China Comentada por Henry Kissinger
7 de julho de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Cultura, Livros e Filmes | Tags: Conselheiro Político, On China, Secretário de Estado, The Penguin Press-Maio 2011. | 4 Comentários »
Ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1973 e laureado recentemente pela Ásia Society, em Washington, Henry Kissinger esteve em Beijing em fins de junho. Como convidado do Instituto de Assuntos Estrangeiros da China, participou de vários encontros públicos e privados comemorativos por seus trabalhos pela aproximação entre o Ocidente e a Ásia ao longo de 40 anos. Kissinger falou também sobre o lançamento do seu mais recente livro, On China.
O livro nos dá criteriosos e detalhados pareceres sobre as relações sino-americanos durante os anos em que Kissinger serviu como conselheiro político, formal ou informal, para todos os presidentes americanos, desde Kennedy e Johnson, e se encontrando com quatro gerações de líderes chineses: Mao Zedong, Zhou Enlai, Deng Xiaoping e Jiang Zemin. Kissinger, que era conselheiro para Assuntos de Segurança Nacional do presidente Richard Nixon, e mais tarde seu secretário de Estado, reconta os momentos memoráveis das 48 horas que ele passou em Beijing em julho de 1971, durante a sua secreta missão para quebrar o gelo nas relações China-EUA, e que culminaria com a histórica visita de Nixon à China em fevereiro de 1972.
Embora tenha conquistado a amizade e o respeito de Mao como ninguém no Ocidente, Kissinger fala com especial simpatia de Deng Xiaoping. Chama-o “o indestrutível Deng” e considera que foi ele quem abriu a moderna China para o mundo, e iniciou as reformas para a China reivindicar seu reconhecimento internacionalmente e, mais tarde, economicamente. Esta é uma leitura para quem queira se aprofundar nos conhecimentos sobre a China, e compreender tanto a sua história passada como o seu futuro, e o vínculo desse futuro com o futuro globalizado – dentro do qual o Brasil está fortemente inserido.
Fornece-nos relatos detalhados e reavalia suas muitas conversações com Mao, Zhou, e, sobretudo com Deng Xiaoping – através de mais de 50 travessias do Pacífico que fez para ir à China. Kissinger tenta compartilhar com o leitor seu pensamento de como chineses e americanos lidam seus problemas e como isso refletiu na interação real entre a China e os EUA. Explica por que essa interação é tão crucial para a paz e o progresso mundial, e como ambos os lados precisam ajustar seu pensamento tradicional e histórico para novas necessidades, para que se possa evoluir de simples gerência de crises para um senso maior, de comunidade.
Kissinger apresenta um extenso estudo da política externa e interna chinesa com observações agudas sobre a mentalidade e a cultura chinesas, principalmente no contexto de política exterior e estratégia militar. No capítulo inicial – A Singularidade da China -, o autor apresenta fatos para sustentar sua ideia de que a China é uma milenar civilização orgulhosa de sua própria cultura, que nunca sentiu necessidade de aprender com outros países. Pelo contrário, acha que os outros é que deveriam aprender com ela. Por causa dessa determinação, a China relutou em se abrir para o Ocidente e começou a ficar para trás, econômica e militarmente.
No decorrer dos muitos encontros, Kissinger enxergou as intricadas nuances que, no começo, dificultavam a aproximação e o “casamento” das ideias. Os negociadores chineses usavam a diplomacia para tecer juntos elementos político-militar-psicológicos num único esquema – diplomacia significa a elaboração de um princípio estratégico. Enquanto que a visão prevalente no meio do corpo político americano enxergava a força militar e a diplomacia como fases distintas de ação, essencialmente separadas. As dificuldades iam muito além de simples diferenças culturais. Kissinger apresenta tais contrastes ilustrando com jogos intelectuais que refletem cada civilização: através das diferenças de estratégia nos jogos do milenar wei qi chinês (goh japonês), estratégia do cerco, e do xadrez, estratégica de vitória total. Pensadores chineses desenvolveram o pensamento estratégico que colocavam a vitória através de vantagem psicológica e evitavam o conflito direto. A figura decisiva nessa tradição é conhecida por todos nós como Sun Tzu, autor do tratado A Arte da Guerra. Vale a pena conhecer as reflexões de peso que Kissinger faz destes contrastes.
