Imigração Japonesa no Brasil e Medicina Preventiva
16 de junho de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: Adamantina, Bastos, doutores SentaroTakaoka, profilaxia de doenças endêmicas, Shizuo Hosoe | 3 Comentários »
Assinados os acordos do Tratado de Amizade e Comércio Brasil-Japão (1895), os entendimentos levariam a uma relação de profícuo intercâmbio entre os dois países e culminaram com o início da imigração japonesa no Brasil (1908). Uma vez concretizada a chegada dos imigrantes, além dos muitos problemas concernentes, o que mais preocupava líderes japoneses era a quase inexistência de assistência médica aos imigrantes tanto na Capital como no Interior. Muitos imigrantes morriam à mercê da falta de assistência médica, de orientação sanitária, por ignorância mesmo. Epidemias de malária, tracoma, leishmaniose (úlcera de Bauru) e ancilostomíase (amarelão) grassavam pelo Interior.
Em 9 de outubro de 1926, num pequeno prédio da Avenida Liberdade, 66, na cidade de São Paulo, um grupo de japoneses imbuídos de um mesmo sentimento de solidariedade, preocupados com os destinos desses imigrantes, reuniu-se para fundar uma associação de amparo fraterno. A Dojinkai – Sociedade Japonesa de Beneficência do Brasil, com estatutos e regulamentos devidamente registrados. A primeira Diretoria eleita nessa Assembleia teve como diretor-presidente o Sr.Yonosuke Yamada, e diretor-gerente o Dr.Sentaro Takaoka. O então embaixador do Japão no Brasil, Sr.Akira Arioshi, logo se tornaria sócio.
Doutores Sentaro Takaoka e Shizuo Hosoe
O Dr.Sentaro Takaoka, médico formado no Japão, tomaria a liderança na área da assistência médica da Sociedade. Sanitarista, preocupado com as doenças endêmicas no seio da comunidade de imigrantes, ele se dedicou a pesquisas epidemiológicas, começando com a malária. Na pequena sede foi montado um ambulatório onde se distribuía remédios e soros “A-O” contra tuberculose, conseguidos junto ao Serviço de Saúde Pública do Estado; e também folhetos em japonês que orientavam os imigrantes na manutenção de higiene e saúde. Em 1931, a Sociedade mudou-se para a Rua Galvão Bueno, 73. Foram então criadas “secções de consultório hygienico por correspondencia”, e um consultório médico-social sob supervisão dele. A partir desse local, organizaram-se movimentos de “consultório ambulante para o tratamento e prevenção de doenças”, que visavam:
1. Os doentes com tracoma entre os imigrantes da região da Mogiana sob supervisão do Dr.H.Saito;
2. Os doentes maleitosos da região de Lins, Noroeste, orientado pelo Dr.Sentaro Takaoka;
3. A distribuição de vacinas contra a varíola e a febre tifóide, conseguidas com a cooperação do Instituto Butantã. Em troca, os japoneses do Interior se comprometiam enviar, para as pesquisas do Instituto, exemplares de cobras e aranhas venenosas, e escorpiões, capturados nos cafezais e matas.
4. A distribuição e a facilitação para a aquisição de remédios pelos sócios da Dojinkai , a preço de custo;
5. A distribuição de folhetos e publicações visando disseminar noções de higiene entre os lavradores do interior.
O Sr.Tatsuo Okochi, posteriormente eleito diretor-gerente, deixou relatos sobre a propaganda da Sociedade feita entre as comunidades de japoneses residentes nas cidades ao longo das estradas de ferro, e sobre a distribuição de medicamentos aos imigrantes menos favorecidos – fatos que causaram ótima acolhida em todas as cidades visitadas. Muitos líderes japoneses locais começaram a solicitar a visita dos médicos da Dojinkai para orientar as populações.
A cidade de Bastos, na Alta Paulista, foi uma das bases da cruzada profilática, onde se instalou uma clínica. O Dr.Shizuo Hosoe, formado pela Universidade de Keio, Japão, tinha chegado ao Brasil em 1930. Logo se dirigiu a Bastos, acompanhado de enfermeiras assistentes. Orientou na prevenção e tratamento de doenças, organizou cursos para ensinar senhoras das lideranças locais a fazer a profilaxia e o tratamento de tracoma em estágio inicial. Consistia na raspagem das granulações tracomatosas na pálpebra interna superior com uma fina espátula de vidro envolta em antibiótico em pó. A campanha continuou mesmo após o Dr. Hosoe ter deixado a cidade em 1935.
