Still Life with Rice, de Helie Lee
3 de setembro de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Livros e Filmes | Tags: Coréia, Editora Simon & Schuster, história recente, mulheres coreanas, Natureza morta com arroz, New York-1997
A autora, Helie Lee, nascida na Coreia do Sul, emigrou para o Canadá ainda criança com os pais e a irmã, em 1968. Dali, a família passou para a Costa Oeste americana, onde hoje reside, em LaCrescenta, Califórnia. Seus pais desejavam para suas filhas um futuro com liberdade e sem ameaça de guerras, onde pudessem manter a identidade cultural. Helie Lee cresceu odiando sua origem asiática, renegando a herança coreana, e tudo fazia para parecer uma garota ocidental. Mas na sua casa se falava coreano, e ela indiscutivelmente não conseguia passar sem a sua tigela de arroz com kimuchi (conserva típica de legumes com molho picante de pimenta vermelha). Uma atração irrefreável a leva a uma viagem em busca de suas raízes, já adulta, à Coreia do Sul e a Xangai, na China.
Neste livro, Helie Lee relata a provação vivida pelo povo coreano desde a ocupação japonesa até os recentes anos da Coreia dividida em Norte e Sul, e em permanente estado de guerra fria depois de ter suportado uma devastadora guerra civil. Narrada pela voz da sua avó materna, Hongyong Baek, nascida em Pyongyang em 1912, é, ao mesmo tempo, uma dura e incisiva revelação do sofrimento das mulheres e crianças coreanas – pois guerras e invasões, embora seja um jogo de homens, fazem de mulheres e crianças as maiores vítimas.
Para fugir da ocupação japonesa que oprimia o povo e ameaçava extinguir a identidade cultural do país, a família dos avôs de Helie Lee tinha se refugiado na Koreatown de Xangai, para que os filhos pudessem continuar sendo coreanos. Pois na Coreia, a língua oficial nas escolas e repartições era, então, a japonesa, e não se admitia a coreana nem como segunda língua. Após a rendição japonesa na II Guerra e retirada de suas tropas em 1945, a família da avó Baek retorna a Pyongyang, ao Norte, numa Coreia dividida por forças pacificadoras russas e americanas. Saudado como libertador, esse acordo político levaria a trágico resultado em que um simples traçado no paralelo 38 dividiria o país para sempre e destruiria 1277 anos de unidade – algo que nem os japoneses, em quase 40 anos de ocupação, tinham conseguido. No Norte, terras, fábricas, empresas são confiscadas e redistribuídas.
O êxodo de coreanos fugindo do comunismo formava uma imensa coluna de gente que se estendia pelo país, a perder de vista, ao longo da Auto-Estrada Imperial de Sinjangno – desde o Rio Yalu a Uiju, e através de Pyongyang até Seul. Desencontrando-se do seu marido e do filho mais velho (homens eram mais policiados pelo exército comunista), Hongyong decide encarar a fuga sozinha, com três filhos pequenos e um bebê nas costas. A longa e sofrida caminhada pela estrada se prolonga por várias semanas sob intempérie e sob mira de implacáveis bombardeios de aviões B29 do governo do Norte. De comida, apenas um minguado saco de arroz que ela levava equilibrando na cabeça. Arroz, sagrado alimento de culturas asiáticas. Donde o título, Natureza morta com arroz: como numa pintura, a paisagem de terra arrasada, fome e morte, é descrita em cena conhecida de coreanos desde tempos remotos.
O livro tem altos e baixos, relatos de inverossímeis proezas da avó em Xangai – seu enriquecimento fabuloso lidando com mercado negro de óleo de gergelim, tráfico de ópio, ou restaurante de sucesso. Embora careça da solidez estilístico-narrativa, por exemplo, de Cisnes Selvagens, em tema similar da chinesa Jung Chang, vale como depoimento corajoso de uma época decisiva da Coreia. Quando às mulheres não cabia livre-arbítrio nem direito de expressar opiniões, mas lhes cabia alimentar, consolar e apaziguar maridos, filhos e nação.
Hongyong Baek consegue se juntar à família da filha na Califórnia, em 1976. Aos 80 anos, obteve cidadania americana. Em 1991, ela recebe a confirmação de que seu filho mais velho estava vivo em Pyongyang, casado e com filhos. Determinada, ela tinha fé na reunificação das duas Coreias, e sonhava poder rever seu filho algum dia.
Mulheres coreanas foram das últimas asiáticas a se revelarem e se libertarem de opressão ditada pela própria tradição, ou de tirania imposta por cultura invasora ou totalitária. Talvez não. Talvez elas tenham ainda muita coisa a revelar e de que se libertar. Como Helie Lee ou Linda Sue Park (When my name was Keoko), talvez elas estejam apenas começando.