Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

O Japão que se Aconchega na Calamidade

17 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: coragem, otimismo, solidariedade, The JapanTimes | 2 Comentários »

Para brasileiros médios de norte a sul, o que nos amedronta é a violência (roubos, assaltos) e desemprego, enquanto em países da Europa é o terrorismo. Para americanos que moram em lindas casas brancas de madeira com venezianas verdes na Nova Inglaterra, como na Califórnia de outras arquiteturas, é o fogo, o incêndio.

A jornalista Kaori Shoji, do The Japan Times (Through the shaking, Japan comes together –16/03/2011), relata que quatro são os tensais (desastres divinos) que japoneses sempre temeram desde tempos remotos: jishin (terremoto), kaminari (raios), kaji (incêndio) e oyaji (o pai, o “velho”). Não havia muita coisa que um mortal pudesse fazer para apaziguar a fúria deles. Sendo jishin o primeiro deles, toquioenses e o resto do país encaram terremotos com preparo estóico. Assim que aprendem a andar, já ganham o seu kit-mochila com itens de emergência (comida não perecível, água, primeiros socorros, toalha). Quando atingem a maioridade, todos sabem que patrões têm a obrigação de equipar cada empregado com um substancial kit-jishin.

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Quando o sismo de 9.0 Richter assolou Tohoku (nordeste) e Kanto (Tóquio e adjacências) com menor intensidade na sexta-feira passada e afetou o transporte coletivo, o que se viu em Tóquio foram homens e mulheres enfrentando a longa caminhada para suas casas, com suas kits-mochila nas costas. Alguns preferiram pernoitar onde puderam, a caminhar, embora todo trabalhador de Tóquio esteja muito preparado para caminhar horas com mochilas nas costas: as empresas promovem, junto com a prefeitura, treinos simulados para terremotos. Empregados reunidos em algum ponto de encontro num fim de semana (o favorito é o entorno do Palácio Imperial) recebem orientações técnicas; então começam a caminhar com mochilas de sobrevivência por 15 a 20 quilômetros, que os levará para periferia da cidade, talvez direção Chiba e Saitama – onde a maioria mora.

Mulheres japonesas são preparadas desde tempos imemoriais a arregaçar as mangas de seus quimonos e arrumar panelas e arroz em meio a qualquer adversidade, para fazer o takidashi (cozinhar para fora), para feridos, desabrigados e esfomeados. Em cidades da província de Miyagi, onde 70% da população estão em abrigos, mães e filhas que tiveram suas casas poupadas pelo desastre logo se juntaram carregando suas panelas e todo o arroz disponível. E enrolam centenas de milhares de onigiri (bolinhos de arroz) quentinhos. Maridos e pais, por sua vez, assumiram o lado ninja-herói; logo, muitas histórias de coragem, rapidez de decisão ou puro altruísmo começaram a ser reveladas em meio aos destroços.

Devido ao blecaute forçado, pessoas voltam mais cedo do trabalho em áreas não afetadas. Pela primeira vez, homens adultos ficam em casa durante a semana, dividindo a crise e a incerteza com suas famílias: esposas e filhos também dispensados mais cedo do trabalho e das escolas. Precisam economizar energia elétrica, então aparelhos de TV, computadores, games no celular estão fora de questão. Só lhes resta engajar em boas horas de conversação, ou em camaradagem com os vizinhos. Coisa rara, famílias estão sentando juntas à mesa para jantar, em pleno dia de semana. Enquanto isso são informadas que blecautes e yoshin (tremores secundários) deverão continuar abril adentro; que o número de mortos vai ultrapassar 10.000; que polícia, Forças da Defesa Civil e batalhões locais se empenham na árdua tarefa de encontrar mortos e desaparecidos, e retirar os escombros; que a neve continuará inclemente pela quase primavera. E desastre nuclear que ameaça.

Kaori Shoji diz que a palavra que japoneses mais prezam ouvir nestes dias de agonia, é buji (são e salvo), formada pela aglutinação dos ideogramas mu, bu = nada; e koto, ji = incidente, ocorrência. “Sem ocorrências”. É a situação pela qual japoneses estão orando. Do Brasil, acrescentamos em uníssono: “Gambarê!” (perseverem, não se abatam).


2 Comentários para “O Japão que se Aconchega na Calamidade”

  1. Kazusei Akiyama
    1  escreveu às 13:19 em 17 de março de 2011:

    Tensai 天災 significa literalmente “desastre da natureza”, eu não traduziria como desastre divino. Seu antônimo é jinsai 人災 “desastre causado por ser humano”. Na cultura japonesa, tensai é inevitável enquanto jinsai é evitável através de esforço e superação.

  2. Paulo Yokota
    2  escreveu às 12:45 em 17 de março de 2011:

    Dr. Kazusei Akiyama,

    Muito obrigado pelo esclarecimento.

    Paulo Yokota