Simpósio do Ciate Sobre os seus Vinte e Cinco Anos
30 de setembro de 2013
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia, Editoriais, Notícias, Política, webtown | Tags: evento internacional, palestrantes japoneses e brasileiros, um dos textos apresentados
Realizou-se em São Paulo um Simpósio Internacional do Ciate – Centro de Informação e Aperfeiçoamento dos Trabalhadores no Exterior para comemorar os 25 anos do movimento que ficou conhecido como dos decasséguis, onde foram apresentadas palestras de importantes professores como Masatoshi Ozaki, da Universidade de Aomori, e Chuo Gakuin, de Yasushi Iguchi da Universidade Kwansei Gakuin, onde tivemos o convite para falar sobre o atual intercâmbio bilateral entre os dois países. Também falaram autoridades japonesas como Natsuko Horii, diretora da Divisão de Política de Emprego dos Estrangeiros do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem Estar Social do Japão, além de outros envolvidos com trabalhos relacionados com os brasileiros que trabalham no Japão. Abaixo um resumo da palestra.
Apresento algumas ideias sobre o intercâmbio nipo-brasileiro, no contexto do que ocorre hoje no mundo, tratando de tópicos que nem sempre são lembrados e que merecem considerações mais profundas de todos nós.
É forçoso reconhecer que o intercâmbio bilateral entre os dois países já teve fases mais brilhantes no passado e temos possibilidades concretas para elevar o seu patamar atual, ainda que ele não seja desprezível. Estes intercâmbios costumam ser mais intensos entre países que produzem bens do mesmo setor não havendo necessidade de condições da propalada complementaridade. Na década dos anos setenta, o Brasil exportava motores de automóveis para o Japão, que montava os veículos naquele país para os colocarem no mercado norte-americano e internacional. Exportávamos também componentes de informática para que lá fossem produzidos computadores de grande potência, pois o Brasil tinha uma atitude mais agressiva na promoção de suas exportações que perdemos. Considerava-os estratégicos para promover o seu desenvolvimento econômico.
O Brasil continua exportando veículos e componentes, como importando outros modelos e peças para o mercado brasileiro, e algo similar continua acontecendo com de outros países e outras montadoras, inclusive japonesas. Muitas empresas com origem no Japão estão se consolidando recentemente como verdadeiras multinacionais, como a AGC, a maior empresa mundial de vidros, que hoje tem sede em Bruxelas e deve iniciar a sua produção no Brasil ainda neste ano. A unidade neste país conta com um chairman japonês, um presidente italiano e um diretor comercial belga, denotando a sua nova atitude multinacional.
A indústria farmacêutica japonesa, que conta com empresas como a Takeda, a maior do Japão, já detém mais de 30% do mercado brasileiro. Isto acontece por intermédio de suas subsidiárias suíças e norte-americanas com larga colocação de seus produtos, que deve aumentar nos próximos anos. São algumas indicações que o Japão também está acelerando a sua mudança, aumentando ainda mais a sua importância mundial, apesar de alguns considerarem que ela estava estagnada nas últimas décadas.
Agora, com a política conhecida como Abeconomics, procura-se dar um salto adicional e importante, ainda que tenha que enfrentar muitas dificuldades, inclusive o controle das radiações provenientes de Fukushima.
O Brasil continua com os braços abertos para as empresas japonesas, e muitas estão anunciando os seus projetos neste país. Seria interessante que elas intensificassem suas pesquisas locais, para adaptar seus produtos às condições vigentes no país, uma economia emergente de características predominantemente tropical.
A conhecida ex-ministra da Defesa Yuriko Koike continua sendo uma das mais lúcidas parlamentares japonesas, sendo a presidente do LDP – Partido Liberal Democrata, que é o suporte principal do atual governo do primeiro-ministro Shinzo Abe. Ela publicou no dia 26 de setembro no Project Syndicate, que é uma organização utilizada por todos que se interessam pela geopolítica no mundo, um artigo emblemático.
