Saudades do Jacarandá: Fim de Primavera no Hemisfério Sul
30 de novembro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, webtown | Tags: A season of purple-China Daily-21/11/2011, jacarandás mimosos de Buenos Aires, Lisboa, Porto Alegre, Pretória-África do Sul, São Paulo-Brasil. | 4 Comentários »
“Nesta Lisboa, onde mansos e lisos os dias passam a ver gaivotas, e a cor dos jacarandás floridos se mistura à do Tejo, em flor também…” (Eugénio de Andrade, 1923-2005).
No interior paulista da nossa infância, exuberantes flores cor de laranja de cipós de São João, em julho, marcavam férias escolares de inverno. Logo, explosão de ipês amarelos anunciava início da primavera. Transcorridos Dia da Árvore e setembro, era a vez de jacarandás mimosos começarem a derramar seu roxo e lilás pela plena primavera outubro afora. De uma cor que remete à fugaz nostalgia, a floração do jacarandá mimoso foi registrada por pintores, poetas, e haicaistas. Para imigrantes japoneses, a etérea cor violeta lembrava com saudade as floradas da glicínia (fuji) no Japão; turistas japoneses na primavera de São Paulo perguntavam por onde poderiam apreciar as flores do /djakarándah/, como eles pronunciam.
Jacarandás de Buenos Aires, em fotos do China Daily
Jacarandá mimoso e jacarandá de Lisboa
Jacarandás de Pretória, África do Sul, e de Porto Alegre
Do tupi yakara’na, para paulistas que pensavam ser o jacarandá mimoso genuinamente nativo do Brasil, como ipê ou manacá da serra, era uma surpresa quando descobriam se tratar de árvore de regiões temperadas a frias, ao Sul dos pampas, do extremo Sul do Rio Grande do Sul à Argentina. Adaptando-se bem ao clima subtropical, porém, foi muito utilizado na cidade de São Paulo para arborização de ruas e parques, na primeira metade do século passado. Em bairros residenciais mais antigos ou em parques abertos, no Ibirapuera, na Cidade Universitária, ainda resistem alguns velhos espécimes. Mas em geral mal podado, sitiado em apertados canteiros de calçadas de ruas já tomadas por altos prédios, seu caule atacado por fungos e insetos, o jacarandá mimoso sucumbiu: troncos apodrecidos, a definhar por fumaça poluente e espaço minguado de sol e ar, foram caindo um após outro. Pelas bandas da Rua Cel. Oscar Porto, bairro do Paraíso, anos setenta, vimos jacarandás mimosos a tombar um a um, ano a ano. Hoje, a Prefeitura não realiza mais seu plantio nas ruas devido ao grande porte que atingem, e por serem suscetíveis a cupim e não serem nativos. Entretanto, se plantados em lugares abertos a pleno sol, poderiam crescer esplêndidos, o clima de São Paulo lhes é propício. Como mostram amplos espaços de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde a floração do jacarandá mimoso é espetáculo em outubro.
Assim como o sakura zensen (avanço da florada da cerejeira) no Japão é acompanhado gradualmente do Sul, desde Okinawa, para o Norte (do clima quente para o frio), o jacarandá zensen no Hemisfério Sul sói começar em outubro a partir do Sul do Estado de Minas Gerais, avança por São Paulo, atinge Porto Alegre, e finalmente chega a Buenos Aires. Na Capital portenha, a bela florada do jacarandá é saudada com festa. Do outro lado do Atlântico, a cidade de Pretória, na África do Sul, cognominada “Cidade dos Jacarandás”, também se cobre profusamente de violeta em outubro: de jacarandás formados a partir de sementes levadas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro em fins do século XIX. O China Daily presta oportuna e feliz homenagem ao banshun (fim de primavera) no Hemisfério Sul, com belíssimas fotos de jacarandás em flor de Buenos Aires neste novembro.
O jacarandá mimoso também é festa para os olhos na primavera do Hemisfério Norte: entre maio e junho, Lisboa se perfuma e transborda de cores lilás violeta, de jacarandás cujas primeiras sementes foram também levadas do Brasil. Algumas ruas e praças ficam tão atapetadas pelas pétalas arroxeadas, muita gente até reclama do… incómodo. Mas poetas enxergam além, cantam a beleza da estação, como Eugénio de Andrade e Torquato da Luz . O cronista António Barreto, conhecido como “anunciador mor dos jacarandás de Lisboa”, se exulta a cada primavera lisboeta: “… tal como outros seus santuários, Largo Santos, em Belém, e no Parque Eduardo VII, esta foi a semana em que a flor dos jacarandás voltou à cidade… em tempos de mentira, reviravolta e ocultação, é bom perceber que há coisas eternas, cuja repetição sazonal nos dá a garantia de que a vida nos oferece permanência e lealdade.”
Pois a finalizar, cá está outra prenda para saudosistas:
“O poema é uma praça de Lisboa, orgulhosa do seu jacarandá,
Quando acontece Maio e uma pessoa se embebeda de cheiros que já não há…” (Torquato da Luz, À espera dos jacarandás, Lisboa 2009).
Adorei este post. Está com um português que tomara a muitos e muitos portugueses escreverem assim. Uma maravilha.
Vivo no norte de Portugal e adoro jacarandás, mas não tenho sorte… Braga é exageradamente fria no inverno e a neve, queimou tantos e tantos que uma só semente tinha produzido. Mesmo um jacarandá que aqui tinha com alguns anos, viu a morte num nevão de empalidecer até a alma. Nunca mais tentei plantar jacarandás aqui nesta quinta.
Tenho saudades do jacarandá e do espectáculo da sua cor em junho.
As fotos estão também muito bonitas.
Os meus parabéns pelo seu lindo post… e assim fiquei a saber que os jacarandás são apreciados em todos os Continentes.
Um dia o Paulo Yokota poderia escrever sobre a flor dos meus sonhos?… e que a minha família cultiva há muitas gerações. Se não estou em erro é oriunda da China e chama-se piónia ou pionía, em francês, pivoine.
Um grande abraço de Portugal e obrigada.
Cara Helena Alves,
Obrigado pelo comentário, mas o artigo foi elaborado pela Naomi Doy, e estou solicitando a ela responder as suas considerações.
Paulo Yokota
Os meus agradecimentos para a Naomi Doy.
Prezada Helena, obrigada pelas obsevações. Que pena pelo jacarandá em seu quintal. Agora entendo que é uma árvore algo frágil, nem tanto para os trópicos, nem para muito frio, próprio mesmo para clima temperado. Mas Braga é um sonho, que sorte poder morar lá.
Quanto à peonia, é nativa do nordeste da China, sim, quase considerada flor símbolo do país. Motivo para lindas pinturas – em telas, tecidos e ceramicas/porcelanas. Sempre foi cultivada no Japão também, lá é chamada “botan”.
Na Nova Inglaterra (EUA) é até quase nativa; a escritora Pearl Buck escreveu um livro lembrando a infância que passou na China, “Peony”. Plantas e flores, o assunto não tem fim. Beijos.