Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

“Kôyô Zensen” – Matizes de Outono

28 de outubro de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Cultura, Depoimentos | Tags: Arashiyama, contemplação de paisagem outonal, Parque Nacional de Nikko; “momiji gari”, Quioto; Irohazaka

Apesar da exígua extensão territorial se comparada a países continentais como o Brasil, 70% das terras do Japão são montanhas não habitadas, cobertas de florestas e banhadas por riachos cristalinos. Terras são muito prezadas pelos japoneses, suas montanhas e florestas, reverenciadas. Grande parte de árvores dessas florestas preservadas se constituem de espécies deciduifólias, como nas outras regiões do hemisfério norte: árvores que se desfolham no inverno, cujas folhas se tingem de diferentes matizes de amarelo, laranja e vermelho, no outono.

São bordos e ácers diversos (kaede, momiji, sugar maple), ginko bilobas (ichô), sumagreiras (urushi, árvore que produz o verniz de charão), altaneiras (keyaki), paulownias (kiri), entre outras. As folhas começam a mudar de cor em meados de setembro, a partir da região norte, desde Hokkaido. A coloração outonal avança em direção ao sul, nos meses de outubro e novembro, acompanhando a feliz disposição geográfica do arquipélago. Chamado de kôyo zensen -“frente de folhas tingidas”, esse avanço é anunciado diariamente pela mídia. Jornais estampam fotos das montanhas e colinas coloridas, emissoras de televisão mostram espetaculares paisagens tingidas de tons que vão do amarelo claro ao vermelho escuro, passando pelo laranja, misturados ao verde contrastante das árvores de folhas perenes.

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Costume que vem desde os tempos de Heian (anos 794 – 1185), em Quioto, a contemplação das folhas coloridas de outono – momiji gari, ou kôyô gari – continua muito apreciada pelos japoneses. Turistas buscam o kôyô nos mesmos antigos lugares, famosos por sua beleza de outono, como ao longo da ladeira Irohazaka, que leva ao sagrado monte de Nantai, no Parque Nacional de Nikko, ou as montanhas de Arashiyama, em Quioto. E por todo o Japão. Nobres da elegante corte de Heian desciam de barco o Rio Hozu, em Arashiyama, para a contemplação da natureza cambiante, tocando kotos e compondo poemas: na primavera, as efêmeras flores das cerejeiras; nas noites de verão, os fugazes vagalumes; no outono, o transitório kôyô e o cricrilar de grilos cantantes.

As folhas adquirem cores amarelo-avermelhadas, tanto mais fortes quanto maior tenha sido a diferença de temperatura entre o dia e a noite durante o verão, umidade moderada com muitas horas de sol, altas temperaturas, e elevado nível de raios ultravioletas. O verão foi bastante quente no Japão, o kôyô está prometendo. Avançando desde o norte, atingiu Nikko a semana passada, e está chegando a Quioto, segundo notícias de TV; embora meio eclipsado pela inesperada onda de frio e neve prematura. Outras notícias da estação, algumas inusitadas, são informadas: ao caminhar por florestas montanhosas contemplando e tirando fotos da paisagem tingida, um turista foi atacado por urso, e hospitalizado. Enquanto aprecia o kôyô, pessoas aproveitam para caçar cogumelos nativos; alguns desavisados foram também hospitalizados, após degustarem cogumelos venenosos.

Preparando-se para a longa hibernação, ursos estão ansiosos e aflitos à procura de comida extra nesta época, e podem descer as montanhas, como tem acontecido em áreas rurais no Japão. Bichos certamente enfrentam desequilíbrios em sua sobrevivência. Kinoko – cogumelos – como shiitake e matsutake selvagens e nativos, também são para serem apreciados, claro, deliciosos, aromáticos e irresistíveis que são. Em tempos de onda verde e preservação da biodiversidade, porém, apreciá-los apenas através da contemplação? Resistir à tentação, e se curvar à patrulha? Se conseguir. Em nome do Planeta.