Trata-se da perplexidade do mundo e dos asiáticos, inclusive do Japão, com a hesitante política externa dos Estados Unidos, numa colocação aguda que não é usual entre as autoridades japonesas. Quando Hillary Clinton era da secretária de Estado daquele país, os norte-americanos concentravam suas atenções na Ásia que hoje tem uma importância estratégica, tanto pelo crescimento de sua economia como os problemas de defesa que estão se tornando críticos. A China está aumentando seus investimentos militares, e os seus vizinhos asiáticos estavam reforçando suas alianças com os Estados Unidos, sendo obrigado a ampliar os seus gastos neste setor vital.
Os recentes episódios na Síria, na Primavera Árabe e no mundo, indicam que o presidente Barack Obama teve que mudar novamente sua prioridade mundial para o Oriente Médio. Deixou perplexos, segundo ela, o Egito, o Paquistão e seus aliados asiáticos, inclusive o Japão. As declarações desastrosas do presidente aumentaram a influência da Rússia que intermedia a entrega do arsenal de gases sírios de uso militar para as Nações Unidas.
Dúvidas foram disseminadas pelo mundo. Lembro-me com tristeza do período da Guerra Fria, quando o grande estadista alemão Hermann Abs, que trouxe para o Brasil a Mercedez Bens, o Deutch Bank e a Lufthansa, era uma figura semelhante ao lendário japonês Toshiwo Doko do Japão.
Ele nos afirmava que um rico alemão que tivesse três filhos deveria deixar, por segurança, um na Alemanha, outro nos Estados Unidos e o último no Brasil. Lamentavelmente, a situação geopolítica na Ásia tornou-se complicada se o grande aliado do Japão, os Estados Unidos, ficaram hesitantes, sem contar na sua política externa com um firme consenso interno e internacional, afirma Yuriko Koike.
O Brasil é um país onde os riscos militares são mínimos, e para segurança dos japoneses é recomendável que parte dos investimentos seja feitos neste país, que, entre alternativas no mundo, apresenta riscos mais baixos do ponto de vista geopolítico.
A autora e política japonesa considera com realismo a possibilidade a desastrosa formação do G2, entre os Estados Unidos com a China, deixando os demais aliados asiáticos, principalmente o Japão, numa situação muito difícil. É preciso pensar em diversificar os riscos japoneses, voltando a efetuar o que o Japão fez quando terminou a Segunda Guerra Mundial, mandando parte dos seus filhos para o Brasil, como ampliar os investimentos de suas empresas nesta parte emergente do mundo. Também deste ponto de vista nossas relações bilaterais precisam ser consideradas.
No Brasil, aprendemos o voleibol com os japoneses e contamos hoje com uma seleção feminina brasileira nove vezes campeãs do mundo, a última conquistada no Japão. Também no masculino não fazemos feio. Os japoneses aprenderam muito do futebol com os brasileiros, e hoje a sua seleção feminina é campeã do mundo. No judô, que aprendemos dos japoneses, a nossa equipe feminina já chegou a vice-campeã do mundo. Não será surpresa se a seleção masculina de futebol do Japão chegar em breve a ser campeã do mundo. Tudo isto mostra que nossas relações não se resumem às atividades econômicas e comerciais, mas se estende até às culturais e esportivas.
Na produção da soja aprendemos muito com os japoneses, como no desenvolvimento do cerrado brasileiro, já somos os maiores exportadores do mundo e vamos produzir na África lusófila em suas savanas para colocarmos estes grãos nos países asiáticos, com substancial economia do custo de transportes. Muitos dos produtos que são consumidos no Japão, como o suco de laranja, que eles imaginam sejam norte-americanas, são de empresas brasileiras que atuam na Flórida e na Califórnia, com produções brasileiras. O Brasil também se globalizou e a brasileira Ambev é a maior empresa de cervejas do mundo, como temos empresas que atuam na área de carne bovina ou frangos com destaque nos mercados internacionais.
Já somos os grandes fornecedores de frango para a Ásia e o Japão e logo chegaremos com as carnes de porco e bovinas, pois não existem razões sanitárias para que suas importações sejam barradas naquela região. Podemos adicionar valores sobre as rações que são exportadas do Brasil, já transformadas em carnes, e até com cortes especiais ou prontos como yakitori para o consumo final.
