97 Anos da Tomie Ohtake
6 de dezembro de 2010
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura | Tags: exposição dos seus trabalhos recentes, first lady das artes plásticas do Brasil
Muito se escreveu sobre esta excepcional personalidade que é Tomie Ohtake e sua obra nestas últimas semanas em todos os jornais importantes. Deixei de registrar imediatamente este extraordinário evento, os 10 anos do Instituto que leva o seu nome e a apresentação dos seus últimos trabalhos, até porque não tenho talento suficiente para me igualar aos demais. Críticos dos mais prestigiados foram unânimes no destaque de sua reconhecida contribuição para as artes plásticas no Brasil, lembrando sua bagagem cultural trazida do Japão e que ela enriqueceu nesta terra maravilho, elevando a qualidade dos seus trabalhos.
Tomie Ohtake e algumas de suas obras
Desejo registrar aspectos da nossa amizade pessoal que não são de conhecimento público. Que ela é uma simpatia, e apesar de sua grande presença, com toda a humildade e recato de uma japonesa de nascimento criado no fino ambiente de Quioto, continua dando a todos os seus amigos a atenção diferenciada que a caracteriza, mostrando que mais que uma artista ela é uma pessoa humana que enriquece todos que têm o privilégio de conviver com esta gigante de sabedoria e sensibilidade.
Permita-me a liberdade de contar alguns poucos contatos pessoais com ela, desde quando a conheci e ainda não era famosa. Da época em que participava ainda timidamente dos eventos do grupo Seibi. Na companhia de outros artistas como Manabu Mabe, Yoshiya Takaoka, Flávio Shiró, Tikashi Fukushima, Tomoo Handa, entre os que ficaram mais conhecidos, todos humildes, sem a vaidade que é freqüente nos meios artísticos. Ou outros que eram mais amigos do meu pai, igualmente importantes como Shigeto Tanaka e Yuji Tamaki. Como muitos artistas, ela era de falar pouco, em português ou japonês, mas precisa nas suas intervenções, como seus traços artísticos.
Antes dela, que era a única mulher que participava mais ativamente do grupo e surgiu tardiamente neste cenário, o grupo Seibi teve um intercâmbio ativo com o grupo Santa Helena, de pintores como Rebolo, Volpi, Penacchio, cujos ateliês, modestas salas desarrumadas, tive o privilégio de conhecer nos escuros corredores do Palacete do mesmo nome. Época em Tanaka e Mabe pintavam gravatas de seda vendidas na alfaiataria do meu pai para sobreviverem, e estes pintores deixavam suas obras como pagamentos nos restaurantes da região do bairro da Liberdade.
Uma lembrança inesquecível com Tomie Ohtake foi um jantar que tivemos em Tóquio, quando ela apresentou uma exposição no Japão. Num restaurante que ficava num edifício em frente ao parque Hibiya, na companhia de Ruy e Ricardo. Eu, que frequentava mais aquela Capital que ela, encomendei um jantar em que o tempurá vinha apresentado como uma escultura, ao lado de outra em gelo. A alegria quase infantil dela sensibilizou-me, e continua sendo objeto de nossas boas lembranças.
Ou quando íamos a uma exposição juntos e na tentativa de não cansá-la nos retraíamos, e ela perguntava até nas horas avançadas, “onde vamos agora”? Ou quando ela se encantava com um simples presente de um missô artesanal, pois ela sempre apreciou um bom missoshiru.
Ruy e Ricardo me honraram com uma consulta num almoço de como viabilizar um Instituto e eu tive a sorte de sugerir que ficassem associados a um patrocinador, verdadeiro parceiro, pois não era fácil sustentar uma instituição cultural. Já se vão mais de 10 anos, e eles, junto com Tomie Ohtake, conseguem manter esta obra com um excepcional trabalho e muito talento, que orgulha São Paulo, o Brasil e porque não dizer, também o Japão. Com a ajuda de dedicados admiradores, que viraram patrocinadores habituais.
Sou testemunha que ela trabalhou duro no centenário da imigração japonesa, mostrando os esboços e maquetes. Obras monumentais e permanentes foram deixadas pela sua dedicação ao trabalho de criação, mesmo com suas limitações físicas. Ela me autorizou o uso de uma foto delas na capa de um livro de minha modesta autoria, como símbolo do intercâmbio nipo-brasileiro, resgistrada por Ricardo.
Só resta dizer, parabéns a todos, pois ela é o cérebro de tudo isto que está aí. E recomendar aos que ainda não visitaram a sua exposição que o façam até o próximo mês de fevereiro.