Caminhos da China, John Pomfret, Editora Landscape, 2007
7 de abril de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: abertura pós-Deng Xiaoping, aceleração industrial, ascensão econômica, glasnot/perestroika, poluição, Tiananmen, vazio moral
Para quem pretende ficar por dentro das transformações da China da era pós-Mao, sem estresse nem tédio, este livro é uma ótima pedida. O jornalista John Pomfret nos revela o país através de sua vivência, primeiro como estudante de intercâmbio e depois como repórter, entre 1980 e 2005.
Aluno de estudos asiáticos em Stanford, Califórnia, é aceito na Universidade de Nanjing, 1980/1982. Seus colegas do curso vinham de famílias que tinham sido obrigadas a se separar para trabalhos forçados no campo. Muitos deles tinham sido torturados pelo regime, outros haviam sido torturadores da Guarda Vermelha, mas todos tinham sofrido fome e penúria e ficado sem estudar, pois as escolas tinham sido fechadas.
Na década de 1980, a China emergia de trinta longos anos de isolamento do resto do mundo, e o país trocava seu maoísmo radical por uma mistura de reformas econômicas e sociais. Os jovens acalentavam um idealismo reprimido e uma imensa curiosidade pelo mundo exterior. Embora tivessem fascínio por modelos políticos como o norte-americano, eles nutriam muita desconfiança e desprezo pelos estrangeiros em geral. Com abusada liberdade, sem sequer pedir licença a eles, Pomfret descreve o cotidiano, a intimidade e o pensamento desses jovens.
Uma década depois, voltando à China como correspondente da Associated Press em Beijing, Pomfret testemunharia uma profunda mudança na vida e nos pensamentos dos antigos colegas. Seguindo o lema de Deng Xiaoping, “Ficar rico é glorioso”, Beijing fervilhava, a China também. Nas universidades prevaleciam pensamentos de Nietzche, Sartre e Milton Friedman, e não mais Marx ou Mao. Mudanças varriam o mundo comunista, de Beijing a Budapeste e Berlim Oriental, clamava-se por liberdade, a glasnot e a perestroika inspiravam. Estimulada por esses ventos, a intelectualidade chinesa ansiava também por reformas políticas.
Pomfret seria testemunha ocular da repressão na Praça Tiananmen em 4 de junho de 1989, repressão que destruiu muito mais do que as esperanças pela democracia: marcou também o fim da inocência, fechando a porta para o idealismo pró-ocidental e o namoro do país com o mundo lá fora: em reposta ao massacre, Beijing sofreria sanções internacionais.
Essa realidade forçou muitos ex-colegas de Pomfret a mudar de vida. Por causa das idéias liberais ou da participação nos movimentos, muitos foram expulsos do Partido e demitidos de empregos; professores universitários foram perseguidos e forçados a deixar o meio acadêmico. A sociedade de delação voltou com força total, a China regredia ao maoísmo paranóico. Pomfret também foi expulso da China por causa de sua ligação com ex-colegas liberais. Após 4 de junho, os intelectuais se tornaram cada vez mais prudentes, evasivos e diplomáticos. Já não se importavam com as pessoas como antes, só se preocupavam com o seu próprio bem-estar.
Em poucos anos, a China urbana se transformaria de um mundo conservador de abnegação e sacrifícios, para um sonho consumidor de busca frenética por dinheiro, bens, prazer e sucesso individual.
Quando Pomfret consegue permissão para voltar a atuar novamente como correspondente, agora pelo Washington Post, em Beijing, entre 2001 e 2005, se surpreenderia com o caos das cidades, a modernização desregrada do país, campos tornados mega pólos industriais – produzindo, em série, de bonecas barbies e gadjets, a roupas, celulares, micro-ondas, computadores, bicicletas, carros…
Todos os antigos colegas mais próximos a Pomfret tinham deixado a pobreza em que haviam crescido e desfrutavam os privilégios da nova sociedade em ascensão. Mas pela ótica dos valores morais, em muitos casos, o saldo era algo decepcionante.
A febre do consumo e prazer pareceram a Pomfret uma compensação espiritual para o vazio moral de uma geração que se sentia usurpada de seus princípios e ideologias. A China passava por momentos decisivos da sua história, com a liberalização dos costumes morais, sexuais e comportamentais, convivendo com conflitos étnicos e de gerações, e com problemas sócio-ambientais cada vez mais preocupantes: camponeses e trabalhadores descontentes, pois do que lhes tinha sido proposto, poucos ganharam o seu quinhão; atmosfera e rios inevitavelmente poluídos.
Casado com uma chinesa, tendo seu primeiro filho nascido na China, conhecendo o país mais intimamente do que o seu próprio, Pomfret se preocupa com a China e nos faz, seus leitores, compartilhar suas inquietações.