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Efeitos das Eleições Democráticas nas Vilas Chinesas e Outros Paralelos

11 de março de 2012
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia, Editoriais, Notícias, Política | Tags: efeitos da democratização, estudos de um grupo de acadêmicos, evidências chinesas, publicação recente e preliminar

O professor Antonio Delfim Netto insiste que é da natureza humana o desejo de ampliação da sua liberdade quando as necessidades básicas de sobrevivência começam a ser atendidas, mesmo nos estágios iniciais da melhoria do padrão de vida de qualquer sociedade. Como paralelo, assisti à soberba apresentação da Sinfonia nº 5, de Dmitri Shostakovich (1906-1975), na Sala São Paulo, pela Osesp – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, regida pela maestrina Marin Alsop, peça que foi apresentada pela primeira vez na então Leningrado, em 1937, hoje novamente São Petersburgo. Verifica-se que a genialidade do compositor superou algumas limitações duramente impostas pelas restrições da época de Stalin na Rússia, voltadas exclusivamente para o monumental e triunfalismo realista do Estado. Ainda que suas marcas medonhas tenham ficado gravadas na personalidade deste fenomenal compositor russo, como relatado por Isaiah Berlin sobre sua visita à Oxford, quando recebeu o título de doutor honoris causa daquela Universidade, em 1958. Como consta da Revista da Osesp, de março de 2012.

Este é o pano de fundo para a apreciação de um inédito e profundo trabalho de um grupo de acadêmicos sobre o efeito das eleições democráticas na China atual em suas vilas. Chegou-me por intermédio de Claudio Mendes, ainda numa redação preliminar, o fabuloso trabalho conjunto de Monica Martínez-Bravo, da Johns Hopkins; Gerard Pedró i Miguel, da London School of Economics; Nancy Qian, da Yale University; e Yang Yao, da Peking University. Receberam suportes de instituições como Brown University, Stanford, Harvard e National Foundation Grant. Ele se denomina “The Effects of Democratization on Economic Policy: Evidence from China”. E trabalharam com dados colecionados pelo Chinese Ministry of Agriculture. Ainda que muitos possam duvidar, as instituições envolvidas merecem créditos. Mostram que, mesmo em regimes considerados autoritários, de partido único, os primeiros indícios da aspiração por sistemas mais democráticos estão germinando, por meios criativos, superando as restrições como as que foram sofridas por Dmitri Shostakovich.

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Dmitri Shostakovich e eleição na pequena vila chinesa de Wukan

Os mais habituados com assuntos chineses já sabem que nestas vilas chinesas as eleições se processam para escolher livremente os membros de um conselho, bem como o seu chefe, que antes eram escolhidos pelo Partido Comunista Chinês. Os resumos destes estudos extensos feitos por esta equipe de acadêmicos mostram que seus resultados são alvissareiros.

Foram estudados os dados correspondentes a 217 vilas, amostras colhidas ao acaso, que processam eleições democráticas para escolherem os seus líderes, com dados correspondentes de 1980 a 2005. Nem todas as vilas tiveram suas eleições locais introduzidas ao mesmo tempo, os primeiros ocorrendo a partir de 1980. Os mesmos mostram que está havendo um aumento de 27% dos gastos em bens públicos indicados pela comunidade com representantes escolhidos por estas eleições. Observa-se de 20 a 27% de aumento em áreas agrícolas, beneficiando os residentes, o que antes era decidido pelas autoridades nomeadas.

Para atender estes investimentos nos equipamentos públicos estão ocorrendo aumentos de impostos locais, sobre as quais os eleitos possuem razoável liberdade, e as desigualdades de renda entre seus habitantes estão diminuindo. Algumas imposições anteriores das autoridades, como o planejamento familiar, estão se reduzindo e a expropriações de terras das vilas estão em queda. Muitos líderes eleitos não estão sendo reeleitos, mostrando que existe uma fiscalização eficiente dos seus eleitores.

Estes acadêmicos, que estão efetuando tais estudos e utilizam uma extensa bibliografia mundial, mostram-se otimistas com os primeiros resultados que estão sendo obtidos por estas eleições democráticas, como demonstram seus estudos que utilizam sofisticados instrumentos estatísticos. Há possibilidade que estes resultados contribuam para acelerar o processo de reforma política em curso na China atual.

Deve-se reconhecer, também, que até os líderes máximos daquele país estão processando mudanças de tempos em tempo, passando atualmente da quarta para a quinta geração, quando atingem as idades consideradas de aposentadoria, com uma saudável renovação. Mesmo que seja um regime de partido único, sem a plenitude dos direitos humanos, observam-se variados segmentos de tendências diversas dentro deste partido com ampla participação dos mais destacados empresários.

Num país de dimensões continentais, com várias línguas e culturas, muitas etnias e amplas diversidades regionais, ainda que se deseje uma uniformização dos pensamentos, ela é praticamente impossível. Muitos são os relatos de insatisfações públicas expressas por segmentos da população chinesa em suas manifestações populares.

Na medida em que as autoridades locais sejam eleitas democraticamente, as possibilidades de atendimentos adequados das necessidades das populações podem ocorrer com maior eficiência. Também a chamada “accountability”, ou seja, a ligação e a cobrança mais estreita dos representantes pelos representados podem acabar acontecendo por mecanismos diretos, decorrentes dos seus conhecimentos pessoais dentro de uma pequena comunidade, reduzindo as possibilidades de corrupções, infelizmente da natureza humana.

A tendência que vem se observando em muitos países é do aperfeiçoamento destes sistemas de eleições democráticas, ainda que muitos defeitos ainda sejam apontados. Mas aqueles que imaginarem que os países asiáticos de forte influência confucioana, que difere da ocidental, não podem ser considerados democráticos podem estar enganados.