Efeitos de políticas estrangeiras sobre o Brasil
12 de abril de 2011
Por: Samuel Kinoshita | Seção: Economia | Tags: CED, exportação, FED, importação, taxas de juros
Nos últimos dias, diversos representantes do Banco Central americano revelaram-se contrários a uma rodada adicional de compra de títulos. Destarte, o chamado QE2 deve finalizar a alocação programada de 600 bilhões de dólares em junho próximo. Alguns membros do FED vão além e sugerem a necessidade de imediata reversão da política laxista adotada atualmente. Um aperto súbito da política monetária nos países mais importantes representará uma mudança radical de paradigma, com consequências potencialmente graves para o Brasil.
O presidente do FED, Ben Bernanke
A oposição a um novo programa de compra de ativos parece ser quase consensual. Inclui conhecidos “falcões” como Charles Plosser (Filadélfia), moderados como Narayana Kocherlakota (Minneapolis), e também “pombos” como Charles Evans (Chicago). Já o influente William Dudley (Nova Iorque) não vê a necessidade de aperto monetário, já que a expectativa de inflação parece ancorada e a economia ainda está muito distante dos objetivos de pleno emprego e estabilidade de preços.
A posição mais articulada é a de Charles Plosser. Ele acredita que os riscos relacionados à tragédia japonesa e ao aumento significativo do preço do petróleo são pequenos e passageiros. Segundo ele, a economia americana ganhou força significativa e adquiriu momento. Prevê um crescimento de 3.5% para este ano e para o próximo, além de um mercado de trabalho em melhores condições. Assim sendo, Plosser afirma que “caso esta previsão se mostre em larga medida correta, a política monetária terá que mudar a direção em futuro não muito distante e começar a remover a quantidade maciça de acomodação que deu à economia”. Para tanto, apresenta um plano em que o aumento dos juros e a venda de ativos seriam concomitantes e condicionais ao estado da economia. Enfim, uma estratégia agressiva já está sobre a mesa.
Como de praxe, a situação na Europa está mais adiantada. No último dia 7 de abril, o banco central europeu elevou a taxa para 1.25%. Ao contrário do ocorrido na última reunião, não houve um sinal claro de que outros aumentos estejam a caminho. Mas é bem provável que novos apertos sejam cuidadosamente implementados neste ano.
Os principais países emergentes também vêm empregando medidas restritivas: na China, nosso principal parceiro comercial, os juros subiram e as reservas compulsórias foram elevadas a níveis históricos.
É possível que o cenário econômico mundial mude bruscamente com o prosseguimento das medidas contracionistas discutidas acima. Aumentos de juros acima do consenso costumam derrubar incautos.
Em 1994, com a economia americana recuperada de uma recessão, começa-se um processo de elevação de juros. Inicialmente em 3%, duas altas de 0.25%, nas reuniões de fevereiro e março, elevam sutilmente a taxa a 3.5%. Ao longo do ano, as medidas de utilização da capacidade subiram significativamente e o desemprego caiu a 5.6% (à época, acreditava-se que a taxa de desemprego neutra com respeito à inflação fosse pouco mais de 6%). O medo tomou conta do mercado e as taxas longas dispararam. Com o objetivo de conter as expectativas de inflação, e a despeito de não se verificar sinais correntes da mesma, Alan Greenspan comandou o que ficou conhecido como “ataque preventivo”. Em fevereiro de 1995 a taxa já estava em 6%.
Várias entidades sofreram perdas expressivas. Um gigante do setor de bens de consumo decidiu montar posições alavancadas nos mercados de juros e câmbio: perdeu mais de 150 milhões de dólares com a jogada. Até a fabricante de cartões Gibson Greetings achou que poderia surfar o momento. Após disputa que envolveu o banco responsável pelo produto e a SEC (a CVM americana), a Gibson Greetings realizou perdas de 20 milhões de dólares.
O caso mais interessante é o do condado Orange, na Califórnia. O tesoureiro municipal apostou em títulos do tesouro durante anos, conseguindo bons ganhos com isso. Confiante, alavancou sua posição através de instrumentos derivativos. O aumento das taxas curtas durante o ano de 1994 arrasou sua aposta e, consequentemente, as contas da municipalidade. Em dezembro de 1994, o condado Orange declarou perdas de 1.7 bilhão de dólares, bem como a sua falência.
As propostas de restrição monetária que estão sendo ventiladas indicam que existe uma possibilidade palpável de observarmos a reversão dos estímulos dados à economia. O desdobramento completo dessa mudança para o Brasil não é antecipável, mas algumas considerações sobre seus efeitos podem ser aventadas.
Os preços dos produtos que o país exporta devem ter uma perda de valor com relação aos preços dos produtos que importa. Mesmo considerando que o tema “crescimento asiático” seja correto em um prazo mais longo, os termos de troca devolverão parte do enorme ganho que tiveram nos últimos anos.
Outro ponto de fragilidade pode estar nas empresas e bancos. Oxalá a experiência brasileira da última crise tenha servido de lição para os diretores financeiros de empresas e que o BC esteja atento aos riscos agregados do sistema financeiro. A recém-criada CED – Central de Exposição a Derivativos – deve ajudar a prevenir os enganos coletivos que levaram às dramáticas situações de empresas como Aracruz e Sadia.
Enfim, o fato concreto é que uma alteração súbita dos parâmetros que regularam a economia mundial nos últimos anos impactaria sobremaneira empresas, bancos e o governo no Brasil. Espera-se que o país consiga evitar o sentimento de “déjà vu”.