Onigiri (Bolinho de Arroz) e Voluntários: Mobilização Anônima
28 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: abrigos e voluntários improvisados, histórias exemplares, NHK-News, The Japan Times
“Onde estão as pessoas? E os voluntários de que o país tanto se orgulha?” – perguntava um repórter de importante emissora brasileira de TV, estacionado em Ôshu, província de Iwate, contemplando a devastação e o silêncio da região litorânea de Ôfunato: lá embaixo, vilarejos destruídos estavam vazios de gente, apenas o cenário apocalíptico. Era o 3º ou 4º dia após o tsunami, a terra tremia a toda hora, 3.0 a 6.0 Richter. Alarme e alerta permanente para novas possíveis ondas; que ninguém voltasse às cidades, não se aproximasse do litoral.
Onde estava o povo? Ora, nos seguros centros de evacuação ou nas centenas de abrigos improvisados, em lugares mais altos, onde as pessoas se refugiaram, guiadas por alto-falantes de alerta, pelas placas indicativas, ou por puro instinto. O relato de sobreviventes é atroz: as primeiras 48 horas foram pesadelo, fome e frio. Isolados, sem comunicação, só puderam contar com a ajuda de gente da região que tinham escapado da destruição. Ao longo de 500 quilômetros do litoral nordeste, desde Aomori até Fukushima, a comunicação ficou interrompida: telefones, celulares, TV, internet – tudo fora do ar. Pontes soçobravam, estradas ficaram inundadas ou destruídas na parte do litoral, e interrompidas por avalanches e deslizamentos na parte interna de Honshu (a principal ilha do Japão). Depois da falta de comida e remédios, o que mais afligia sobreviventes, feridos e doentes era a falta de notícias, sem saber o que acontecia no resto do país. Sem falar do frio inclemente.
Gente que conseguiu sair com a saúde ilesa e aqueles que tiveram suas casas fora do alcance das ondas acorreram aos abrigos com tudo que conseguiam arregimentar na redondeza – remédios, roupas, panelas, comida. Com estradas vicinais bloqueadas, não podiam ir muito longe, até porque o combustível chegava ao fim. Abundam histórias de gente que perdeu tudo – casa, família, comércio, fábrica – mas que se empenharam em cuidar de amigos, vizinhos, desconhecidos. Entre eles, naturalmente, médicos e paramédicos dos vilarejos. Fazendo das tripas coração, esqueceram o próprio drama para prestar plantão permanente: cuidar dos feridos e doentes, alimentar os desabrigados e esfomeados, consolar os desesperados.
À medida que comunicação, pontes, estradas e rodovias eram restauradas, começaram a chegar socorro efetivo e alívio. Mas nesses primeiros dias, as pessoas sobreviveram com dois onigiris (bolinhos de arroz) cada um, por dia, mais pacote de biscoito ou similares. Com alguma ajuda chegando, o onigiri enfim começou a ser complementado com tigelas de ton-jiru ou buta-jiru, sopa de missô com caldo de carne de porco e legumes – o trivial mais trivial da comida japonesa. A sopa quente depois de dois dias em meio à neve “aqueceu até a alma”, dizem desabrigados com lágrimas nos olhos.
Se o repórter brasileiro voltar à região agora, poderá constatar movimento intenso de tratores, buldozers e guinchos gigantescos, centenas de voluntários oficiais ou não, brigadas da Defesa Civil japonesas e estrangeiras. Porém, muitas ilhas e vilarejos remotos estarão ainda à própria sorte. O governo assegura que todas as rodovias, ferrovias, linhas de trem bala, pontes e balsas estão sendo vistoriadas em urgência, reabertas em etapas, e funcionarão completamente no decorrer de abril.
Nas longas horas após 11 de março, o litoral nordeste do Japão se transformou em imenso acampamento improvisado de escoteiros com voluntários improvisados, cozinhando arroz em panelas improvisadas, sobre fogo improvisado. Quem sobreviveu tem cada um a sua história de horror, coragem, heroísmo e exemplo para contar. Mas todos são unânimes: não sabem como teriam sobrevivido não fossem os voluntários anônimos e abnegados, e o velho, singelo e reconfortante onigiri: presente em todas as frentes de evacuação, o bolinho de arroz, fácil de fazer, distribuir e alimentar, foi o personagem que mais consolou os japoneses. Ele não só matou a fome nos instantes cruciais, como simbolizou calor e aconchego humanos nos momentos de desesperança.
Para saber mais sobre o onigiri, vá ao Google search: Japan’s Unlikely Hero -Onigiri on Parade – Makiko Itoh – The Japan Times.