Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Uma História Quase Anarquista

11 de abril de 2011
Por: Paulo Yokota | Seção: Depoimentos | Tags: alívios, assassinato em escola, duras realidades, responsabilidades coletivas, terremotos e tsunami

Acredito que no subconsciente dos seres humanos os sonhos misturem fragmentos de duras realidades como as que estamos vivendo nestes dias de março-abril de 2011, com alguns desejos que estão no mais profundo de nossas almas. Ainda que desta confusa fusão surjam inexequíveis aspirações quase anarquistas. Esta explosiva mistura deve ter desencadeado o fantástico pesadelo que tive, para mim sem muita lógica razoável, como a maioria destes fenômenos durante o sono agitado.

Partes destas realidades ficaram marcadas na minha mente pelas catastróficas imagens dos terremotos e tsunami que vêm ocorrendo no Japão, provocando apocalípticas destruições materiais de casas, infraestrutura, locais de trabalho de agricultores e pescadores com destaque. Com a perda lamentável e o desaparecimento de dezenas de milhares de preciosas vidas. Aos que se somam danos psicológicos que podem se prolongar por toda a vida nas pessoas mais próximas dos desastres.

Segue-se ainda o longo e angustioso drama para controle das radiações das usinas atômicas de Fukushima Daiichi, com riscos de ocorrer também em outras unidades similares próximas do Tohoku, o nordeste japonês. Acredito que ninguém escapa impune destas duras cenas que nos chegam pelos meios eletrônicos, quase instantaneamente.

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Bem mais próximo, no Brasil ocorre o chocante assassinato de mais de uma dezena dos jovens estudantes de uma escola em Realengo, perpetrado por um desequilibrado, qualquer que seja a designação que venha ser dada pelos especialistas em psiquiatria para este ser popularmente denominado como maluco.

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Procurando acompanhar parcialmente o que acontece de forma diferenciada, na elaboração de matérias para este site sobre os aspectos relevantes destes lamentáveis acontecimentos, impõe-me reflexões sobre a natureza humana e sua fragilidade diante de forças nem sempre conhecidas, como da natureza ou das mazelas humanas.

O que levou a agravar as suas consequências em sofrimento humano por falhas evitáveis da coletividade a que pertencemos? O que pode ser aperfeiçoado para que tais tragédias, quando se repetirem, como podem ocorrer, provoquem menores danos? São angústias que povoam a nossa mente.

Tudo acaba se ligando na memória, também fragmentada, com a história e evolução da sociedade em que vivemos principalmente no Brasil e no Japão. O aspecto anárquico do pesadelo é que ele pretende desestruturar o que foi acumulado pelas coletividades, como num violento tsunami que arrasa a tudo, exigindo uma reconstrução total depois do amontoado de lixo que restou. É um inconformismo com os lamentáveis acontecimentos. Mas sabe-se que as sociedades têm uma história e uma geografia e somente numa prancheta ou num artigo tudo pode começar novamente do zero, numa evidente simplificação.

No entanto, parece legítimo aspirar por um maior respeito à vida e uma redução da violência. Não se pode compactuar com culturas que demoram em ter a humildade de pedidos de socorros externos, ainda que gestos heróicos sejam adotados para resolver os problemas. A solidariedade internacional e tecnologias adicionais estão demonstrando que podemos ter qualidades, mas outros também as têm, e com a cooperação de todos há meios para abreviar os danos e sofrimentos.

Viemos todos sendo tolerantes com a disseminação da violência, a redução do valor da vida. Não se pode, em nome da rejeição à censura, que filmes, programas de televisão e até mangás façam a apologia à violência. Eles acabam afetando as mentes frágeis que resultam em comportamentos antissociais, com ações insanas que prejudicam a outros com os quais temos que conviver em sociedade.

Mas temos mecanismos de alívio das nossas culpas, pois temos que continuar vivendo. Os japoneses renovam suas esperanças com a alvissareira chegada das floradas das cerejeiras que, mesmo com as devidas considerações aos desaparecidos, estão sendo comemoradas.

Tivemos o privilégio de assistir ao concerto do coro de câmara da Osesp, regido pela maestrina Naomi Munakata, na Sala São Paulo, executando a obra do compositor estoniano Arvo Pärt, a missa cantada “Berliner Messe” na festa de Pentecostes. Santo remédio, lavou a nossa alma, ainda que eu não seja católico, mas a música é universal. Renovou a nossa esperança de continuarmos lutando pela vida, contra qualquer forma de violência.