Retrato de Corpo Inteiro do Japão
2 de abril de 2011
Por: Paulo Yokota | Seção: Editoriais, Notícias | Tags: noticiário sobre desastre, o percentual dos que foram afetados, o que acontece com o resto do Japão | 2 Comentários »
Uma vida é importante para todos nós. Até um cão que foi encontrado no mar depois de três semanas do terremoto e tsunami, que afetaram fortemente a região nordeste do Japão, virou notícia em todo o mundo. As manchetes da mídia ainda informam sobre o drama do que ocorre em Fukushima Daiichi, as procuras pelos desaparecidos, os atendimentos aos desabrigados, as cooperações e doações nacionais e internacionais e os esforços de reconstrução, as tentativas de voltar à vida normal. Tudo mais que natural, mas seria interessante tem um panorama geral do Japão de hoje, fugindo das informações que distorcem a realidade, talvez menos interessante, mas mais profunda.
O que está acontecendo com todo o Japão hoje? Aquele país conta com cerca de 128 milhões de habitantes, os lamentáveis falecidos e desaparecidos giram em torno de 30.000 pessoas, ou seja, de cada 10.000 habitantes pouco mais de duas pessoas estão nestas lastimáveis estatísticas. No Brasil, o número de mortos nos acidentes de trânsito anual supera esta cifra. Mais de 99,97% da população japonesa sobreviveram e estão bem, lutando e trabalhando normalmente, de forma anônima.
O esforço concentrado de mais de 25.000 soldados das Forças de Defesa do Japão com os militares norte-americanos neste fim de semana, com o apoio dos melhores equipamentos disponíveis para localizar os corpos, podem chegar a cerca de 400 novos, mostrando as dificuldades de encontrá-los.
Neste desastre, uma das maiores da humanidade nos últimos anos, estima-se que cerca de 600.000 pessoas, no seu pico máximo, foram desalojadas, sendo atendida nos abrigos improvisados, número que já deve estar em torno de sua metade hoje. Muitos já foram reacomodados em outras áreas, com seus familiares, amigos e residências disponíveis, ou seja, resta em torno de 25 desalojados entre cada 10.000 habitantes, que continuam sendo muitos.
O Japão conta com cerca de 55 complexos atômicos que fornecem 30% da matriz energética daquele país, e a que foi afetada é a Fukushima Daiichi, sendo que na mesma província existe a Fukushima Daini. Os trabalhos estão acelerados, agora com a cooperação internacional. Por precaução, algumas foram desligadas e todas estão passando por revisões, pois a intensidade dos terremotos e tsunamis superou as expectativas dos projetistas. Cerca de 100 abalos acima de 6 graus Richter, considerado elevado, foram registrados desde aquela semana fatídica de 11 de março, nas mais variadas regiões japonesas. Isto assusta os estrangeiros, mas os japoneses estão treinados para estes problemas. Os mais profundos problemas de administração do país vêm de longa data, com limitações no comando central, tanto do governo como da empresas excessivamente burocratizadas.
Informa-se que mais de 90% da infraestrutura japonesa abalada pelos acidentes naturais já foi reconstruída pelo pessoal local. Todos estão engajados nesta obra gigantesca, nas frentes de trabalho, em toda a gigantesca periferia da sociedade japonesa. Existem alguns problemas de abastecimento, mas já são mínimos, com os de gasolina. O racionamento da energia elétrica foi suspenso em muitos lugares, pois a colaboração da população está reduzindo o seu consumo de forma voluntária.
Os neons, como de Ginza, foram desligados, os consumos considerados de luxo foram reduzidos, mas as lojas de varejo estão vendendo mais que no mesmo período do ano passado. Alimentos frescos, águas, pilhas, produtos industrializados de preparo instantâneo etc. Haverá uma forte reestruturação da economia japonesa, que pode voltar mais vigorosa.
Todas as atividades relacionadas à reconstrução civil estão aceleradas, dentro do possível no momento. A quase totalidade das escolas funciona normalmente, os jogos do beisebol colegial estão sendo transmitidas pelas televisões, bem como as novelas, as empresas voltaram a empregar os recém-formados.
Quando se pergunta aos familiares do Brasil sobre seus parentes que vivem no Japão, as notícias é que tudo está bem, pelas informações transmitidas pelos telefones, internet ou outros meios eletrônicos. Com pequenas inconveniências, como as limitações do consumo de energia, principalmente nas regiões mais afetadas do nordeste do Japão. Mais desinformados, os que estão no exterior estão mais alarmados que os que vivem naquele país.
Existem problemas das expectativas futuras com relação aos pequenos agricultores e pescadores da região nordeste, mas o governo será obrigado a proporcionar-lhes assistência, efetuando programas como o de land development, como os que foram feitos na província de Ibaraki, na região de Tsukuba, hoje a mais importante cidade científica do Japão.
Os voluntários continuam trabalhando, arrecadando doações, executando trabalhos de assistência por toda a parte. Até estrangeiros que deixaram o Japão estão retornando, a vida está voltando ao normal.
A solução dos problemas das usinas de Fukushima Daiichi levará meses, até o governo admite, mas os graus de radiação continuam se reduzindo em todo o Japão.
As comemorações das floradas das cerejeiras estão mais modestas, mas a primavera já chegou ao Japão. Que ela seja de um grande esforço de reconstrução de sua economia e sociedade, fazendo que aquele país e o seu povo voltem a ocupar o destaque que eles merecem no cenário mundial, dando a sua contribuição cultural, dedicação ao trabalho, de suas tecnologias e suas poupanças para o resto do mundo.
Uma nova geração de japoneses deve assumir o comando do país, muito mais inserido no mundo globalizado, tanto na política como na economia, de forma gradual. Acredita-se que o Japão está passando por um novo ponto de inflexão, como quando terminou a Segunda Guerra Mundial.
Estimado amigo:
Sem querer bajular, mas o seu site é espetacular! Visito quase que diariamente, a fim de obter informações CONFIÁVEIS sobre o Japão. Os seus artigos são imparciais e bem atualizados. Ademais, o senhor conhece REALMENTE a cultura japonesa, ao contrário de falsos "experts", que pipocaram na mídia, após as recentes castástrofes. Abraços e continue assim!
Caro Paulo Ramos,
Muito obrigado pelos comentários e pelas visitas ao site.
Meu conhecimento sobre o Japão decorre de centenas de viagens à aquele país, onde morei por algum tempo, utilizando como base para meus trabalhos na China, na Coreia e no restante da Ásia. Procuro utilizar fontes credenciadas, bem como informações de amigos que mantenho naquele país. Percorrí muitas regiões do Japão e conseguí acumular uma experiência para comparar com outros lugares do mundo como os Estados Unidos e a Europa, bem como alguns países emergentes onde atuei. Procuro ser isento, utilizando fontes de posições ideológicas diversas, para tentar ter um posição mais equilibrada. Mas, também estamos sujeitos a erros, e recomendo utilizar outras fontes também.
Paulo Yokota