A Civilização Segundo Niall Ferguson
6 de junho de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Cultura, Livros e Filmes | Tags: China Daily, Civilization, Monsoon, Niall Ferguson, Robert D. Kaplan. | 2 Comentários »
Quando começou a se falar da China como provável grande potência econômica a ultrapassar os EUA, dois livros respondem as muitas perguntas sobre o caminhar do mundo contemporâneo: Monsoon – The Indian Ocean and the Future of American Power, de Robert D. Kaplan, Ed. Random House, outubro/2010 (já comentado neste site, Paulo Yokota, 1º de junho de 2011), e Civilization – The West and the Rest, de Niall Ferguson, Ed. Allen Lane, fevereiro/2011.
Escocês de nascimento, Niall Ferguson, 47 anos, badalado acadêmico e comunicador midiático, é professor de história na Universidade de Harvard e no London School of Economics, além de consultor na Universidade Stanford, Califórnia. Para ele, a China será inevitavelmente a maior economia mundial em menos de 10 anos. Mas não estaremos retornando aos tempos de 1411 (o apogeu da supremacia chinesa durante a Dinastia Ming), porque, pela primeira vez na era moderna, haverá uma paridade real entre os diferentes poderes no mundo.
O que levou a China a tomar a dianteira, depois de “dar uma pequena cochilada” de 500 anos, e estar emergindo no século XXI de novo como poder dominante? Ou melhor, o que levou a China a se voltar para dentro de si mesma e se recolher no auge da sua civilização – quando suas invenções e manufaturas maravilhavam o mundo e seu poder de navegação marítima atingia o ocidente até as costas da América? As naus que levaram Colombo à América, e Cabral ao Brasil, eram pequenos barcos se comparados aos gigantescos navios construídos nos estaleiros de Nanjing (então Naking) nos tempos em que o imperador Ming, Yong-Le, tinha a seu serviço o intrépido almirante Zheng He. Exatamente na época em que se inaugurava a magnífica Cidade Proibida em Beijing (Peking, ano 1421). Por que outras potências orientais como o Império Otomano Turco, que um dia dominavam imensos territórios, foram também ultrapassadas por nações ocidentais emergentes há 500 anos? Para Ferguson, os anos 1400 – 1500 foram o divisor de águas da História da humanidade.
Dividindo o livro em capítulos, o autor se vale de killer apps (em linguagem livre e virtual, aplicativos assassinos), para explicar por que o ocidente passou a liderar os destinos do mundo. São seis aplicativos: a competição econômica, a revolução científica, a ideia de direitos de propriedade, o raiar da medicina, o surgimento da sociedade de consumo, e o estabelecimento de uma ética do trabalho (este, como proposto por Max Weber). Estes aplicativos se conduzem por paradigmas de liberdade (freedom) e democracia. O argumento central de Civilization é de que a China e outros países emergentes como a Índia estão conseguindo sair-se melhor no “download” desses aplicativos. Embora liberdade e democracia não constem ainda do arquivo de alguns.
Vindo de acadêmico respeitado, autor de vários livros de história e de pesquisas, Civilization causou impacto e celeuma, considerado reacionário por uns, e “popularesco” demais por outros. Ferguson, que é também consultor junto ao Ministério da Educação do Reino Unido no campo do ensino de história, rebate. Ele se sente desanimado com os resultados nas escolas, hoje em dia: alunos ignoram assuntos mais básicos da História. Por exemplo, acham que o Nelson, da estátua existente no Trafalgar Square, centro de Londres, é homenagem a Nelson Mandela. Então resolveu escrever Civilization para que jovens, como o seu filho mais velho de 17 anos, pudessem curtir e entender um grande livro de História. “Por que escrever mais um livro elitista?” se pergunta.
Civilization e Monsoon são leituras obrigatórias para vestibulandos entender a História moderna. E para aqueles que desejam refrescar a memória e apreender detalhes saborosos dos rumos da nossa História. O Brasil também está presente em análises surpreendentes: utilizando o método comparativo ao longo dos capítulos, Ferguson enfileira contrapontos curiosos sobre os mais diversos problemas (escravidão, racismo, ética etc.) existentes entre Brasil e EUA, China e Ocidente, Ocidente e Oriente, enfim entre o Ocidente e o resto. De fácil e agradável leitura, espera-se que seja traduzido para o português em linguagem acessível para leigos e o grande público.
Para saber mais sobre Niall Ferguson, recomenda-se Google search: Improving app-iness, China Daily. Os livros sugeridos podem ser adquiridos ou encomendados nas livrarias conceituadas ou por pelos mecanismos internacionais existentes para tanto.
O que chama a atenção na narrativa de Ferguson, além da falta do rigor metodológico mínimo que se exige em qualquer projeto de historiografia séria, é a insistência em reafirmar a cada instante a superioridade ocidental e em desqualificar os críticos do imperialismo e do eurocentrismo. O problema não é o engajamento político do autor, que, aliás, não esconde isso, ao colocar seu trabalho explicitamente a serviço das forças hegemônicas do capitalismo global. Historiadores importantes, como Eric Hobsbawm e Perry Anderson, optaram pelo campo da esquerda, e isso em nada altera o valor de suas contribuições ao conhecimento universal. Ferguson resvala do terreno acadêmico e cai no da propaganda ideológica quando manipula propositalmente os fatos, selecionando o que lhe interessa e omitindo tópicos essenciais.
Caro Leo,
Obrigado pelo comentário sobre um artigo postado há algum tempo.
Paulo Yokota