Neve e “Jûhyô” do Monte Zaô Ameaçados
24 de novembro de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: Cancun-México, COP-16, mudanças climáticas, província de Yamagata, Zaô-san
Na região profunda de Tohoku, a nordeste de Honshu, entre as províncias de Yamagata e Miyagi, ergue-se, bela e majestosa, a outrora isolada Cordilheira Zaô, com suas montanhas de abetos e pinheiros eternamente cobertas de neve e seu silêncio de milênios. Hoje, suas estações de esqui e spa-onsens (termas) se tornaram hits para esportistas e turistas.
O que torna as Montanhas Zaô únicas no mundo, porém, é o fenômeno chamado jûhyô – maravilha da natureza que pode ser vista em algumas das altas montanhas da cadeia durante os meses mais frios, entre dezembro e março. Condições climáticas típicas locais colaboram para que as camadas de neve que caem sobrepostas nos galhos se congelem e se cristalizem, tomando estranhas formas de “monstros de gelo”. A neve extremamente úmida do Mar do Japão, carregada do noroeste pela gélida e forte corrente siberiana, se “gruda” nos galhos fechados das coníferas. Com a temperatura permanecendo a -5ºC, o jûhyiô se conserva por meses e continua a crescer com o acúmulo de mais neve, e a mudar de forma. Camadas de neve de dois a três metros costumam cobrir a região.
Conforme informa a NHK-TV, cientistas da Universidade de Yamagata alertam agora que, se o aquecimento global continuar avançando no passo atual, o fenômeno do jûhyiô na Cordilheira Zaô pode desaparecer dentro de quatro décadas. A pesquisa examinou a formação do jûhyiô usando dados e fotos datando desde começos do século XX, e constatou-se que, há 70 anos, o fenômeno podia ser observado a partir de 1.400 metros de altitude. Hoje, o jûhyiô só pode ser observado a partir de 1.600 metros. A montanha mais alta da cadeia tem 1.800 metros de altitude. Com o gradual aquecimento, a temperatura próxima ao cume aumentou uns 3ºC nos últimos 70 anos, cerca de 1ºC a cada 40 anos. Estudos avaliam que apenas mais um grau de aumento significaria o fim do fenômeno. Além do mais, o período em que se pode observá-lo se encurtou em mais de 60 dias, se comparado aos dados de 70 anos atrás.
As Montanhas Zaô se tornaram atração nos últimos tempos com o aumento da facilidade de acesso (trens, boas estradas) e criação de luxuosa infraestrutura hoteleira e comodidades. Milhares de pessoas acorrem à região o ano inteiro para desfrutar da vista e dos esportes de inverno, onsen, yuki-mi (contemplação da neve) e, claro, do jûhyiô-mi. Esquiadores deslizam às centenas, até por entre as coníferas cobertas de jûhyiô. À noite, a misteriosa floresta de coníferas com suas estranhas formações são iluminadas (lighting up), para deleite dos turistas, coisa que não existia há 30, 40 anos. Seria certo culpar somente o aquecimento global? É o homem ultrapassando o satoyama, invadindo o habitat da mãe natureza.
Contundente artigo de Justin Gillis no suplemento do The New York Times/Folha de São Paulo (“O mar sobe e uma catástrofe espreita” – 22/Nov/2010), diz que “a inanição pode inundar cidades costeiras; cientistas tentam achar respostas para uma das perguntas atuais mais urgentes e discutidas: com que rapidez o gelo do mundo vai se derreter?” É visível a diminuição da faixa de areia mesmo em praias paulistas, nos últimos 30 ou 40 anos; em épocas de ressaca, é cada vez mais comum a maré invadir calçadas e jardins de casas, e destruir muros de arrimo à beira mar. Quando Al Gore (Nobel da Paz, 2007) lançou documentário denunciando o aquecimento global (Uma verdade inconveniente-2006), muita gente o considerou visionário ressentido pela derrota em eleição presidencial. Mas grandes e notáveis mudanças vêm ocorrendo assustadoramente nas geleiras da Groenlândia e da Antártida, tal como ele divulgava.
A partir de 2ª feira, dia 29 de novembro, a COP-16 vai se reunir em Cancun, México, para avaliar resultados e elaborar novas propostas que em 2012 substituirão o Protocolo de Quioto. Em 1997, quando o Protocolo foi proposto, alguns países se abstiveram de ratificá-lo, justamente os que mais emitem gases do efeito estufa. Entrementes, o Planeta vive uma emergência global na questão de mudanças climáticas. Cabe a cada um de nós a determinação de deixar ou não a herança de um lugar vegetável para as nossas futuras gerações.