Concerto de Lançamento do SOS Japão na Sala São Paulo
12 de abril de 2011
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Notícias | Tags: concerto transcorreu normalmente, destaques | 2 Comentários »
O concerto de lançamento do SOS Japão na Sala São Paulo, com a especial participação do Coro da OSESP, regida pela maestrina Naomi Munakata, e da Orquestra de Cordas da mesma orquestra, regida por Wagner Polistchuk, transcorreu conforme o programado pelos seus organizadores. Começou com o triste Réquiem, de Toru Takemitsu, três peças de Heitor Villa-Lobos e uma interessante Suíte Borboleta, de Yoshinao Nakata, que ficou restrita em dois movimentos.
A surpresa acabou sendo a fala da Monja Coen, que vai postada a seguir:
JAPÃO
Quando voltei ao Brasil, depois de residir 12 anos no Japão, me incumbi da difícil missão de transmitir o que mais me impressionou do povo Japonês: kokoro.
Kokoro ou Shin significa coração-mente-essência.
Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar a serviço e disposição do grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?
Outra palavra é gaman: aguentar, suportar. Educação para ser capaz de suportar dificuldades e superá-las.
Assim, os eventos de 11 de março, no Nordeste japonês, surpreenderam o mundo de duas maneiras.
A primeira, pela violência do tsunami e dos vários terremotos, bem como dos perigos de radiação das usinas nucleares de Fukushima.
A segunda, pela disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de todas as vítimas.
Filas de pessoas passando baldes cheios e vazios, de uma piscina para os banheiros.
Nos abrigos, a surpresa das repórteres norte-americanas: ninguém queria tirar vantagem sobre ninguém. Compartilhavam cobertas, alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens. Cada qual se mantinha em sua área. As crianças não faziam algazarra, não corriam e gritavam, mas se mantinham no espaço que a família havia reservado.
Não furaram as filas para assistência médica – quantas pessoas necessitando de remédios perdidos -, mas esperaram sua vez também para receber água, usar o telefone, receber atenção médica, alimentos, roupas e escalda-pés singelos, com pouquíssima água.
Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da morte.
Nos supermercados lotados e esvaziados de alimentos, não houve saques. Houve a resignação da tragédia e o agradecimento pelo pouco que recebiam. Ensinamento de Buda, hoje enraizado na cultura e chamado de kansha no kokoro: coração de gratidão.
Sumimasen é outra palavra-chave. Desculpe, sinto muito, com licença. Por vezes, me parecia que as pessoas pediam desculpas por viver. Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar, desculpe precisar falar com você, ou tocar à sua porta. Desculpe pela minha dor, pelas minhas lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação que estamos causando ao mundo. Sumimasem.
Quando temos humildade e respeito, pensamos nos outros, nos seus sentimentos, necessidades. Quando cuidamos da vida como um todo, somos cuidadas e respeitadas.
O inverso não é verdadeiro: se pensar primeiro em mim e só cuidar de mim, perderei. Cada um de nós, cada uma de nós é o todo manifesto.
Acompanhando as transmissões na TV e na Internet, pude pressentir a atenção e cuidado com quem estaria assistindo: mostrar a realidade, sem ofender, sem estarrecer, sem causar pânico. As vítimas encontradas, vivas ou mortas, eram gentilmente cobertas pelos grupos de resgate e delicadamente transportadas – quer para as tendas do exército, que serviam de hospital, quer para as ambulâncias, helicópteros, barcos, que os levariam a hospitais.
Análise da situação por especialistas, informações incessantes a toda população pelos oficiais do governo e a noção bem estabelecida de que “somos um só povo e um só país”.
Telefonei várias vezes aos templos por onde passei e recebi telefonemas. Diziam-me do exagero das notícias internacionais, da confiança nas soluções que seriam encontradas e todos me pediram que não cancelasse nossa viagem em julho próximo.
Aprendemos com essa tragédia o que Buda ensinou há dois mil e quinhentos anos: a vida é transitória, nada é seguro neste mundo, tudo pode ser destruído em um instante e reconstruído novamente.
