Beijing – Capital do Norte
23 de junho de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: Bicicletas de Pequim (Wang Xiaoshuai), dinastias Yuan e Ming, Kublai Khan, Xanadu, Yongle
Sucessivamente, capitais das antigas dinastias chinesas, as cidades de Xian, Luoyang, Kaifeng, Hangzhou e Nanking seriam finalmente substituídas por Da Du ou Yen Tu, posteriormente denominada Pequim, atual Beijing. Kublai Khan, neto de Genghis Khan, ao fundar a dinastia Yuan de etnia mongol, unificou o vasto império chinês e manteve duas capitais: Yen Tu ou Pequim, ao Norte da China, e Shang Tu ou Xanadu, na Mongólia, fortalecendo o seu poder (1279 – 1368).
No fim do século XIV, ao já enfraquecido império mongol Yuan, sucedeu a dinastia Ming (1368 – 1644), que teve seus primeiros tempos de reinado estabelecido em Nanking (Nanjing). Em 1421, o terceiro imperador Ming, Yongle, mudaria definitivamente a capital para Pequim. Para isso construíra a cidade imperial baseada nos padrões de planejamento urbano chinês tradicional: no centro, o imenso complexo palaciano da Cidade Proibida – assim chamada por ser interditada aos mortais comuns. Rodeada por grandes parques abertos e por hutongs, estreitos e sinuosas ruelas entremeadas de palacetes residenciais com pátios internos. A cidade foi cortada por amplas avenidas e foi toda murada, oferecendo cerco e proteção. Para melhor salvaguardar Pequim, a Grande Muralha foi reforçada e ampliada, e recoberta de tijolos.
Centro financeiro de Pequim
Além da Cidade Proibida, muitas construções das antigas dinastias estão conservadas no perímetro urbano, como o Templo do Céu (Tian Tan, vasto conjunto de templos e modelo de equilíbrio arquitetônico chinês), a Mansão do Príncipe Gong, as Torres do Tambor e do Sino, os Parques Jing Sha e Bei Hai, o Qiang Men (portão restante da antiga fortificação), e os magníficos Túmulos Ming, nos arredores, para citar algumas. As muralhas internas e muitas construções pré-medievais foram demolidas entre 1950 e 60, e a partir de 1980, quando da transformação da China durante o surto de crescimento pós-abertura Deng Xiaoping. Ademais, Pequim começava a ser preparada para sediar as Olimpíadas de 2008.
Em Bicicletas de Pequim (2001), o diretor Wang Xiaoshuai explora questionamentos sobre o progresso desmesurado de Pequim, com muitas possíveis interpretações para diversas situações que não somente as da China. Desde a dúvida de até onde é admissível a construção do moderno em detrimento da destruição do passado; as desigualdades sociais e choques morais provocados por súbito e desenfreado desenvolvimento; o brutal êxodo rural do povo em busca de melhores condições atraído pela expansão urbana; o quase descontrole das condições de saneamento, urbanização e sobrevivência que tudo isso gera. Problemas compartilhados por outros países emergentes.
O filme mostra essa ambivalência através das construções modernas e as vielas residenciais antigas, e dos movimentos ondulantes do vai-e-vem das pessoas do campo para a cidade, e dentro da cidade, em suas bicicletas, centenas, milhares de bicicletas. Ambivalência de valores morais e sociais que mudam enquanto o meio ambiente também vai se transformando vertiginosamente. A luta pela sobrevivência de alguns, o egoísmo dos bem providos, iluminados vez por outra pelo bom e velho código de solidariedade e compaixão.
Hoje em dia, ainda é possível flanar pelas hutongs e, se acompanhado por guia que conheça os meandros, até adentrar e apreciar essas antigas casas residenciais com seus pátios. Mas elas estão em áreas perigosamente valorizadas pela especulação imobiliária. Muitas já foram demolidas, outras em vias de. Bicicletas agora lutam para trafegar por um lugar ao sol, encurraladas pelos carros. Milhões de carros. O governo faz campanha pela volta das duas rodas nas grandes cidades. Numa sociedade globalizada e consumista, porém, lá como cá, comunista ou capitalista, quem não sonha possuir um carro, enquanto outros bens de consumo vão se tornando obsoletos?
Como sonhava, no filme, o jovem camponês Guei com a mountain-bike prateada, símbolo de ascensão social, sonho de consumo da China até a bem poucos anos. Quando Pequim era, aos olhos de hoje, quase naive, provinciana e rural, apesar dos modernos arranha-céus que brotavam às dezenas, e das pessoas se digladiando pela sobrevivência. Valores e tradições podiam estar oscilando assustadoramente, porém ar e ambiente pareciam permanecer inatingivelmente claros e impolutos.