Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Sujeição, Modos de Seduzir

10 de fevereiro de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: Brasil, China, enfaixes do pé, japao, Kenya

O enfaixe dos pés na China até fins do séc.XIX era um costume que reforçava a sujeição das mulheres como produto e propriedade de suas famílias e maridos. Para deixar os pés mais finos e pequenos, as meninas, aos dois / três anos de idade, tinham os dedos de cada pé (exceção do polegar) dobrados para baixo, sob a planta do pé e enfaixados bem apertados com bandagens de pano de 6 a 8 metros. Mantidos assim, sob constante pressão dia e noite, por longos dez / doze anos, os pés ficavam deformados, diminutos, “lírios dourados” de 7,5 a 8 cm.

Com a pressão constante, os arcos se quebravam aos poucos e se dobravam para cima, de modo que apenas a base posterior dos calcanhares podia suportar o peso do corpo. A menina nunca mais poderia correr de novo, e seria com muita dificuldade que poderia andar sobre a base dos calcanhares. A dor, claro, era muito atroz, e as mães choravam com as filhas enquanto todos os dias trocavam as bandagens. Mas, irredutíveis, preferiam ver o sofrimento das filhas, a serem depois acusadas de terem sido negligentes e negarem às filhas, com pés grandes, um casamento em grande estilo.

Depois que o crescimento dos pés se estabilizava, a dor tendia a desaparecer. Mas os pés continuavam sempre enfaixados, para dar suporte e firmá-los, e também porque a vista deles, deformados, era repelente. Ficavam sempre protegidos em diminutos sapatos de seda e cetim ricamente bordados. Agora, a pergunta: Para quê? Por quê?

São muitas as suposições, nunca esclarecidas: a mulher não poderia fugir facilmente de casa, nem do marido; ao se mutilar, a mulher perderia o amor-próprio e o respeito por si mesma; a visão de uma frágil mulher andando a passos curtos e difíceis despertaria o senso de proteção masculino; pés diminutos seria um fetiche, provocariam atração erótica.

Meu avô materno, Kiyoshi Oda, falecido em Bastos, interior do Estado de São Paulo, em 1945, deixou relatos que atestam como no Japão também certos costumes sujeitavam a mulher: ao se casar, elas tinham os dentes pintados de preto e a partir de então raramente podiam sair à rua, evitando abrir a boca na frente das pessoas. A lembrança que meu avô e seus irmãos, quando crianças, tinham da avó e de tias avós paternas deles, Nagóia cieca 1870, era de um vago temor respeitoso: as bocas da avó e das tias, cavernas ocas e negras, lhes provocavam terror quando elas riam.

Em certas tribos africanas do Quênia, as mulheres têm o pescoço alongado com várias argolas de metal/madeira apertadas em volta. Os índios botocudos do Brasil colocam argolas nos lábios inferiores para esticá-los. Para nós, aberração; para eles, charme e sedução. Semanas atrás, lindas garotas desfilavam pela SP Fashion Week; algumas, tão esquálidas e esqueléticas, pareciam doentes; em contrapartida, mulheres turbinadas, siliconadas com 300 ml. em cada seio, mais outros tantos nos bumbuns… Charme e sedução? Para a cultura oriental… aberração. Sedução, modos de se sujeitar.