Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

“O Fuzil de Caça”, de Yasushi Inoue

6 de agosto de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: conto de 1949, Editora Estação Liberdade, tradução do japonês por Jefferson José Teixeira-2010 | 2 Comentários »

Fuzil de caça_db_220310_final.indd Importante empresário “que habita a área de Osaka e Kobe”, sentindo-se retratado em poema publicado numa revista especializada, escreve para o autor desse poema, intrigado com a precisão com que o poeta o descreveu não só fisicamente, mas até parecendo adivinhar o seu estado de espírito quando vagueava “pela relva coberta de neve de uma reserva de caça em vilarejo de fontes termais, em Izu”. Omite o verdadeiro nome, mas remete também três cartas que lhe foram escritas por três mulheres: uma jovem que descobre o mundo pérfido dos adultos, uma mulher atormentada por fantasmas carregados de rancores e remorsos, e outra que se dissimula por trás de uma máscara de frivolidades e cinismo.

A partir da construção dessas três cartas, o escritor nos faz mergulhar numa bem urdida trama de amor e ódio velado, de traição e vingança recalcada, de solidão e violência reprimida. Num ambiente refinado e sofisticado, cercado por belas paisagens imersas em diferentes estações do ano, que se revelam sutis, luminosas, melancólicas ou hostis, conforme o estado de alma das três mulheres.

A língua japonesa possui uma nuance peculiar, intraduzível em outras línguas: uma linguagem diferenciada para cada sexo, cada idade, cada classe social. Uma mulher adulta fala a língua de mulher adulta, distinta da de uma criança, uma jovem, um rapaz, ou um homem. O estilo epistolar de uma mulher refinada é de elegância delicada e elaborada, permeado de referencias metafóricas a objetos, paisagens ou às condições do tempo que a rodeiam. Que, em verso ou prosa, indicam as mil emoções e antagonismos que vão pela sua alma. O autor manipula essa particularidade com requintada mestria nas epístolas concebidas para as três personagens femininas, três mulheres cultas de idades, personalidades e idiossincrasias diversas. Cuja essência o tradutor conseguiu captar com bastante propriedade.

Não obstante esse olhar estético-estilístico muito particular, a narrativa de Inoue é centrada na universalidade dos sentimentos de amor e infidelidade, de ódio e ressentimentos, e principalmente de solidão e incomunicabilidade. Temas imortais, onde Osaka e Kobe bem poderiam ser Milão e Gênova, Lyon e Marselha, ou São Paulo e Rio. E o aprazível resort de Atami, deslocado indiferentemente para Portofino, Côte d’Azur ou Angra dos Reis.

É a solidão a dois, quando o amor traído desperta as pequenas serpentes no recôndito de nossas almas. O sentimento universal de se enlevar por um grande amor, leva também a destruir e se destruir por uma amarga revelação. É um livro para se apreender por quem amou e foi traído; por quem não amou e foi idolatrado; por quem experimentou e perdeu um grande amor. Amar ou ser amado; trair ou ser traído; odiar ou perdoar; pecar ou se arrepender (por não ter pecado). Eis a questão.

O autor, Yasushi Inoue (1907-1991), graduado em estética e filosofia, estreou em 1949, com “O fuzil da caça”, seu único romance (na verdade, um conto) traduzido para o português. Popularíssimo no Japão por seus ensaios, contos e romances, é considerado um clássico da literatura japonesa, principalmente pelos seus romances históricos que resgatam antigas lendas do Japão, China e Coreia. A Fundação Japão (www.fjsp.org.br e [email protected]) abriga algumas de suas obras traduzidas para o inglês, e também a obra completa do autor em 29 monumentais volumes, em japonês. A Estação Liberdade promete lançar “O castelo de Yodo”, em 2011.


2 Comentários para ““O Fuzil de Caça”, de Yasushi Inoue”

  1. Silvio Bonilha
    1  escreveu às 10:22 em 21 de janeiro de 2020:

    Yokota parabéns pelo site. Meu amigo, professor em Osaka – JP, Rogério A. Dezem foi quem me enviou o link da resenha,
    “O Fuzil de Caça”, de Yasushi Inoue, escrito por Naomi Doy. Gostei muito. Espero que este trabalho não perca o fôlego, admiro sobre maneira a cultura e o povo asiático, em especial os nossos irmãos japoneses.
    Abraços

  2. Paulo Yokota
    2  escreveu às 11:49 em 22 de janeiro de 2020:

    Caro Silvio Bonilha.
    Obrigado pelo seu comentário.

    Paulo Yokota