Reafirmando a Lei da Causalidade, podemos perceber como tudo está interligado e que nós humanos não somos e jamais seremos capazes de salvar a Terra. O planeta tem seu próprio movimento e vida. Estamos na superfície, na casquinha mais fina. Os movimentos das placas tectônicas não têm a ver com sentimentos humanos, com divindades, vinganças ou castigos. O que podemos fazer é cuidar da pequena camada produtiva, da água, do solo e do ar que respiramos. E isso já é uma tarefa e tanto.
Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à reconstrução.
Esse exemplo de solidariedade, de bravura, dignidade, de humildade, de respeito aos vivos e aos mortos ficará impresso em todos que acompanharam os eventos que se seguiram a 11 de março.
Minhas preces, meus respeitos, minha ternura e minha imensa tristeza em testemunhar tanto sofrimento e tanta dor de um povo que aprendi a amar e respeitar.
“Havia pessoas suas conhecidas na tragédia?”, me perguntaram. E só posso dizer: todas. Todas eram e são pessoas de meu conhecimento. Com elas aprendi a orar, a ter fé, paciência, persistência. Aprendi a respeitar meus ancestrais e a linhagem de Budas.
Mãos em prece (gassho)
Monja Coen
Faz alguns anos que o Japão vinha perdendo espaço para a China em diversos setores. Montadoras, siderúrgicas, companhias de petróleo, fabricantes de eletrônicos chinesas se agigantaram. Toyota tem sua imagem arranhada pelos recalls, enquanto Sony perde mercado para as sul-coreanas LG e Samsung e empresas da China.
As recentes catástrofes só agravaram a crise que se estabeleceu faz tempo. O que o Japão poderá fazer para se reestruturar e competir com a poderosa China?
Caro Carlos Eduardo de Azevedo Silva,
Obrigado pelos comentários. Realmente, V. tem toda a razão sobre o que veio acontecendo recentemente comparando o Japão com a China, principalmente, que vem apresentando um desenvolvimento admirável.
Além de instalarem suas novas unidades no exterior, até na China, os japoneses encontravam-se um pouco acomodados, pois o seu nível de renda per capita os permitiam viver bem, sem esforços adicionais.
Estes desastres recententes colocaram um novo desafio, tanto na reconstrução, como na mudança de suas gestões, inclusive no campo político. O Partido Democrático do Japão perdeu, de forma significativa, as recentes eleições a muitos governos provinciais como cadeiras disputadas para a sua Dieta, prenunciando que o atual governo deverá cair, tão logo a emergência seja superada. O mais provável é que o Partido Liberal Democrata volte o poder, mas deverá estar renovado, com novos líderes.
Nas empresas, está se constatando que concentrando-se somente nos japoneses, os limites acabam provocando problemas como os das usinas de Fukushima. Isto vai acelerar o processo de internacionalização, inclusive de seus recursos humanos, que já vinha acontecendo. O intercâmbio tecnológico com os coreanos, chineses e outros países asiáticos deverá se intensificar, provocando uma saudável renovação e um processo de “cross fertilization” dos japoneses com os estrangeiros, que já tinha alguns exemplos.
Acredito que aglutinação nacional do Japão, que está sendo demonstrada no socorro às vítimas e rápida reconstrução, poderá ajudar, mas está aumentando a consciência que não podem continuar isolados neste mundo cada vez mais globalizado.
Eles possuem apreciáveis recursos humanos, tecnologia avançada em muitos setores (como a construção civil, pois nenhum edifício ruiu com todos estes tremores), e uma poupança que está aumentando mesmo nesta crise (deixaram de consumir produtos de luxo). Haverá necessidade de uma forte reestruturação industrial, pois muitas empresas estão falindo, e as novas devem procurar atender tanto a demanda interna como a externa, que também está mudando, pois o mundo está se adaptando a este desastre que não foi somente do Japão. Ao invés de procurarem economias de escalas, diante dos riscos de abastecimento mundial, vai haver uma preferência por menores unidades instaladas em diversas localidades, para evitar dificuldades de suprimento de componentes, como está ocorrendo até fora do Japão.
Paulo Yokota