Livros Que Provocam Mudanças de Conceitos
19 de abril de 2013
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais, Notícias, webtown | Tags: crônicas sobre famosos e pessoas comuns, edição da Escritura Editora e Editora Unesp de 2000, primeiro depoimento no meio da leitura, Retratos Japoneses de Donald Richie, tradução de Lúcia Nagib
Já havia lido muitos trabalhos de Donald Richie, recentemente falecido e que trabalhava na Columbia University, depois de longo tempo vivido no Japão, colaborando com diversas publicações e livros. Ele lá chegou logo depois da Segunda Guerra Mundial e ousou mais que muitos que foram como parte das tropas de ocupação norte-americana, interessando por cada indivíduo da população japonesa, chegando a dominar o idioma local, tornando-se um especialista que escreveu sobre várias personalidades e pessoas comuns, com destaque para os cineastas japoneses que muito admirava. Chegou a receber um reconhecimento da Casa Imperial pelas suas contribuições, notadamente no que se refere ao cinema japonês. Sempre acreditei que existiam dois tipos básicos de estrangeiros: os que se tornaram exagerados admiradores dos japoneses ficando viesados nas suas análises pelas suas paixões, e outros que efetuavam considerações superficiais sobre eles, não conseguindo entender as essências das personalidades dos nipônicos. Poucas eram as exceções que permitiam um equilíbrio nas avaliações, ressaltando suas muitas qualidades, mas também tendo o espírito crítico para observar também os muitos problemas que afligem os indivíduos que formam o povo de um país, tendo como referências seus conhecimentos de outros povos.
Este livro, que tem o título em português “Retratos Japoneses Crônicas da vida pública e privada”, é uma tradução do inglês de Lúcia Nagib, ela especialmente interessada no cinema japonês, baseado na nova edição do livro “Public people, private people – Portraits of some Japanese”. E foi editada pela Escritura Editora, junto com a Editora Unesp em São Paulo, 2000. Não pode ser ignorado por todos quantos se interessam pelos japoneses e suas formas de ser, tanto de personalidades conhecidas como pessoas comuns do povo japonês, com suas muitas qualidades como suas limitações. Analisando mais a fundo o seu conteúdo e aprendendo mais com o que ali está expresso, aumento a minha consideração pelo seu autor, pois além de sua admiração por muitos japoneses, preservou a sua capacidade de observar suas dificuldades dispondo de referências internacionais.
Donald Richie foi registrando fatos que observou desde que chegou ao Japão em 1947, procurando conhecer os japoneses com suas pesquisas diretas, desde o período que isto era proibido para os membros da tropa de ocupação norte-americana. Estas anotações incluíam contatos ocasionais com pessoas comuns como personalidades que se tornaram depois famosas como o escritor Yasunaki Kawabata, o diretor de cinema Yasujiro Ozu, a atriz Setsuko Hara, o escritor Yukio Mishima, o cineasta Akira Kurosawa, o cineasta Nagisa Oshima e muitos outros, com especial destaque para aqueles relacionados com o cinema. Ele atribuiu nomes fictícios para preservar alguns de acontecimentos privados. Ou desconhecidos, cujos nomes ele não sabia, a quem deu nomes de sua escolha, pois o que interessava eram os fatos que expressavam seus comportamentos e a essência de suas almas.
Muitos contatos foram frequentemente repetidos ao longo do tempo, mostrando facetas que não são conhecidas do grande público e permitem compreender a profundeza de suas contribuições. Pode-se afirmar que o autor foi um observador privilegiado, consolidando sua capacidade de observar com a experiência acumulada, e com o pleno domínio da cultura japonesa.
É evidente que com sua longa experiência acumulou uma capacidade de análise que excede a de muitos bons japoneses. Sendo um estrangeiro o autor conta com as vantagens de perspectivas que nem sempre os próprios japoneses conseguem, talvez por falta de uma referência comparativa proporcionada por outras culturas. Ainda que haja muitos japoneses que possuem profundos conhecimentos de outras culturas, ninguém fica totalmente isento em suas análises, havendo até muitos casos de excesso de um espírito crítico.
É verdade que isto não acontece somente com o Japão e os japoneses, mas em todos os países e as diferentes culturas. As próprias análises dos seus trabalhos também não são devidamente equilibradas, havendo casos de simpatias exageradas, ou até preconceitos das quais não estamos totalmente livres, ainda que tentemos ser o mais justo possível, sempre sob o nosso ponto de vista.
Possivelmente é isto que nos obriga a conhecer os mais variados pontos de vista, procurando respeitar as perspectivas das quais os muitos trabalhos são elaborados. Mesmo nas chamadas ciências físicas existem fatos que acabam reformulando conhecimentos que pareciam definitivos.
Nas ciências sociais isto acaba sendo mais frágil, pois nas suas análises dependemos de muitos fatores, inclusive considerados não racionais que dominam os seres humanos que possuem vontades próprias, que nem sempre coincidem com os conhecimentos parciais que são proporcionados por observações limitadas. Isto nos deveria conduzir à humildade maior nas nossas avaliações, supre sujeitas às revisões diante de versões mais fundamentadas sobre as quais não tínhamos conhecimento. Donald Richie, apesar de já falecido, acabará obrigando muitos a reverem muitos dos seus pontos de vista sobre os japoneses, famosos ou pessoas comuns.
A edição deste livro teve o cuidado de preservar no original japonês muitas expressões que são difíceis de serem traduzidas, informando em muitos casos até os que possuem um razoável conhecimento da cultura japonês de conceitos sofisticados e até populares, que bem refletem a realidade daquele povo, desde os conhecimentos notórios até os mais pessoais.
Permite reconhecer alguns aspectos que até resultam no elevado suicídio de japoneses. Vem com as reservas de muitos deles, que puderam se abrir para um estrangeiro como Donald Richie, o que não poderiam fazer nem com seus familiares ou amigos mais íntimos. O autor teve a rara perspicácia para tirar o máximo partido de sua perspectiva de observação, consciente em muitos casos, incapaz de interferir em casos com os quais não concordava.
Raros são os livros que permitem visões tão agudas, e todos os que possuem algum interesse nos japoneses devem tirar o máximo partido de seus conteúdos, colocados de forma modesta como costuma ser da cultura japonesa. Nota-se que Donald Richie contribuiu com o Japão e muitos dos seus personagens notórios como comuns, tirando o máximo partido de um estrangeiro que dominou o seu idioma, conhecia muito de sua história e da cultura, tendo também referências de outros países para suas análises de rica felicidade.