Os Sabores do Banshu, Fim de Outono no Japão
16 de novembro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, webtown | Tags: banshu e shoshu, castanhas, cogumelos, conservas tsukemono, ginnan, nabo kaburá Shogoin, sanma no aji, Yasujiro Ozu | 2 Comentários »
O primeiro outono pós-11 de março chega ao fim, tudo transcorreu como devia: as pessoas caminharam por bosques colhendo frutos nativos – anzu (abricós), ameixas, caquis; pelas montanhas cataram castanhas gorduchas, ou cogumelos que acaso ainda brotem por entre folhas secas, raízes e troncos. Excursões outonais são desculpas para as pessoas praticarem outro esporte favorito da estação: a contemplação das folhas tingidas em explosão de cores amarelo-alaranjado-avermelhadas, que não foram tão coloridas neste ano, pelo choque pouco intenso do frio.
Pois produtos cultivados da estação são oferecidos suculentos e lindamente embalados, em qualquer ponto de vendas – de quiosques para turistas a sofisticadas lojas de conveniência: maçãs, pêras, pêssegos, castanhas, batatas doces etc. E cogumelos! Desde o mais amado e exclusivo matsutake aos outros tão saborosos e aromáticos quanto buna shimeji, eringi, enokitake, maitake, nameko, shiitake… Tudo com incrível doçura e sabor acentuados, sazonados pelo cálido sol e o frio das noites.
Matsutake / Nameko
Gingko biloba no outono / Ginnan / Kabura turnip
Crianças também se aventuraram pelas matas, levadas pelas professoras, a catar ginnan, o fruto do ichô, gingo biloba. Árvore remanescente de tempos pré-históricos é sempre contemplada com solene respeito. Suas românticas folhas em forma de leque se tornam amarelo dourado no outono, antes de caírem juntamente com as pequenas nozes que lembram pistaches. A culinária aproveita o ginnan como aperitivo (torrado), ou em molhos, ou cozido com arroz. Ginnan, em japonês arcaico lia-se “ginkyo” (gin = prateado; kyo = abricó), do mandarim yin hsing = damasco prateado. Venerado desde tempos imemoriais no Japão, como na China, existem belos exemplares seculares do gingo biloba em templos, parques, alamedas e montanhas. Levado para a França no começo do século XVIII, hoje é cultivado no mundo inteiro. Imigrantes japoneses plantaram em cidades do interior de São Paulo, a partir de sementes. Nestas bandas do hemisfério, porém, ichô não se frutifica, nem suas folhas mudam de cor para o espetacular amarelo.
Mudanças de estação são bastante sensíveis no arquipélago japonês. A cada semana, o clima vai se modificando, assim o início e o fim de cada estação é bem especificado: shoshu é o começo do outono, quando maturam os primeiros frutos e a colheita se inicia nos campos. À medida que o frio se intensifica, outras colheitas seguirão no banshu, fim de outono. Legumes são colhidos então, e preparados em conservas para atravessar os meses de inverno. O tsukemono, conserva de legumes, é presença essencial na história da culinária japonesa. A sensibilidade à natureza e à mudança das estações se reflete no tsukemono como hábito arraigado na cultura do país. Vegetais são colhidos no auge do sabor e imediatamente processados: em sal (shio zuke); em vinagre adocicado (su zuke); em missô, massa de soja; em nuka, farelo de arroz; em kassu, sobra do arroz usado para fazer sakê; e de mil outras maneiras, conforme a região.
Talvez em lugar algum a arte do tsukemono seja praticada com tanto refinamento como em Kansai, região de Quioto. Ali, o tsukemono é quase todo feito artesanalmente. O mais famoso e tradicional talvez seja o senmai zuke, “conserva de mil fatias”, de enormes nabos kaburá Shogoin, brancos e redondos, típico de Quioto; cortado em finas fatias, estas são colocadas em camadas em forma de leque, em grandes tinas de madeira, e pressionadas por alguns dias numa mistura de sal e dashi (caldo básico feito a partir do peixe Bonito, seco, e alga marinha kombu). É um tsukemono de sabor suave e leve, perfeito para atenuar o gosto de uma comida e preparar o paladar para realçar o sabor de outra – ajudado pelo gosto neutro do excelente arroz branco. Para muitos japoneses, a colheita do kaburá anuncia oficialmente o banshu, e o inverno começa para valer quando chega novamente a época de saborear o senmai zuke.
Entremeando tudo, inverno adentro, pairará no ar o inconfundível aroma e sabor da cavala do pacifico grelhada ao sal: sanma no aji. Faz lembrar filmes de Yasujiro Ozu? Não sem razão: de alma essencialmente intimista e contemplativa, o cineasta captou como ninguém a poesia das sutis nuances não só do outono, como das outras efêmeras mudanças de estações ao longo do ano.
Olá,
Parabéns pelo site. Estou muito atrás da castanha de ginnan. Por acaso você sabe onde encontrar em São Paulo.
Obrigado,
victor
Caro Vitor,
Não tenho a menor ideia, lamentavelmente.
Paulo Yokota