Entre 1944 e 50, lembro-me de parte da ampla copa-cozinha da nossa casa em Adamantina dividida e transformada em ambulatório de profilaxia do tracoma: com prática adquirida em Bastos, minha mãe liderava um grupo de senhoras a quem ensinara por sua vez. Uma vez por semana formava-se uma fila de crianças e eventuais adultos na porta da copa. O choro de crianças “aterrorizadas” com o dolorido tratamento se ouvia a quarteirões de distância. Dependendo do grau do tracoma, a raspagem da pálpebra podia deixar a pessoa com a vista “oclusa” por uns dois dias. Líderes do Nihonjinkai de Adamantina (Associação de Japoneses), também conseguiam contatos com laboratórios através da clínica de Bastos, e diversos remédios eram distribuídos. Uma pomada que servia para tudo (infecções cutâneas, cortes, feridas de bicho do pé, queimaduras) estava presente em todas as casas na época: a Pomada Ozo, dos Laboratórios Okochi. Uma vez por ano, as crianças recebiam também cápsulas gelatinosas orais de um horrível vermífugo. E vacinas contra varíola e tifo, esta em forma de injeção cuja sensação dolorosa perdurava por vários dias.
Fins de 1970, São Paulo: em consulta oftalmológica, o então jovem Dr.Newton Kara José, ao constatar as minhas origens bastenses, falou-me da perseverança e da seriedade com que japoneses cuidaram da saúde de imigrantes na região de Bastos. O Dr. Newton tinha acabado de defender tese de doutoramento em oftalmologia sobre cegueira, tracoma, tratamentos e profilaxia; uma das regiões da sua pesquisa fôra a Alta Paulista. A obra plantada pela Dojinkai já fazia parte da História da medicina preventiva paulista.
Inspirado no exemplo de outras nacionalidades que mantinham hospitais na Capital, o Dr.Takaoka se empenhou também numa campanha para angariar fundos para a aquisição de terreno com vistas à instalação de um sanatório/nosocômio. O espírito comunitário de solidariedade logo se espalharia entre as comunidades da Capital, do Interior e de províncias no Japão. Em breve, lavradores, comerciantes, profissionais liberais, empresas, o consulado, a embaixada, a própria Casa Imperial do Japão, faziam doações para o Fundo de Construção do Hospital Japonês.
Pelos trabalhos de assistência médica junto aos imigrantes, o Dr.Sentaro Takaoka recebeu, em 1932, o título de Igaku Hakushi – Doutor em Ciências Médicas, pela Universidade Imperial de Kyoto, Japão. Em 18 de junho de 1933, no 25º Aniversário da Imigração Japonesa no Brasil, foi lançada a pedra fundamental do Hospital, no terreno adquirido pela Sociedade na Rua Santa Cruz 398, bairro da Vila Mariana. O prédio principal do Hospital foi inaugurado no dia 29 de abril de 1939. Nos termos da lei brasileira, a Dojinkai – Sociedade Japonesa de Beneficência do Brasil foi nacionalizada, e passou a denominar-se Sociedade de Beneficência Santa Cruz, mantenedora do Hospital Santa Cruz. A partir de janeiro de 1990, é a Sociedade Brasileira e Japonesa de Beneficência Santa Cruz.
Nascido dos ideais de um pequeno grupo de pioneiros japoneses, a trajetória do Hospital Santa Cruz nem sempre seria amena. Passaria por episódios de sérios conflitos e equívocos políticos; uma odisséia finalmente concretizada favoravelmente por homens de bem que muito se empenharam pela continuidade íntegra do Hospital, principalmente ao longo das duas últimas décadas.
Construído tijolo por tijolo com a contribuição de gente do Brasil e do Japão, o Hospital Santa Cruz continua a fazer História com a sua fama de excelência em atendimento hospitalar. Atualmente sob o comando do cirurgião cardiologista Dr. Kenji Nakiri e seu dedicado batalhão de funcionários e competente equipe médica e paramédica, assistido por um corpo de abnegados voluntários.
Cara Naomi.
Olha só que interessante, vi que você era de Adamantina. A familia da minha mãe eram de Adamantina. familia Kamakura. Inclusive na década de 50 meu avô materno tinha farmácia. (creio que era farmácia Drogacity – irmãos Kamakura).
Quem sabe até conheça: Alice Tieko Kamakura (minha mãe) – nome de solteira.
Caro Frank, claro, os Kamakura de Adamantina: Alice no Consevatório de Música, depois os Honjos-esportistas; acho que até jogamos torneios juntos, em S.Paulo, Londrina? Shoko + o saudoso Oscar. V. me lembrou gratas recordações.
Cara Naomi Doy,
Como esse mundo é pequeno não é verdade? Moro atualmente em Curitiba.
Vc tem conta no facebook.
Minha mãe faleceu no ano passado e o pai está perigrinando no caminho de San Thiago de Compostela.
É verdade, tenho saudades do tio Oscar, era um dos tios favoritos.
Abraços
Frank Honjo