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Sonhos e Nostalgias Com Xangai

7 de junho de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: carisma de Xangai, conflitos de gerações, mudança de valores, Shanghai Dreams, Wang Xiaoshuai

Anos 1960-1976: sob a doutrina do Pensamento de Mao, Xangai, como outras metrópoles chinesas, teve grande parte da sua população desalojada e enviada para zonas rurais do vasto interior chinês, para aprender com os camponeses. Famílias estabelecidas tiveram suas propriedades confiscadas nas cidades, como relatam as escritoras Xinran e Jung Chang. Outras foram para os campos por livre e espontânea vontade. Perseguindo o ideal marxista/maoísta, os chineses abraçaram a causa comunista experimentado os valores da vida comunitária rural, de igualdade e justiça social. Jovens mães deixaram filhos aos cuidados do Estado ou dos avós. Como no caso das mães das duas escritoras.

O rápido desenvolvimento industrial e a ascensão econômica global da China a partir de 1980 trariam de volta o êxodo dos campos para as cidades. Xangai, então hub da região que mais crescia, no delta do poderoso Yangtsé, era a que mais seduzia jovens em busca de oportunidades.

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Vista parcial de Xangai à noite e cartaz de divulgação do filme Shanghai Dreams

Shanghai Dreams (2005), da trilogia do cineasta chinês Wang Xiaoshuai, fala sobre o conflito de gerações e a mudança de valores provocados por desenvolvimento econômico célere. Os outros dois filmes dessa trilogia são As Bicicletas de Pequim (2001) e Chongqing Blues (2010). O filme de Xiaoshuai trata do sonho ao inverso: um chefe de família, já desiludido com o Partido, deseja retornar a Xangai dos sonhos perdidos. Muitos filhos desses pais, porém, já tinham a sua vida formada no campo, seus ideais e amores focalizados em desejos que iam contra a correnteza da maioria.

O conflito provocado pela mudança de valores – morais, sociais, econômicos – é tanto mais profundo num país que, num período de 80 anos (entre 1911-1990), passara de império milenar a república, e a seguir dividido e ocupado por potências estrangeiras. Depois, sacudido por convulsões internas e revoluções políticas e sociais, acabou em ambígua situação de totalitarismo comunista com promessas de abertura democrática capitalista. John Pomfret, em Caminhos da China, também descreveu muito apropriadamente o conflito ideológico que confundiu a cabeça dos jovens da década de 80.

Xangai, sem nunca ter sido escolhida para ser capital de qualquer dinastia ou governo, crescera tenazmente à sombra da vizinha Nanjing, da distante Chongqing a Oeste, ou da longínqua Pequim ao Norte. Localizada no ponto estratégico à beira de mar onde rios caudalosos desembocam, sempre exerceu fascínio, porém. Seu carisma a transformaria na atual megalópole, locomotiva econômica da China, um dos maiores portos comerciais do mundo. Destino almejado por muitos.

Após 1945, japoneses deportados da China quando da rendição do Japão na II Guerra choravam suas vidas e amores construídos e deixados no continente. Muitas canções tratando desse tema se tornaram hits no Japão: “Noites da China” (China no Yoru), “Li Lu no Retorno a Xangai” (Shanghai Gaeri no Riru), “A Vendedora de Flores de Xangai”(Shanghai no Hanauri Mussume), e Shanghai Blues. Todas falando de saudades, de melancólica nostalgia e do ideal de eterna atração que Xangai inspirava. Mesmo no Brasil, entre 1950 e 60, essas canções foram incansavelmente ouvidas em discos vinil e cantadas pelos imigrantes japoneses. Melodias da infância nissei, vez por outra ecoam ainda em nossos ouvidos.

Em Nagasaki, onde minha mãe cresceu até emigrar adolescente para o Brasil, brincava-se um faz-de-conta que divertia crianças: se você ficasse na ponta dos pés (senobi shitara) no topo de uma das muitas colinas e mirasse além, através do Mar do Leste Chinês, em dia de sol claro, daria para vislumbrar a silhueta de Xangai no horizonte. Quando se achavam nas colinas de Nagasaki, até adultos anelavam, secretamente, enxergar Xangai por entre as brumas. Com nostalgia no coração. Sem jamais terem pisado lá.