Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Ohisama e as Não Tão Liberadas Mulheres Japonesas

25 de maio de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: constituição japonesa de 1946, Era Showa, Japan Today, Nikkei, Ohisama, seriado da NHK, The Japan Times

Despretensioso seriado romântico, Ohisama (“O Senhor Sol”), transmitido pela emissora NHK, relata vida de professora primária ao longo da Era Showa (1926-1989). Na verdade, por trás da história contada pela heroína Yoko Sudo, vislumbra-se libelo sobre a situação feminina das japonesas durante aqueles anos. Vivida pela veterana atriz Ayako Wakao, Yoko conta sua vida em flashbacks desde a infância até tornar-se professora, esposa e mãe nos anos pré, durante e pós-Segunda Guerra. As jovens japonesas entreviam, então, uma promessa de maior liberdade para participação ativa na vida do país. Porém, a tradição pesava muito ainda. A jovem Yoko (atriz Mao Inoue) e suas amigas frequentavam o jogakko (colegial feminino) – privilégio permitido a poucas jovens, pois estudo era visto como coisa inútil para meninas. Do trio de amigas, somente Yoko consegue prosseguir, e vai cursar o magistério. Outra é prometida a um casamento por conveniência; a terceira, não suportando o inerte destino no vilarejo, foge de casa para tentar futuro em Tóquio.

Não era fácil a vida de professora em época de guerra e militarismo exacerbado, numa escola elementar com corpo docente de maioria masculina. Além de ser alvo de críticas e humilhações por ser mulher e ter estudado mais do que muitos homens, a jovem professora precisava cuidar da faxina das classes com os alunos, da limpeza de sala e banheiro dos professores; preparar e servir chá para os colegas, proteger alunos da ira de mestres machistas e violentos. O Japão atravessava tempos difíceis de sacrifícios, então ela procurava transmitir lições de vida, calor e alegria para seus alunos; fazer prevalecer valores e sentimentos como gambaru (perseverar), tsunagaru (unir-se) e kizuna (laços/vínculos). Como nos dias de hoje.

Nni20110505D05HH445102845imagesCANVU98Pnaganonagano_01

Garotas jogando go. Cena de Ohisama e vistas de Nagano, com suas águas cristalinas e trigo

Na vida real, a situação de crianças e mulheres sofreu significativas mudanças com o fim da guerra e a promulgação da nova Constituição em 1946. Às mulheres foi concedido o direito de voto e igualdade de sexo perante a lei trabalhista e responsabilidades familiares. Mulheres começaram a ingressar em universidades, a conquistar empregos importantes além do círculo familiar; a expectativa de vida delas aumentava. Hoje em dia, elas já adentram locais antes considerados tabus. Quase todos os esportes estão franqueados para elas, com exceção do beisebol e do sumô. Para o beisebol, existe versão feminina, o softbol. Tentaram instituir sumô feminino, mas esporte imbuído de rituais e místicas xintoísta-confucionistas, não vingou. Jogos de pedras e tabuleiros milenares, shogi e go também são exclusivamente masculinos. Eram: artigo do Nikkei relata que sagrados templos masculinos de clubes de go estão sendo invadidos por garotas entusiastas que, com exímias estratégias, derrotam sisudos senhores sem cerimônia. O Japan Today também fala do golfe (estrito reduto masculino) que vem se tornando febre entre mulheres de 30 a 60 anos de idade – no rastro de jogadoras profissionais como Ai Miyazato e Sakura Yokomine, e ídolos teens como Momoko Ueda e Harukyo Nomura. A indústria do consumo de artigos de golfe femininos passa por um boom extraordinário.

Porém, frequentar sozinhas restaurantes e bares, corriqueiro para brasileiras, ainda é encarado com reticências no Japão. Artigos no Nikkei e no The Japan Times (More Women Going it Alone at Ramen Shops – “Mulheres Sós Frequentando Casas de Lamen”, e Table for one? Right this way -“ Mesa para uma? Por aqui, por favor”) mostram que, se mulheres sozinhas começam timidamente a frequentar locais informais de ensopados lamen, ainda enfrentam barreiras para adentrar restaurantes sozinhas.

Apresentada durante a semana, às 20h (hora de Brasília), Ohisama, além do aspecto histórico-social e da luta feminina, oferece de quebra belíssimas paisagens. Foi filmada em fins de 2010, em locações na região de Azumino, nas fraldas dos Alpes japoneses, província de Nagano: de suas montanhas nevadas correm águas cristalinas que produzem o melhor wasabi (raiz forte japonês), e dos seus férteis campos provém ímpar trigo sarraceno (soba). Fazem do “shinshu wasabi soba” uma delícia imperdível da região.