dos olhares, dos gestos, do leve roçar de corpos, do silêncio. Do silêncio que fala por mil palavras e que provoca, também no espectador, um crescendo de arrepios à flor da pele. Choque de culturas, diversidade de tradições. Nada que a compreensão universal não possa harmonizar.
Neste excelente comentário da Naomi Doy, lembrei de um filme, e acrescento um detalhe sobre ” O homem do riquixá” de Hiroshi Inagaki, (Rikisha no Otoko) sobre a vida de Muhomatsu (atuado pelo ainda jovem Toshiro Mifune). Esse pobre puxador de riquixá se torna acidentalmente o mentor de um menino, cujo pai rico, falece, deixando a bonita viúva com o seu filho. Com o tempo e o relacionamento diário, acontece o inevitável: a paixão do analfabeto Muhomatsu pela jovem e bela viúva.
A cena de paixão e desejo é extremamente intenso no rosto e na expressão corporal desse puxador de carrinho, na sua forma muito nipônica de não pronunciar uma palavra sequer, e na reação sutil da jovem viúva; mas chega a ser de patético a ridículo, na visão de um ocidental. Tanto assim que houví risos na platéia.
Esse trecho do amor platônico e os trejeitos corporais mostra a capacidade cênica do Mifune, e o que escreve a Naomi explica bem o comportamento do “frio paixão” oriental contra a explosão de um amor latino.
Os extremos da cultura.
Abraços a todos .
Caro Ernesto, obrigada pelo seu profundo comentário e sua fina sensibilidade. Traz me à memória cenas inesquecíveis de introspecção dos filmes de Inagaki, Ozu, Kurosawa…
É uma benção para nós, bi-culturais, que, através de desafios enfrentados em nossa formação (como bem aponta Paulo Yokota neste site no seu texto sobre a readaptação de filhos de "dekasseguis", 28/fevereiro/2010), somos capazes de aquilatar com profundidade os extremos de duas culturas tão antagônicas como a latina e a oriental que, no fim, se completam maravilhosamente, e de cujos valores, nós – biculturais – usufruímos com ampliadas vantagens. Abraço, visite-nos sempre, e por favor divulgue o site entre seus amigos!