Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

O Leste Asiático e o Império de Kublai Khan, Segundo Yasushi Inoue

11 de agosto de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: domínio mongol, quase invasão do Japão, século XIII, “Vento e Ondas”

yasushi_inoue Exímio em narrativas fascinantes sobre angústias urbanas modernas com delicados toques de psicologia amorosa, Yasushi Inoue se sobressai também como talentoso contador de histórias de antigas lendas e tradições da China, Coreia e Japão. Dedicando-se seriamente ao estudo da história chinesa e coreana, fez frequentes viagens aos dois países. Seus inúmeros romances históricos são considerados de profunda autenticidade, não só por intelectuais japoneses como por chineses e coreanos: Os telhados de cerâmica de Tempyô(1957), Tun-huang (1959), Lou-lan (1959), O Lobo Azul (1960- sobre Genghis Khan), Viagens além de Samarkand (1971), Confucius (1989), para citar apenas alguns.

Wind and Waves, University of Hawaii Press-1989, tradução de Fûtô, 1963, conta os dramáticos eventos que afetaram o Leste Asiático – particularmente a península coreana – nos meados do século XIII. Após ter invadido a China, derrotado a Dinastia Sung, e estabelecido o poderoso Império Mongol na China (Dinastia Yuan), Kublai Khan dirigiu sua ambição para a conquista do arquipélago japonês. O Japão, então sob o xogunato de Kamakura, era um país de belicosos samurais, isolado nas brumas além do Mar do Norte. Para Kublai Khan, lá se escondiam imensas riquezas. Emissários enviados para que Kamakura se rendesse ao Imperador Mongol foram seguidamente ignorados pelo xogunato.

A península de Koryô (Coreia), que já vinha sendo devastada e subjugada havia décadas pelo exército mongol, torna-se ponto estratégico para a invasão do Japão. Para obter apoio dos já combalidos coreanos, Kublai Khan envia auxílios em armamentos e soldados, condecora aristocratas de Koryô, e faz uma aliança estratégica: oferece sua filha, princesa Khutlgaimish, em casamento, ao rei Ch’ungnyol de Koryô (1274). Que é obrigado a repudiar a rainha, para se tornar genro do poderoso imperador de Yuan. O reino de Koryô é então chamado a colaborar na invasão do Japão, construindo navios e contribuindo com mantimentos, marinheiros e tropas. Após os longos anos de guerra contra os mongóis, a península era uma terra arrasada e população masculina adulta dizimada. A história desse conturbado período é relatada pelo escritor com muita compaixão pelos coreanos, num tempo em que eles estavam ameaçados de extinção como um povo culturalmente identificável. A narrativa linear e contemplativa lembra um roteiro cinematográfico.

Trâmites para organizar a invasão transcorriam lentos e demorados, devido à distância que separava as capitais de Yuan (Yen tu/Pequim) e de Koryô (Kaegyong/Kaeson), e também porque rei e ministros protelavam decisões a fim de poupar reino e povo sofridos. Mas os eventos levaram fatalmente à invasão do Japão, em outubro de 1274. O autor narra o ocorrido do ponto de vista de Koryô, nada relatando da batalha travada na Baia de Hakata, ao norte de Kyushu – episódio que seria lembrado em verso e prosa através dos séculos pelos japoneses. As forças combinadas sino-mongol-coreana são tragadas pelo mar durante um violento tufão, igual aos que até hoje assolam o arquipélago em todos os verãos, entre julho e outubro. Alguns poucos navios e marinheiros conseguem retornar a Koryô.

Kublai Khan não desiste. Organiza nova invasão muito mais poderosa, para julho de 1281: 4.400 navios e 140.000 homens, uma armada composta por três frotas de etnias diversas em línguas, costumes e determinação. Embora o povo coreano visse na invasão do Japão um possível fim para a frequente incursão de piratas japoneses no litoral da península, o ressentimento contra a opressão de Yuan era igualmente forte.

A frota mongol era comandada pelos marechais Hindu (mongol) e Hong Tagu, enigmático coreano de feições mongóis. A frota coreana, liderada pelo mítico marechal coreano Kim Pang-gyong, zarpou conjuntamente com a frota mongol do porto de Happô, no extremo sul da península. A frota chinesa, a maior das três, que devia partir do sul do continente chinês para se juntar às duas outras em lugar próximo à Ilha de Iki, no Mar do Japão, “na lua cheia do mês de junho”, era chefiada pelo almirante chinês Fan Wen-hu, remanescente das forças da Dinastia Sung. Mas esta frota não chegou como combinado – só alcançou as águas japonesas em agosto, quando as duas frotas, sofrendo grandes baixas, já recuavam. Grandes ventos fustigavam o litoral. Toda a frota chinesa foi destruída em uma noite, pelo tufão. Desbaratados, esparsos barcos e homens retornaram às costas coreanas.

Após a frustrada invasão, o Império Yuan teve que se ocupar de outras guerras, internas, e nas fronteiras continentais. Com a morte de Kublai Khan (1294), nunca mais se falou de invasão do Japão. A morte prematura da rainha Khutlgaimish permitiu ao rei Ch’ungnyol acolher de novo a antiga rainha. Costumes e rituais mongóis foram abolidos, paz e autonomia restabelecidas. E assim o Reino de Koryô teve a sua milenar civilização e cultura enfim preservadas.