O Brasil é um importante produtor de açúcar de cana e produzimos o etanol que é um combustível não poluente, renovável, sem prejudicar a produção de alimentos. O mundo insiste em continuar aumentando o consumo de combustíveis fósseis, ainda que estejam aquecendo a atmosfera e aumentando os desastres naturais, como os que vêm ocorrendo na Ásia.
O Brasil não pretende ser mero fornecedor de matérias-primas minerais ou agropecuárias, mas deseja adicionar valor para a sua produção exportando produtos industriais bem como serviços sofisticados. E temos muito que aprender com os japoneses que possuem tecnologias avançadas de embalagens e apresentações atrativas de produtos alimentícios no varejo. Hoje, a nossa energia é tão cara quanto a do Japão e precisamos economizá-la, usando tecnologias como as japonesas.
Os recursos humanos já foram baratos no Brasil como em outros países emergentes da Ásia, mas hoje temos que introduzir a robótica como fazem os japoneses, para produzir de forma mais eficiente nas tarefas repetitivas, com maior precisão. Mesmo nos serviços, já precisamos cogitar de robôs para atender os nossos idosos com limitações físicas que também estão aumentando. Os brasileiros também estão trabalhando em todo o mundo, até em atividades sofisticadas, produzindo aviões que são competitivos no mundo de tecnologia de ponta.
O Brasil conta com um sistema bancário sofisticado, seguro, que procura ampliar as possibilidades de consumo e da produção, talvez com maior segurança do que se observa em muitas partes do mundo. Mas não desejamos investimentos especulativos como os que foram efetuados pelas chamadas Mrs. Watanabe, com a ajuda do sistema financeiro, operações nem sempre entendidas por autoridades estrangeiras.
O Japão já conta a redução de sua população, tornando-se mais idosa. E o Brasil já nas próximas décadas deverá enfrentar os mesmos problemas, mais cedo do que se esperava, acabando com o chamado bônus demográfico. Continuamos a receber muitos imigrantes do mundo todo e acolhemos muitos chineses anualmente como nos tempos áureos da imigração japonesa. Como também recebemos europeus e latino-americanos que enfrentam problemas de desemprego, inclusive com elevado preparo técnico.
O Brasil é um país mestiço e mesmo entre os nikkeis somente cerca de 10% dos da segunda geração domina o idioma japonês, e possivelmente menos de 1% da terceira geração. A miscigenação com outras etnias e culturas é intensa, talvez mais elevada do que em outros países que recebem imigrantes, pouco havendo de discriminações raciais, mesmo que elas não sejam nulas. Dizem que a criatividade brasileira como a expressa na nossa música popular, reconhecida em todo o mundo e consagrada no Japão, decorre desta intensa miscigenação da nossa população.
O mundo foi se globalizando desde a época da Rota das Sedas, mas com as recentes facilidades da comunicação sua velocidade aumentou. Temos que aprender a viver neste mundo e não se justifica mais uma cultura de Galápagos, restrita a um arquipélago. Muitos estrangeiros acham que os brasileiros trabalham bastante, mas também sabem viver, não precisamos ser neuróticos. Desfiles de escola de samba se realizam no Japão mostrando que somos um povo alegre e descontraído, cuja contribuição vale a pena absorver.
Parte de nossa tradição cultural herdada dos portugueses nos deixou tolerantes, com facilidade de miscigenação com outras etnias e culturas. Muitos estrangeiros transferem suas residências para o litoral brasileiro, onde podem viver descontraídos. Procuramos reduzir as violências que são exageradas nas mídias, sem que se destaquem também os nossos aspectos positivos.
Temos consciência das nossas limitações de um país com poucos séculos de história, vasto e diversificado, ainda mal conhecido pelos próprios brasileiros. Temos uma rica biodiversidade que pode ajudar o mundo, tanto na produção de remédios como muitos produtos alimentícios. Temos uma consciência que necessitamos cuidar da sustentabilidade aprendendo com o que existe de melhor na experiência internacional e os japoneses podem nos ajudar muito nestas tarefas.
Não achamos que devemos nos desenvolver a qualquer custo, com poluição que prejudica a saúde de muitos, com aumento das irregularidades climáticas decorrentes do aquecimento global. Estamos pesquisando intensamente para aumentar a nossa produtividade, não desperdiçando os recursos dos quais somos dotados. Estamos entre os países que mais contam com água potável, que tende a se tornar escassa no mundo.
