Família e Tradição em Yasujiro Ozu
14 de julho de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: A Rotina tem seu Encanto, Dias de Outono, Era uma vez em Tóquio, Filho Único, Mostra Yasujiro Ozu: Dias de Juventude, Pai e Filha
O Centro Cultural Banco do Brasil, com apoio da Fundação Japão em São Paulo, apresenta, até o dia 25 de julho, a mostra “Emoção e poesia: o cinema de Yasujiro Ozu”. Oportunidade única para a geração cinéfila atual conhecer um dos mais importantes e profícuos cineastas japoneses. E, para os fãs saudosistas de Ozu, rever alguns dos filmes que marcaram os anos 50 – 60, e conhecer outros que permaneciam inéditos no Brasil.
Muito se tem escrito sobre Ozu mundo afora, rotulado com a pecha de o “mais japonês dos cineastas japoneses”. Na verdade, seus filmes apresentam nada mais do que a descrição simples e espontânea da família japonesa e as mudanças que essa unidade familiar experimenta ao longo dos cruciais anos pré e pós II Guerra. Através de relatos do cotidiano rotineiro de famílias da classe média, Ozu vai desfilando as diferenças entre gerações, provocadas pela pressão de mudanças sociais, políticas e econômicas. Essas mudanças são aceleradas com o fim da Guerra e a entrada do Japão na era do desenvolvimento industrial. A procura das cidades grandes é cada vez maior pelos jovens em busca de estudos e para ser “alguém importante na vida”.
A primeira fase da filmografia de Ozu retrata a transição do Japão, a intensa ocidentalização que já se verifica nas histórias de seus filmes mudos, antes de 1930. Jovens se preparando para seguir universidades, cabelos fixados com brilhantina à Rodolfo Valentino para os rapazes, e frisados à Carole Lombard para as moças. Uma época de inocência, porém já se bebia e se fumava muito. Com flirts ingênuos nas estações termais e de esquis. Há um pouco de autobiográfico nisso, pois na juventude de Ozu consta que seu pai teve de quitar dívidas de bebida que o filho “pródigo” deixava em bares e pousadas.
Na segunda fase, há o Japão rural de antigos costumes deixado para os idosos, e o Japão urbano do pós-guerra desenvolvendo-se caoticamente pelas periferias das grandes cidades. Mais precisamente, a Tóquio preferida por Ozu. Em Era uma vez em Tóquio, um casal de idosos vindo de Onomichi, Hiroshima, em visita a filhos, hospeda-se na casa de um deles. Os espaços são minúsculos nas casinhas em becos e ruelas da periferia. Para fugir do calor e para espairecer, o pai sobe ao “terraço” que serve para secar roupas. Ao qual se chega por escada, bastante precária para uma pessoa de meia-idade. Faz-nos lembrar as ”lajes” da periferia paulista ou carioca, de migrantes, onde as mulheres secam roupas, as moças se bronzeiam e as crianças empinam pipas. Os filmes de Ozu caracterizam-se por temas sempre similares, centrados nos problemas de sobrevivência, no dia-a-dia prosaico, sem grandes paixões nem dramatizações. Tampouco de exibições épicas ou de sofisticados efeitos técnicos. Isso talvez explique a pouca atração de seus filmes no ocidente.
Na última fase, anos 50 para 60, Ozu retrata a vida familiar quando a tensão entre tradição e modernidade se faz cada vez mais intensa. Nota-se o acentuado despojamento no comportamento e nos costumes dos jovens. As moças já são em grande número nas universidades e nos escritórios. As casas contam com mobílias ocidentais (sofás, poltronas, mesas altas), atravancando mais ainda as pequenas salas e cômodos. Não raro, as jovens se queixam que suas pernas “adormeceram” quando, em visitas, precisam permanecer sentadas ajoelhadas em almofadas no chão. Isso deixa transparecer que em muitas casas já não se usava mais sentar de joelhos no assoalho. Aliás, uma característica da atriz Setsuko Hara, musa de Ozu, é ajoelhar-se “escorregando” para os lados, de modo mais informal, nas inúmeras e longas tomadas feitas no interior das casas. Em que a câmera, fixa e imóvel no colo do cameraman sentado de pernas cruzadas, filma a cena também na mesma altura dos atores.
Costumes tradicionais, porém, ainda se conservam. Mesmo as moças consideradas “avançadas”, no fim aceitam casar-se através de miais, casamentos arranjados por “casamenteiros” de plantão. Pois a crença arraigada considera que casamento por amor e paixão esfria em pouco tempo; é preciso que o amor seja construído solidamente ao longo dos anos de uma vida mútua. Isso seria a verdadeira razão para unir-se em matrimônio. As cerimônias de casamento são muito solenes, os trajes para familiares e convidados próximos são os formais quimonos escuros, com o brasão da família bordado em fios de seda. Apesar do afeto e calor que transparecem no relacionamento diário de pais e filhos, a formalidade e a reserva são cultivadas e continuam a ditar o comportamento. Assim, antes de deixar a casa paterna, vestida formalmente no tradicional hanayome-ishoh, traje completo de noiva, cabelos penteados ao estilo bunkin taka-shimada, a filha se ajoelha respeitosamente aos pés dos pais. Agradecendo pelos anos de cuidados e preocupações que a ela foram devotados.