A Serena e Ilustrativa Entrevista de Carlos Ayres Brito
19 de novembro de 2012
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais, Notícias, webtown | Tags: considerações ponderadas, entrevista para o Ilustríssima da Folha de S.Paulo, momento adequado, o respaldo de suas convicções e posições
Poucas vezes uma entrevista foi tão esclarecedora como a concedida por Carlos Augusto Ayres de Freitas Brito, que acabou de se aposentar como presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, concedida para Valdo Cruz e Felipe Seligman, da Folha de S.Paulo, publicada neste fim de semana no suplemento Ilustríssima. Recomendo aos leitores que o leiam na íntegra, que pode ser acessada entrando em www.folha.com/ilustríssima no artigo que tem como título “A impunidade sofreu um duro revés”.
Ainda que os entrevistadores estivessem fortemente interessados nos seus comentários diretos sobre o processo que ficou conhecido como o do “mensalão”, o ministro conseguiu expor suas convicções filosóficas, que decorrem do vegetarianismo e sua capacidade de meditação diária. Isso esclarece parte de sua irrepreensível conduta na presidência de um longo julgamento de elevada complexidade, onde conflitos de toda ordem se apresentavam, inclusive choque de egos, exigindo do Supremo Tribunal Federal uma serenidade que impressionou a todos que procuraram acompanhar o desenrolar deste longo processo.
Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Brito
O ministro aposentado Carlos Ayres Brito, diplomaticamente, conseguiu nesta entrevista conter a ansiedade dos entrevistadores, como em muitas outras que ele concedeu recentemente por ocasião de seu desligamento compulsório em decorrência da idade. E numa atitude quase zen, conseguiu explicar porque consegue se manter calmo frente a tantas tensões, inclusive diante de conflitos públicos entre o ministro relator Joaquim Barbosa e o ministro revisor Ricardo Levandowski. Suas recomendações foram acatadas por todos os membros do Supremo, diante da autoridade concedida pelo cargo de presidente, mas certamente pelo conhecimento do seu cabedal, que somente agora é revelado parcialmente.
Muito interessante este lento processo de amadurecimento de suas convicções pessoais, como suas distinções dos carnívoros e herbívoros, mostrando que ele é um intelectual de formação ampla que não só se baseia nos conhecimentos filosóficos ou jurídicos, como acompanha os mais recentes avanços da neurociência.
Com a adequada compreensão dos processos antropológicos e culturais, ele conseguiu revelar a sua convicção que o Supremo está “quebrando paradigmas passados”, exercendo a “sabedoria da coragem, do desassombro, para vedar comportamentos antijurídicos”. Mas, consciente que o processo mal se inaugurou, ainda não está concluído, e muito ainda terá que se fazer para consolidar uma posição contra a corrupção e a impunidade no Brasil, incorporando-a na sua cultura.
Revela o que o influenciou deste Heráclito, pré-socrático, até os mais recentes conhecimentos da física quântica nos escritos de Dannah Zohar, com a capacidade para trazer tudo isto para o seu comportamento pessoal do cotidiano.
Ele explica que é um contemplativo, “porque na contemplação você concilia a atenção e desconcentração”. E esclarece exemplificando com um copo de água: “Quando você é contemplativo, você contempla essa água, o copo antes de beber. O toque de sua mão no cristal. Eu estou acordado, como quem está atento. Mas estou descontraído, como quem está dormindo”.
E continua: “Então, contemplação é isso, é a conciliação entre a atenção e a distração. É impressionante. É um descarrego, um êxtase. Como vivo em estado contemplativo, eu observo coisas interessantíssimas…” Mostrou toda a sua veia de poeta, e até popular, quando teve que condenar antigos parceiros como: “gosto de jiló, de mandioca roxa ou de berinjela crua”.
Transferindo esta sua filosofia para os relacionamentos entre os seres humanos numa coletividade, Carlos Ayres Britto mostrou de forma objetiva como foi possível administrar um processo tão complexo, que foi apresentado diretamente para o público pela televisão nas suas sessões no Supremo.
E, depois de muitas outras ricas lições na entrevista, ele resume: “A sociedade não tem parâmetro para analisar os antecipados no tempo. Veja a lógica das coisas, o tempo só pode se guiar porque anda adiante dele. São os espiritualistas, os artistas, porque eles não têm preconceitos, pré-interpretações, pré-compreensões”.
Depois de completar o seu mandato: “O que faço questão é me reconhecer. “Eu gravitei em torno dos valores que dão sentido, dão grandeza, dão propósito à existência individual e coletiva. Eu não perdi a viagem”.