Planeta Água
21 de março de 2012
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, webtown | Tags: acidificação dos oceanos, Brasil - país das águas, escassez mundial de água potável, rios de São Paulo.
Possuindo o maior volume de água doce do Planeta (12% do total) disponível em seus rios, lagos e subterrâneos, o Brasil é terra abençoada pelas águas – embora a sua distribuição não seja uniforme, com 70% dela concentrada na região amazônica. Chuvas abundantes durante o ano todo na maior parte do país, aliadas a condições geológicas e climáticas favoráveis, colaboram ainda na manutenção da extensa e densa bacia hidrográfica brasileira.
Quando desbravadores portugueses adentraram as matas da região que é o atual Estado de São Paulo entre os séculos XVI e XVII, as expedições chamadas Bandeiras partiam de barcos pelo rio Tietê – que nasce nos arredores da Capital, atravessa a cidade, corta o estado de leste a oeste por 1.100 km, e deságua no imenso rio Paraná, na divisa com o Estado do Mato Grosso. No seu longo percurso, o Tietê recebe importantes afluentes; já dentro da Capital, entre outros, os rios Pinheiros e Tamanduateí. Outros grandes rios paulistas, levando inúmeros afluentes, deságuam no Paraná: os rios Paranapanema, do Peixe, Grande, Turvo. Até início dos anos 1950, rios paulistas fluíam entre florestas fechadas, verdejantes de perobas, paus d’alhos, jacarandás, ipês, paineiras, cedros, jatobás. Eram copiosos em peixes: dourados, curimbatás, mandis, piabas, pacus, bagres, lambaris. Na época da piracema, o interiorano se munia de puçás para “pescar no ar” peixes que nadavam rio acima saltando obstáculos para chegarem às nascentes de origem para desovarem. Em lindas cachoeiras como o Salto Botelho no Rio Aguapeí (apelidada injustamente de Rio Feio na região de Adamantina, Lucélia, Valparaíso), era um espetáculo o festival de peixes pulando às centenas, escamas douradas e prateadas brilhando ao sol.
Cartazes do Dia Mundial da Água
6º Fórum Mundial da Água, Marselha
Salto Botelho, Rio Aguapeí, São Paulo-Brasil
Hoje, rios paulistas correm por férteis planícies cortadas por extensas plantações e pastagens, intercalados por inúmeras barragens de usinas hidrelétricas, sem a proteção das densas matas ciliares que os circundavam. No seu trajeto recebem esgotos urbanos, agrotóxicos, e dejetos industriais dos municípios que vão atravessando. Contaminada e imprópria para uso, parte da água no Brasil já perdeu a característica de recurso natural renovável. As grandes concentrações urbanas estão sob a ameaça da escassez de água potável.
O Brasil tem uma legislação que fixa normas de proteção da vegetação natural às margens dos rios e em torno das nascentes e áreas de recarga. Novo Código Florestal (alvo de lamentáveis barganhas e jogos políticos no momento em Brasília), que está para ser votado na Câmara dos Deputados, altera as Áreas de Proteção Permanente (APPs), e pode deteriorar ainda mais a situação de nossos rios e mangues, influenciando inclusive a saúde dos mares que nos cercam. Para agravar tudo, estudos recentes indicam que a concentração do dióxido de carbono (CO2) no ar se combina com a água dos oceanos e produz ácido carbônico, diminuindo progressivamente o pH dos mares. Isso contribui para um aumento sem precedentes da acidificação da água salgada, afetando processos biológicos como a fotossíntese, a absorção de nutrientes e o crescimento, a reprodução e a sobrevivência de espécies como corais, moluscos e algas, além de destruir a cadeia alimentar dos oceanos, o plâncton.
O tema “água” não está nos focos do Rio+20, conferência da ONU para o desenvolvimento sustentável a se realizar em junho no Brasil. Mas na conclusão do Fórum Mundial da Água em Marselha na semana passada, a maioria dos países presentes se comprometeu a promover o acesso à água potável, ao tratamento de esgoto, e a incentivar o uso inteligente da água. Essa ideia será levada para o Rio+20 pelo Brasil, através da ANA – Agencia Nacional de Águas – segundo seu presidente, Vicente Andreu. “O encontro em Marselha serviu para fortalecer a entrada da água na agenda nacional e para melhorar a imagem do Brasil como um produtor de tecnologias sustentáveis”, avalia ele (Folha de S.Paulo).
O planeta Terra se constitui de 71% de água: 97% dela formam os oceanos, 2% as geleiras, e apenas 1% está nos rios, lagos e aquíferos. Se por ventura existam seres extraterrestres inteligentes algures no infinito sideral que tenham explorado, catalogado e classificado todos os áridos e estéreis astros, asteroides, estrelas e planetas pelo Universo, talvez já tenham denominado “Água” o planeta que preferimos chamar de Terra – já que é a água, fonte de vida, que predomina por aqui. Pois então mister se faz que comecemos a cuidar melhor dele e do raro líquido potável que só ele contém.