Honorável Maestro Seiji Ozawa
10 de novembro de 2010
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura | Tags: apresentação em São Paulo, Berkshire Music Center, Boston Symphony Orchestra, meio século regendo pelo mundo
Seiji Ozawa se tornou o primeiro regente japonês a receber título de membro honorário da Orquestra Filarmônica de Viena, em tocante cerimônia em Tóquio, transmitida pela NHK-News. Nascido em 1935 na Manchúria, sua família fez parte do contingente de japoneses deportados para o Japão durante a II Guerra. Com forte inclinação para música, cedo se apaixonou por clássicos europeus. Estudante na Toho School of Music, em Tóquio, estagiou em orquestras (Sinfônica da NHK, Filarmônica do Japão), na área de regência e composição. Concluído o curso com louvor, viajou pela Europa. Em competição internacional para regentes em Besançon, França, se classificou em primeiro – o que lhe abriu caminho para bolsa de estudos na prestigiosa Berkshire Music Center Tanglewood, Massachusetts, EUA, summer home do Boston Symphony Orchestra. Era verão de 1960, e sua vida ficaria para sempre ligada a este Centro e, por conseguinte, à Sinfônica de Boston – para onde seria convidado para ser consultor musical, depois nomeado diretor de música, e finalmente, consagrado maestro. Diretor artístico do Berkshire Music Center desde 1972, ele regeu a Sinfônica de Boston em diversas ocasiões no Tanglewood Summer Music Festival, para estudantes e amigos de música do mundo inteiro.
Com seu modo de vida eminentemente motorizado e despreendido, americanos encaram estradas por 4 a 6 horas numa boa, apenas para usufruir de espetáculo cultural em locais de acesso restrito sem maiores confortos. No verão de 1972, participando de intercâmbio para professores em Boston, numa tarde de sexta-feira pegávamos a Massachusetts Turnpike, fantástica highway de então, rumo oeste, às aprazíveis Berkshire Hills, nas fraldas das quais está Lenox-Tanglewood. Lenox se enchia de gente vinda de vários estados, vizinhos ou distantes. O amplo shed, auditório aberto do Berkshire Music Center, acomoda umas 5.000 pessoas na parte coberta, e mais de 10.000 no gramado em frente. Concertos regidos pelo carismático e cabeludo jovem regente japonês, revelação da época, ficavam lotados. As pessoas se acomodavam como podiam, em cadeiras dobráveis, tripés, ou sentadas no gramado. Quando o concerto atingia o clímax e Seiji Ozawa regia como em transe, ninguém conseguia ficar sentado, acompanhava extasiado, de pé. Ao término da apresentação, as pessoas demoravam alguns segundos para voltar a si, e só então vinha estrondosa ovação. Na interpretação vigorosa do maestro, complexas composições como a Oitava Sinfonia de Gustav Mahler arrepiavam até não iniciados. Ele próprio avesso a colarinhos duros e trajes a rigor, Seiji Ozawa parecia curtir a informalidade despojada e democrática da plateia, gente de todas as idades, classes e raças, em tênis, jeans, bermudas.
O estilo “flamboyant” de Ozawa e sua rebelde e irreverente arrogância magnetizavam jovens, mas nada agradavam a conservadores, mormente no Japão. Foi apelidado “enfant terrible do mundo sinfônico”. Mas o Japão se adaptava aos modos ocidentais, Ozawa amadurecia, e logo estava fazendo turnês de sucesso pelo país. Trabalhou com renomados maestros (Herbert von Karajan, Leornard Bernstein), regeu várias grandes orquestras (sinfônicas de Toronto, Chicago, São Francisco, filarmônicas de Filadélfia, Nova York, Berlim, Japão), e se apresentou em memoráveis turnêss pelo mundo. Sua mais notável performance, porém, talvez tenha sido em 1979: com a Sinfônica de Boston, ele se apresentou em concertos na República Popular da China, marcando um intercâmbio sem precedentes até então, e que serviu para derreter muito gelo não só entre EUA e China, mas, como maestro de origem japonesa, entre China e Japão.
Em 1994, foi construído novo complexo em Berkshire, cuja sala para concertos de câmara, para 1.200 pessoas, recebeu o nome de Seiji Ozawa Hall. Afastado das atividades para se tratar de câncer de esôfago, o maestro voltou às atividades em setembro último. Emocionado, não conteve as lágrimas na recente cerimônia em Tóquio. Pretende participar ativamente de um festival de artes em Nova Iorque, no próximo mês. Bravo, Maestro!
Seiji Ozawa esteve regendo em São Paulo algumas vezes, tendo cancelado a última em decorrência de sua saúde.