Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

As Mulheres de Yasujiro Ozu

17 de julho de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: As Irmãs Munekata, Crepúsculo em Tóquio, Dias de juventude, Dias de Outono, Filho Único, Também fomos felizes | 2 Comentários »

Das poucas coisas que se sabe da discreta vida privada de Yasujiro Ozu é que ele nunca se casou, e viveu toda sua vida junto à mãe viúva. Ozu faleceu em 1963, aos 60 anos, no ano seguinte à morte da mãe aos 86 anos. Certamente deve ter sido filho dedicado, a exemplo de muitas filhas de ficção de seus filmes, que não se casavam porque relutavam em deixar sozinhos pai ou mãe, viúvos. Que Ozu entendia de psicologia feminina a fundo, porém, disso não deixou dúvidas. Feminista, ele viveu cercado de mulheres as mais diversas, reais ou de ficção. E que mulheres!

Nos filmes de Ozu não existe mulher fraca de raciocínio ou de caráter. Elas são estóicas, determinadas, práticas. A começar pela jovem Chieko (Junko Matsui), na comédia non sense romântica Dias de Juventude – 1929, filme mudo. Ingênua, indefesa, estudante morando sozinha na cidade grande, porém coquete e esperta. Desperta paixão em dois colegas da turma, um estudioso, outro simpático; mas escolhe ficar com um terceiro, melhor esquiador e melhor partido.

filme

Chieko Higashiyama e Setsuko Hara:mulheres nos filmes de Yasujiro Ozu.

Otsune é uma mãe solteira e operária em fábrica de sericicultura (Choko Iida, Filho Único,1936 – drama, primeiro filme sonoro de Ozu). Faz das tripas coração para sustentar seu filho único, a quem, para assegurar um futuro melhor, envia a Tóquio para completar seus estudos. Ela só tem sofrimentos e decepções. Mas persevera sempre. Noriko (Setsuko Hara), moça independente, desafia família e parentes rejeitando rico casamento arranjado, para se casar com amigo de infância viúvo, com quem se sente feliz e protegida (Também fomos felizes/Bakushu – 1951). Há também as irmãs Munekata que complementam a renda da família com muito trabalho tocando um pequeno bar, enquanto o marido de uma delas não trabalha nem procura emprego, vive perambulando em outros bares e ainda bate na esposa (Kinuyo Tanaka, Munekata Shimai – 1950).

Em todas as histórias, elas batalham e cuidam com abnegação de marido e filhos, até dos problemas de parentes e vizinhos. E seus respectivos pares? Pois ainda que sejam executivos, empresários ou professores, o esporte predileto deles é beber todas até cair, de bar em bar, após o expediente. Chegam em casa tropeçando – quando chegam – e vão deixando tudo pelo chão: sapatos e meias, pasta, lenço, camisa… No banho, reclamam: cadê sabonete? Cadê toalha? Conformada, a esposa vai recolhendo tudo do chão: sapatos, meias, livros, jornais. Não raro eles aspiram a casos extraconjugais; ou quando é rapaz jovem, engravida garota e desaparece para sempre (Crepúsculo em Tóquio – 1957). Eles também são grandes fofoqueiros: dois distintos executivos de meia-idade armam, entre um sakê e outro, intriga e fofoca para tentar casar amigo professor universitário, viúvo recente, com uma bela viúva (Setsuko Hara, Dias de Outono – 1960). À revelia dela, pois, na verdade, os dois é que estão interessados nela. Deixam-na em péssima saia justa. Entra em cena a heroína Yuriko (Mariko Okada), colega de escritório da filha da viúva. Determinada a tirar tudo a limpo, ela provoca um escândalo, passando “aquele” pito e sabão nos três, o pobre professor viúvo e os dois apatetados executivos. Cenas hilariantes que equilibram tensões dramáticas, e fazem a plateia feminina delirar. Tais personagens, brejeiras e expeditas, fizeram da atriz Mariko Okada a coqueluche da época, juntamente com sua amiga Yoko Tsukasa – outra preferida de Ozu.

Em papeis de inesquecíveis mães ou avós, temos a veterana Chieko Higashiyama, e também Haruko Suguiyama, presente em quase todos os filmes de Ozu, como aquela irmã mais velha, ou cunhada, ou tia enxerida e franca, mas decidida e despachada nos momentos de precisão.

Não sem razão, Ozu e seus filmes foram muito cultuados pelas mulheres japonesas. Pois, além dessas maravilhosas mulheres e seus detestáveis parceiros machistas e beberrões, sempre havia, claro, os galãs garbosos, sóbrios e cavalheiros. Tipo Keiji Sada, Ken Uehara, Teiji Takahashi. E ainda astros da velha-guarda como Chishu Ryu, o escolhido de Ozu para papéis intimistas.

Setsuko Hara, musa inspiradora de Ozu, tampouco se casou na vida real. Vivia reclusa até recentemente, aos 90 anos, na aprazível Kamakura, mesma cidade onde Ozu viveu e cujas cinzas repousam no Templo Engaku-ji. Na lápide, apenas uma inscrição: o ideograma ”mu”, a não existência, o nada.


2 Comentários para “As Mulheres de Yasujiro Ozu”

  1. Paulo K.
    1  escreveu às 00:00 em 18 de julho de 2010:

    Propositalmente ou não, a autora dá a dica de que Ozu era gay, o que é novidade para mim.

    Fazendo uma pesquisa na Internet, realmente, há evidência em volume suficiente para dizer com certo grau de segurança que isso era verdade.

    Será interessante rever as sobras com esta nova informação em mente.

  2. naomi
    2  escreveu às 07:39 em 18 de julho de 2010:

    Lamento hipermegaprofundamente se passei essa idéia, prezado Paulo K. !! Nada a ver. Ozu era feminista num Japão machista – defendeu o lugar da mulher na sociedade, assim como deu voz às crianças: sem forçar a barra, mostrando o dia-a-dia da vida. Ozu, como Setsuko Hara, viveram para a Arte (bijutsu hitosuji ni), e nisso foram universalmente fantásticos. Casar ou não casar, ter filhos ou não, é uma opção pessoal – muito além de nossas visões estreitamente egoistas.

    Obrigada pela tua opinião, sempre vem acrescentar, e enriquecer nossas visões.