Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Nem Tudo Reluz de Felicidade no Reino do Butão

22 de novembro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, webtown | Tags: derretimento de geleiras no Himalaia, des “tsunamis de montagne” ménacent Le Bhoutan-Le Monde-04/11/2011, GNH, rei do Butão visita Japão.

Charmosos e recém-casados, o rei Jigme Wangchuck, 31, e a rainha Jetsun Pema, 21, do Butão, fizeram visita oficial ao Japão entre 15 e 20 de novembro último. Por onde passaram, encantaram as pessoas pela sóbria elegância de gestos e palavras. A ampla cobertura dada pela imprensa à sua passagem certamente fez os japoneses conhecerem melhor o pequeno reino encravado nas altas montanhas do Himalaia, entre a China e a Índia.

O jovem rei, coroado em 2008 após a abdicação do pai, deu continuidade à monarquia constitucional que governa o país – que em 1949 se tornara independente do Reino Unido. Com área de quase 40.000 km², equivalente à da Suíça, e população de 700.000 habitantes, a economia do Butão é baseada na agropecuária de subsistência (à qual se dedica 90% da população), na extração florestal, no turismo, e na venda de energia elétrica para a Índia. A abundante água é o recurso mais precioso do Butão. Diz-se que a água é para o Butão o que o petróleo é para o Kuwait. Ela irriga os campos e terraços de plantação entre vales e montanhas, e alimenta as usinas hidrelétricas que geram 40% da riqueza anual do reino. As águas do Butão e da região circunvizinha funcionam como “caixa d’água” preciosa para todo o Centro-Sul da Ásia.

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Rei e rainha do Butão visitam o Japão

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Mapa do Butão e monastério nas montanhas

A proteção ao meio ambiente e a utilização durável dos recursos naturais é um dos fundamentos da FIB (Felicidade Interna Bruta), ou GNH (Gross National Happiness) – a política de inspiração budista que rege a economia e o desenvolvimento do país, o que o resto do mundo denomina PIB. O Butão sacrifica índices de crescimento para preservar suas florestas, deixa de explorar minas em nome da proteção ao meio ambiente. Suas estradas são construídas sem tecnologias agressivas como máquinas pesadas e poluentes – porque de suas florestas e do equilíbrio climático depende o precioso líquido que alimenta não só o reino, como afeta bacias hidrográficas de todos os vizinhos. Assim, a Constituição do Butão determina que “as florestas devem constituir 60% da superfície do país, por toda a eternidade”. Outros fundamentos do GNH são: o crescimento e desenvolvimento sustentável da economia; a conservação e a promoção da cultura e da etnia autóctones do país; e uma governança responsável, correta e transparente de tudo que diga respeito à paz, bem-estar e felicidade da nação e do povo.

As palavras que o rei Wangchuck pronunciou nos encontros no Japão – com políticos, ministros, Casa Imperial, empresários, estudantes e crianças – ecoaram como vindas de filosofia idealizada e romântica: a felicidade se alcança através de coisas simples da vida, não pela desgastante corrida atrás de riquezas materiais; é possível a seres humanos alcançar a realização plena apenas com o que a natureza nos oferece. O Butão soou como um reino dos sonhos.

Entrementes, artigo publicado por Julien Bouissou no jornal Le Monde, em 4 de novembro último, alerta o mundo que nem tudo é um conto de fadas no reino do Butão. Ameaçado pela mudança climática, o pequeno país sofre as consequências da industrialização do resto do Planeta. Ao Norte, geleiras do Himalaia estão derretendo ao ritmo de 20 a 30 metros por ano, uma aceleração tal que cientistas temem pelo completo degelo até 2050. A água do degelo, ao romper diques naturais que cercam rios e lagos, se transforma em devastadoras enchentes – como a de 1994, quando uma torrente de lama e detritos varreu vilarejos inteiros matando centenas de moradores vales abaixo. Com 24 dos seus 2.674 lagos glaciais já considerados críticos, o país está tentando se preparar para enfrentar “tsunamis de montanha” ainda mais destruidores nos próximos anos.

A topografia inóspita, porém, torna tudo muito difícil e perigoso, até mesmo para se fazer avaliações e levantamentos da situação atual. Zonas de risco estão sendo mapeadas, sistemas de alerta sendo projetados via SMS – Safety Management System. Equipes coletam dados de lagos glaciais para informar qualquer aumento no nível das águas. Um país que sempre cuidou e deu prioridade à preservação ambiental em detrimento do progresso tecnológico, que investiu em custosos projetos para desenvolvimento sustentável, ironicamente é a vítima mais brutal do aquecimento global, é dos primeiros países do mundo a precisar se proteger de inundações glaciais. Em longo prazo, o derretimento das geleiras poderá também diminuir a vazão dos inúmeros rios do país – com consequências inclusive para toda a região Centro-Sul e Sudeste da Ásia, muito além das fronteiras do Butão: afetará o abastecimento de água de 750 milhões de pessoas.

Por trás dos modos suaves e das palavras conciliatórias do rei Wangchuck, há um alerta e um apelo a países de alta e desumana tecnocracia, sejam de ideologia capitalista ou não. Oxalá, ele não termine em voz solitária a clamar em árido deserto.