14 Contos de Kenzaburo Oe – Prêmio Nobel de Literatura
13 de janeiro de 2012
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais, Notícias | Tags: crítica no Valor Econômico, edição em português da Companhia das Letras, seleção e tradução da Leiko Gotoda | 6 Comentários »
Um sábio brasileiro recentemente falecido, Joãozinho Trinta, afirmava quem gosta de miséria é intelectual, e ajudou o carnaval brasileiro a tornar-se uma festa de esplendor, com sua alegre filosofia e visão, talvez até irresponsável. A crítica elaborada por Bruno Yutaka Saito sobre a nova edição dos contos de Kenzaburo Oe, publicado no suplemento Eu & Fim de Semana do jornal Valor Econômico, leva-me a comentar este livro cujos contos foram selecionados pela minha amiga e competente tradutora Leiko Gotoda, que deve refletir com toda a fidelidade os seus originais em japonês publicado ao longo de muitas décadas.
Sou uma pessoa que procura o otimismo, até pela necessidade de preservar a minha saúde mental, porque sofri um AVC – acidente vascular cerebral. Leio com alguma regularidade as traduções das obras dos escritores japoneses e confesso que muitos não me fazem bem. Sinto um pessimismo mórbido na maioria destes autores, ainda que a generosa crítica de Bruno Yutaka Saito tenha colocado, com elegância, que Kenzaburo Oe tenha revelado o Japão além das meras aparências, com o que concordo. Os japoneses têm um ditado que numa tradução livre poderia ser: “para coisas mal cheirosas, tampa” (kusai mononiwa futa).
Kenzaburo Oe e capa do livro lançado pela Editora Companhia das Letras
Não são poucos os escritores japoneses que se suicidaram, alguns em cerimônias formais, como Yukio Mishima. O “seppuku” (o popular hara-kiri, ou a autoimolação solene com um corte no ventre) sempre foi considerado, no Japão, como uma saída honrosa, concedida até para os samurais que tivessem algo que afetava sua honra.
Certamente, mesmo em muitos autores ocidentais, estes pessimismos com a vida são frequentes, diante da incapacidade de resolver muitos dos problemas complexos dos impasses dos seres humanos. Principalmente os mais elaborados do ponto de vista intelectual. Mas tudo indica que o problema é mais profundo e numeroso entre os intelectuais japoneses.
Que a vida é dura mesma, não tenho dúvidas. Ter um filho com necessidades especiais, como hoje é politicamente correto chamar, certamente influiu na personalidade deste Prêmio Nobel. Mas seus trabalhos anteriores já proporcionavam visões pouco otimistas. Não que se deva esconder as misérias humanas, mas a luta para superá-las parece que merece ser valorizado.
Talvez por não ser suficientemente japonês (tenho dupla nacionalidade), não consigo ver nenhuma beleza e valor no suicídio. Nem em ficar remoendo os problemas que todos nós temos, “curtindo uma fossa”. A vida sempre está cheia de dificuldades, como alegrias que compensam as mesmas. O que me emociona é a luta da humanidade para superar suas limitações, muitas vezes algo como David contra Golias.
Vendo as vítimas do crack em São Paulo, ou os muitos moradores de rua de metrópoles como Tóquio, vendo que alguns conseguem superar seus problemas é que me permite continuar acreditando nos seres humanos. Ou quando desta dura realidade surge uma personagem como a que consegue transformar em “butoh” a simples alegria de estar vivo.
Não sou adepto do “pós-moderno”, que me parece fantasiar a dura realidade da vida. E, como me confidenciou uma costumeira leitora, parece ser necessário dar um tempo para ver se as obras resistem. É verdade, mas também parece desnecessário enfatizar somente a miséria humana.
Oliveira Lima nos ensinou que é preciso registrar as primeiras e boas impressões, e fazer um balanço adequado com as misérias que vamos constatando com o correr do tempo.
Caro Paulo, acabei de comprar e receber este livro de contos. Confesso que as críticas não eram muito animadores no que se refere à uma literatura fácil. De qualquer forma para uma pessoa que como eu leu toda a literatura de Sartre na adolescência e pós, vou tentar.
Depois, quem sabe, poderemos trocar algumas ideias no campo existencial. Um abraço e bom fim de semana.
Caro Fre,
Ler sempre acrescenta alguma coisa, mesmo que não tenhamos que concordar totalmente com o autor. O que me impressiona na maioria dos escritores japoneses é o seu exagerado pessimismo.
Paulo Yokota
Concordo com você. Quem sabe é culpa do seu isolamento físico.
Caro Fre,
A maioria dos japoneses são reservados, e somente os que receberam influências externas, como dos brasileiros, tendem a ser mais expansivos.
Paulo Yokota
Não entendi a comparação, se é que se trata de uma comparação, colocando no mesmo nível usuários de crack e moradores de rua de Tokyo. É como comparar flores com frutas. O primeiro grupo é de desvalidos, o segundo, até onde sei, trata-se de uma opção de vida, já que nestes casos, (como em Toronto no Canadá), o governo possui programas de auxílio para estas pessoas, que preferem viver ‘dignamente’ nas ruas, por mais absurdo que isso possa parecer.
Caro Carlos Abreu,
Agradeço o seu comentário. Peço desculpas se não consegui ser muito claro. Não fiz nenhuma comparação colocando no mesmo nível usuários de crack com os moradores de rua do Japão, que estão aumentando com a atual crise. O que procurei mencionar, é o otimismo com a recuperação que alguns conseguem. Ainda que entre os moradores de ruas de países desenvolvidos existam muito que o são por opção, também existem outros que não contam com alternativas, que nem sempre são econômicas, pelo que sei. O Japão passa por uma fase terrível onde até jovens não encontram muita motivação, como postei recentemente num artigo.
Paulo Yokota