Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Desperdícios nos Momentos de Crise Mundial

28 de junho de 2012
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia, Editoriais, Gastronomia, Notícias, webtown | Tags: alimentos, aproveitamentos gastronômicos, muitas oportunidades, sustentabilidade

Num suplemento publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, que tem o nome de Comida, consta uma matéria elaborada sobre as possibilidades de aproveitamentos de partes de peixes, animais e legumes que atualmente são pouco utilizadas para a elaboração de alimentos de elevada qualidade. No passado, quando a humanidade passou por crises agudas, aprendeu-se a aproveitar todas as partes que não apresentassem danos à saúde dos seres humanos, pelo contrário, contribuindo para a sua manutenção.

Na lembrança da minha infância e juventude, tenho saudade dos pratos tão apreciados como fígados, buchos, miolos, línguas e outras partes menos nobres de um bovino que hoje são difíceis de ser encontrados nos restaurantes, a não ser nos muito especializados ou populares. Quando eles hoje são chamados de miúdos, ignora-se que podem ser aproveitados para o preparo de iguarias que exigem alguns conhecimentos culinários que saíram de moda. Entre os japoneses, variadas porções dos peixes eram e continuam sendo aproveitados por chefs com experiências dos tempos passados mais duros, que possuem conhecimentos que foram transmitidos por gerações. Entre elas, as cabeças, as barrigadas e os ossos.

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Fígado à veneziana, mocotó com favas e cabeça de peixe

Os mais idosos se lembram de um saboroso “fígado à veneziana”, “tripa à moda do Porto”, “tripa à moda de Caiena”, dos miolos e línguas preparados com as mais ricas receitas, e que eram baratos, mas também podendo ser encontrados em restaurantes de luxo, com sofisticados molhos que levavam vinhos. O mocotó, o rabo, os músculos e tutanos continuam sendo prestigiados em muitos restaurantes especializados.

Mas poucos utilizam os molhos que têm como base o osso, em cuja proximidade se encontra às melhores carnes, e são à base de boas sopas que foram trazidas por imigrantes de diversas origens.

Quando se fala de peixe, não se pode desconhecer os que eram alimentos dos pobres. A sardinha, integralmente aproveitada, inclusive nos seus ossos bem cozidos, sempre foram ricas em cálcio, apreciadas de variadas formas. Hoje, só se encontram os grelhados das sardinhas de origem europeia, mais ricas em gorduras de boa qualidade.

Os japoneses e alguns dos seus descendentes sabem aproveitar o que há de melhor nos peixes, que não se resumem nos sashimis e sushis. A cabeça sempre foi considerada uma iguaria pelos que apreciam uma boa gastronomia. Experimentem um churrasco da cabeça de um atum. As carnes da cabeça são consideradas as mais nobres, como os arredores dos olhos. Do que resta dos filés destinados aos usos de sashimis e sushis, tudo pode ser aproveitado da melhor forma.

Algumas peles são grelhadas para serem utilizados em finos sushis. Nadadeiras dorsais fritas costumam ser ótimos aperitivos, bem como outros ossos pequenos, que se tornam crocantes. Um dos pratos muito apreciado pelos japoneses é conhecido como “arani”, utilizando todos os restos depois de retirados os filés, para serem cozidos com legumes e tubérculos. É muito comum o aproveitamento dos ossos para preparo de cozidos conhecidos como “tiri yaki”, pois produzem um excelente caldo.

Até as tripas dos peixes são utilizados para produzirem conservas chamadas pelos japoneses como “tsukudane”, excelentes para acompanharem bebidas nos bons izakayas que entraram em moda e que no passado eram conhecidos como nomiya (estabelecimento para se beber).

É de conhecimento geral que estes peixes proporcionam muito cálcio e gorduras de boa qualidade, contendo Omega três. Inclusive nas partes que hoje são desprezadas, mas que acabarão sendo aproveitadas nas crises econômicas, por serem de custo mais baixo.

Isto também acontece com os legumes cujas folhas podem ser convertidas em conservas, como no caso do nabo, com ótimo sabor. Quando muitos produtos são desprovidos das suas cascas, ignora-se que é onde se concentram os conteúdos mais úteis para a manutenção da saúde.

A lição que se espera desta crise atual é a eliminação destes desperdícios que podem ser aproveitados, inclusive para proporcionar melhores condições de saúde. Espera-se que os nutricionistas e os profissionais de gastronomia ampliem seus conhecimentos, nestes setores.

Quando hoje o restaurante Noma, em Copenhagen, ganha notoriedade, lembro-me ha décadas de ter apreciado um excelente almoço coletivo no Japão somente com plantas localizadas nas florestas e pântanos, inclusive suas raízes, folhas e frutos num rico ateliê de cerâmica, cujos auxiliares se dedicaram à sua coleta dos mesmos.

Nada se inventa, pode no máximo dar novas leituras, mas desde quando os humanos habitavam nas cavernas, tudo da natureza foi aproveitado, procurando se manter a natureza, que no caso dos japoneses também é considerada “deusa”, parte da vida.