Muitos dos nossos jovens estão convencidos que a educação é o meio adequado para a ascensão social e muitos se surpreendem que, depois de dura jornada de trabalho durante o dia, nossas faculdades públicas e privadas estão cheias de estudantes noturnos que vivem com o sustento dos seus trabalhos.
Sabemos que temos que fazer muito mais na educação, na saúde, na melhoria dos atendimentos sociais, na infraestrutura física e social. A nossa distribuição de renda ainda é ruim, mas estamos melhorando de forma ousada como poucas vezes se fez no mundo. Temos uma nova classe média que amplia o consumo nacional. E produtos de origem japonesa estão atendendo suas demandas como os “instant ramen”, porque também as nossas mulheres brasileiras estão trabalhando, tanto no lar como nos empregos empresariais.
Estamos procurando nos alimentar de forma mais saudável e a culinária de origem japonesa está fortemente incorporada entre os brasileiros. Shoyu, sakê, missô, tofu são mais consumidos pelos brasileiros não nikkeis do que na comunidade nipo-brasileira. Produtos orgânicos contam com demandas que crescem superando as taxas de dois dígitos anuais, muito influenciados pelos saudáveis hábitos japoneses.
Somos um país democrático, com eleições livres, onde um operário sem curso superior chegou à Presidência da República, onde uma mulher que foi guerrilheira também chefia o governo e o país. Mesmo no período autoritário do regime militar, tivemos alternâncias de presidentes com mandatos fixos. Apesar das nossas mazelas, costumamos ter maior flexibilidade.
Não estamos satisfeitos com o que temos e manifestamos publicamente nossas insatisfações, mesmo que tenhamos também alguns anarquistas e forças policiais pouco preparadas para estes novos eventos que se espalham pelo mundo. Lamentamos as violências que temos entre nós e procuramos coibi-las.
Nossas eleições são eletrônicas, e apesar de um país que conta com a vastidão de uma Amazônia, os resultados dos pleitos são obtidos no mesmo dia de sua realização, o que não se consegue sequer nos Estados Unidos.
Temos adaptados os conhecimentos estrangeiros, inclusive do Japão. As havaianas que exportamos para todo o mundo, com a ajuda de modelos brasileiras como Gisele Bundchen, são aperfeiçoamentos dos confortáveis “zooris” japoneses.
No período em que a economia brasileira crescia a taxas de dois dígitos, estávamos adaptando políticas econômicas como as que foram aplicadas no Japão na última década dos sessenta, tornando famosa a expressão Japan Inc.
Agora, com o Abeconomics, parece que o Japão volta a procurar um crescimento mais expressivo, intensificando seus relacionamentos externos. Sabemos que a região asiática é considerada o alvo preferencial dos japoneses por ser mais próxima, mas para quem, numa colaboração bilateral, foi capaz de montar um eficiente sistema logístico para chegar com o minério brasileiro, de baixo valor específico e peso específico elevado, até o outro lado do mundo, para ajudar a desenvolver a siderurgia japonesa de forma competitiva, esta distância não nos assusta.
Reconhecemos as nossas limitações e lutamos para superar as nossas ineficiências. Respeitamos as opiniões dos que nos criticam e desejamos ser ouvidos pelo mundo. Na nossa política internacional, mantemos diálogos com todos os países, mesmo com aqueles com os quais não concordamos. Temos nossas religiões, mas respeitamos as dos outros povos. Nós nos consideramos um país aberto, que ainda necessita aperfeiçoar os nossos mecanismos de atuação para redução das desigualdades em todo o mundo.
Existem mais coisas que nos ligam ao Japão do que nos separam. Nunca tivemos conflitos diretos entre os dois países, mesmo na Segunda Guerra Mundial. Mas, acreditamos que podemos melhorar substancialmente as nossas relações e contribuir para um mundo melhor. Mais do que falar, procuramos fazer, e a nossa pauta pode ser mais extensa.
Colocamos as nossas relações bilaterais entre o Brasil e o Japão no contexto do que deve acontecer entre a América Latina com a Ásia como um todo, reconhecendo que existem desafios nacionais, regionais e mundiais que são estímulos para a intensificação dos nossos trabalhos.