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Usinas Nucleares: A Lição de Fukushima.

31 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: Chernobyl, Madras, The Japan Times, Three-Mile-Island; NHK-News

Por que instalam usinas nucleares à beira-mar? Por que em litoral propenso a tsunamis? São perguntas que a maioria leiga fez, quando problemas na usina Fukushima Daiichi começaram a apontar iminente desastre nuclear. Isto quando países, especialmente os em rápido crescimento econômico, se inclinavam a adotar a energia atômica para gerar eletricidade isenta de emissões de gás carbônico – responsáveis, segundo cientistas, pela mudança climática.

Em artigo no The Japan Times (“A Tale of Japan’s Morality” – 17 de março), Brahma Chellaney, escritor e professor de estudos estratégicos de Nova Delhi, elucida estas e outras dúvidas para leigos. Para começar, diz ele, muitas usinas nucleares são construídas ao longo de costas marítimas (e de rios) por que elas são intensamente dependentes de água para resfriamento. No entanto, desastres naturais (tempestades, furacões, tsunamis) estão se tornando comuns devido à mudança climática, que também causa a elevação do nível dos oceanos, tornando reatores à beira-mar ainda mais vulneráveis. Todos os geradores de energia, inclusive usinas movidas a carvão ou combustível fóssil, exigem grandes recursos de água, mas a energia nuclear demanda muito mais. Reatores como os de Fukushima, que usam água como principal resfriante, produzem a maior parte da energia nuclear mundial. A imensa quantidade de água local consumida para a operação se transforma em fluxos de água quente que são bombeadas de volta para os rios, lagos e mares.

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Usina de Chernobyl após o acidente nuclear

 

Ora, se localizados no interior de um país, reatores podem causar grande pressão sobre os recursos de água local, assim como danos à fauna, flora e peixes. Países com fronteiras abertas procuram então litorais convenientes. Quando quase dois quintos da população mundial vivem dentro de 100 quilômetros de uma costa, achar lugares convenientes se torna cada dia mais difícil. Ademais, no interior ou no litoral, usinas nucleares são igualmente vulneráveis às mudanças climáticas. Por exemplo, durante a onda de calor no verão de 2003 e 2006 na Europa, reatores nucleares tiveram que ser escalonados ou parados por causa do rápido aumento da temperatura nos rios e lagos. Para piorar todo o quadro, calor e uso exagerado de ar condicionado provocaram demanda insuportável de eletricidade.

Sempre se reconheceu que reatores à beira-mar estão sujeitos a riscos devido a desastres naturais. Como quando o tsunami de 2004, no Oceano Índico, inundou a usina de Chennai, em Madras, Índia. Mas nesse caso, o núcleo do reator pôde ser mantido em condição segura de shutdown porque o sistema elétrico estava instalado em plano mais elevado que a usina. E, ao contrário de Fukushima – em frente a mar aberto e recebendo impacto direto – Madras estava longe do epicentro do terremoto que provocou o tsunami.

Com sua eletricidade dependendo 77% da indústria nuclear, a França é o segundo maior produtor de energia nuclear no mundo, depois dos EUA. O país confia na solidez de suas usinas, construídas pelo poderoso joint-venture Areva NP-Siemens AG. Esta semana, técnicos da Areva, tendo à frente a própria presidente da empresa, Anne Lauvergeon, chegaram ao Japão, a pedido da Tokyo Electric Power Co. e do governo japonês. Vão emprestar suporte técnico e know how à usina Fukushima Daiichi, na questão da remoção da água altamente radioativa, entre outros problemas. O presidente Nicholas Sarkosy também é esperado para reuniões com o premiê Naoto Kan.

Para o cientista Davi Cahen, do Instituto Weizmann, de Israel, hoje já é possível obter energia nuclear segura, com tecnologia para prevenir derretimento de reatores e resistir a desastres naturais. Evitando casos como o de Chernobyl, Three-Mile-Island ou Fukushima. Ele cita o exemplo da Índia: após a catástrofe do tsunami de 2004, o país vem investindo fortemente em aprimorar usinas à prova de desastres naturais.

O dilema central de uma usina nuclear é sem dúvida o de que, num mundo cada vez mais pressionado pela escassez de água, ela é uma “beberrona” de água, e, ironia, ao mesmo tempo vulnerável à água. A lição de Fukushima poderá contribuir para pressionar o mundo a buscar uma diversificação da matriz energética. Mas governos são reticentes em investimento de retorno lento. Para David Cahen, exemplo marcante vem da China: acusada de ser um dos países que mais emitem gazes de efeito estufa, ela vem investindo seriamente em planos concretos para incrementar energias solar e eólica. O cientista está na cidade de São Paulo, onde vai proferir palestra, “O Desafio Energético”.