Mais do que na política e desenvolvimento do Pensamento de Mao durante os anos da implantação do comunismo, Kissinger se foca na política externa chinesa durante a guerra da Coreia, a crise de fronteira com a Índia, e as cruciais tensões com a União Soviética. A parte realmente criteriosa do livro consiste no estabelecimento das relações diplomáticas sino-americanas em que Kissinger se engajou pessoalmente. Ele faz um alerta ao desejo americano de querer impor sua moral democrática a um país que considera sua soberania de suprema importância. É preciso conhecer o passado da China para entendê-la e ser entendido por ela, para se achar o equilíbrio que poderá evitar duas superpotências a vir se chocar de frente. Esperar que a China abrace a democracia em futuro breve é tolice, pondera o autor. Saindo ela própria de penosas guerras e revoluções, a China não quer guerra nem vingança. Ela simplesmente quer que o povo chinês diga adeus à pobreza e desfrute uma vida melhor.
Em meio à celeuma que provoca, e centro das tendências políticas e econômicas mundiais, O País do Meio (Zhongguo) mantém a fleuma e se pergunta, “Por que o mundo teme o crescimento da China? Deveria começar a se preocupar se a China parasse de crescer”.
Parabéns pelo artigo. Uma dica preciosa.
Caro Kazuhiro Kurita,
A Naomi Doy conseguiu captar muito bem o que Kissinger expressou num livro que é um calhamaço duro de ser digerido.
Paulo Yokota
Como diversas outras obras de Mister K, a despeito do brilhantismo dos argumentos, do rico embasamento histórico e da contextualização político-estratégica, este novo livro do ex-Secretário de Estado e conselheiro de Segurança Nacional dos EUA constitui um exercício de auto-congratulação (self-praise) e de justificação de suas próprias políticas. Neste livro, inclusive, o êmulo de Metternich se atém a seu padrão habitual de argumentação diplomática, que consiste em assegurar o equilíbrio das grandes potências via convivência pacífica e equilíbrio de poderes, segundo objetivos essencialmente conservadores da ordem global. Ele não parece se interessar pelos direitos humanos e pela democracia, interessado bem mais em conquistar a confiança dos líderes chineses para ter acesso privilegiado a essa alta cúpula, demonstrando toda sua compreensão com o que constitui, em última análise, um regime despótico. Mas, o mesmo ocorria com a finada União Soviética.
Em perspectiva histórica, um dirigente mais focado em certos aspectos morais das relações internacionais, como o (aparentemente) rústico Ronald Reagan, fez mais para a mudança de padrões — e finalmente num sentido mais positivo — e para o avanço das boas causas humanitárias do que o “intelectual” Henry Kissinger, um realista frio (e passavelmente cínico) da diplomacia das grandes potências.
Em essência, ele é um conservador, ou seja, um tolerante com as piores ditaduras, desde que a ordem seja mantida. Sem dúvida alguma, um digno sucessor intelectual de Metternich.
Paulo Roberto de Almeida
Caro Paulo Roberto de Almeida,
Obrigado pelos comentários e seus pontos de vista. Acredito que Kissinger como outros que promoveram a abertura para o Leste precisam ser avaliados nas épocas em que fizeram seus grandes trabalhos. Estabelecer o intercâmbio com os que pensam de forma diferente parece relevante e não tentar arrasar como os chamados cristãos fizeram com os infiéis nas chamadas cruzadas. E acredito que se faz o que podem e não o que se quer. Se os norte-americanos, apesar das promessas de Barack Obama, continuam mantendo Guantanamo, ao arrepio do que se aceita como pensamento do Tribunal de Haia, acredito que existe ainda um radicalismo de parte a parte. A política externa brasileira que conversa com o Irã e com Cuba parece importante no mundo, como quando conversamos com Sadam Hussen e Kaddafi. Acredito que o mundo árabe, por exemplo, cuja civilização vem desde a Mesopotania e do antigo Egito, ou da China, Índia e Manchuria quando a Europa ainda vivia como os indígenas brasileiros antes de 1500, merecem um pouco de consideração, ainda que não tenhamos que concordar hoje com seus valores.
Paulo Yokota