Uma Avaliação Mais Pausada das Reformas Chinesas
23 de novembro de 2013
Por: Paulo Yokota | Seção: Editoriais e Notícias | Tags: análises de Financial Times e do The Economist, diretrizes aprovadas para os próximos dez anos, o poder de Xi Jinping, profundidade das mudanças em andamento
Os ingleses estão entre os melhores avaliadores do que acontece em países estrangeiros complexos como a China. Mesmo com posições ideológicas claras a favor de uma menor interferência governamental, o Financial Times e o The Economist reconhecem que do exame mais acurado do sumário de 22 mil caracteres do que foi o terceiro plenun do Partido Comunista Chinês divulgado no último dia 15 de novembro pode-se concluir que Xi Jinping obteve um poder quase imperial, provando que é o verdadeiro herdeiro de Deng Xiaping, para comandar as reformas que serão executadas até o final do seu mandato. As condições com que ele conta podem esmagar possíveis resistências que venham a se levantar, na difícil tarefa de criar as condições políticas para a continuidade do desenvolvimento chinês, com profundas alterações demográficas e nas desigualdades que existiam no país.
O Valor Econômico reproduz em português o artigo de David Pilling do Financial Times publicado originalmente em inglês. Reconhece que as orientações definidas são fortes, podendo ser abreviado e definido como “The Decision”, o que seria por extenso “Decisão Sobre Importantes Questões Referentes ao Aprofundamento de Reformas”. Detalharia o mais ambicioso esforço de reformas desde que o ex-primeiro-ministro Zhu Rongji coordenou uma reforma radical do setor estatal, mais de dez anos atrás. Mostra, também, que a equipe de Xi Jinping está encarando os graves problemas com as desigualdades chinesas, movida pelos investimentos, com coragem para enfrentá-los.
Xi Jinping, além de consolidar em pouco tempo suas posições de secretário geral do Partido Comunista, presidente da Comissão Militar e presidente da China, ficou com o controle do Conselho de Segurança Nacional, combatendo a corrupção, reprimiu as críticas na internet e ficou diretamente responsável pela política externa como econômica.
The Decision aborda 16 áreas de reforma, com mais de 60 iniciativas significantes, dando uma guinada para o papel decisivo do mercado, que significa certamente uma regulamentação para as poderosas estatais e autoridades locais. Abrandando a política de filho único, não só atende aos clamores da população han, como procura minorar os problemas demográficos. Elimina os infames trabalhos forçados e concede liberdade para a migração, melhorando as condições dos agricultores pela propriedade de suas áreas rurais.
As reformas mais profundas serão econômicas e financeiras, segundo o artigo. Embora alguns setores fundamentais continuem nas mãos das estatais, passarão a ser comandadas pelo mercado, suprimindo subsídios e financiamentos privilegiados, bem como terras e eletricidade. Para desenvolver o setor social, colocará a demanda dos consumidores como o motor da economia, em vez dos investimentos.
Todas estas orientações, bem executadas, poderão mudar a face da China, sendo uma necessidade inevitável, como declarou no Brasil o diretor Chen Changsheng, do Departamento de Pesquisa Macroeconômica do Centro de Pesquisa para Desenvolvimento – DRC. Xi Jinping terá que promover todas estas mudanças enquanto a economia chinesa mantém um crescimento acima da média mundial e dos países emergentes.
The Economist faz um reconhecimento semelhante em dois artigos na edição deste fim de semana. Num que poderia ser traduzido como “Deixe algumas flores desabrocharem” (Let quite a few flowers bloom) e outro “O manifesto Xi” (The Xi manifesto). O documento decorrente do terceiro plenum é considerado mais ousado do que foi antecipado. Algo como liberar o trabalho, o conhecimento, a tecnologia, a gestão, o capital e o seu dinamismo, as riquezas espalhando e todas as pessoas apreciando o fruto do desenvolvimento de forma mais justa. A revista diz que Xi Jinping venceu a batalha até o momento, provando ser um legítimo herdeiro de Deng Xiaping, considerado o grande reformador da China.
A revista reconhece que, além das reformas econômicas anunciadas, as mudanças sociais foram impressionantes, como o relaxamento da política de filho único. Os fermentos das aspirações por mais liberdade e responsabilidade da população chinesa foram reconhecidos. A China é mais complexa do que a sociedade autoritária dos últimos 30 anos, com a penetração da internet, que transmitiu a todos as demandas por mais participações. Está se reconhecendo as organizações sociais, que poderiam resolver alguns dos seus problemas como cuidar dos seus doentes, idosos e pobres, fazendo uma ponte com o futuro e as ligando com as reformas econômicas, e as políticas que poderão vir. Mudanças serão feitas no Judiciário, criando sistemas de contrapeso.
O documento recomenda a Xi Jinping: “atreva-se a roer até mesmo ossos duros, a enfrentar corredeiras perigosas, romper os grilhões de conceitos ideológicos com resolução ainda maior” (tradução livre de “dare to gnaw through even tough bones, dare to ford dangerous rapids, break throught the fetter of ideological concepts with even greater resolution”). É poesia pura.
No outro artigo, The Economist reconhece Xi Jinping é o mais rápido para explicitar os projetos de grande alcance desde que Mao chegou ao poder em 1949, superando até Deng que assumiu em 1978. Ele vai do relaxamento da política do filho único, abolição do campo e desmantelamento dos controles das taxas de juros. Afirma que poucos líderes enfrentaram desafios como seus planos.
A revista afirma que mesmo os jornais chineses não foram capazes de desvendar a profundeza das reformas, uma mudança tão incomum. Ele liderou a elaboração de todo o plano, comandando uma equipe de 60 membros. O artigo mostra todo o espanto da revista, dando substância ao desejo do mercado exercer um papel decisivo. Provavelmente, um sistema de seguro será implantado para proteger os depositantes, acelerando a possibilidade do mercado determinar a taxa de juros. O yuan pode se tornar totalmente conversível.
A redação final do documento é mais radical do que foi antecipado, pois o mercado deve ser livre para decidir sobre qualquer coisa, com o governo não devendo fazer intervenções indevidas, quando se imaginava que era somente para recursos essenciais como a água, o óleo, o gás natural, eletricidade e transporte. O discurso de Xi Jinping é considerado como idêntico de governos centristas de qualquer país, como manter a estabilidade, proporcionando serviços públicos, garantindo a concorrência leal, salvaguardando os procedimentos do mercado quando falham.
A revista informa que não ficou muito claro o papel das estatais, mas elas deverão entregar 30% dos seus lucros para o governo em 2020, quando atualmente é de menos de 15% como dividendos. O setor privado poderá entrar no setor bancário. No setor rural, ficou mais claro, com a propriedade liberada e a habitação controlada.
Os meios de comunicação controlados pelo Estado saudaram o manifesto como passos decisivos, de forma bastante efusiva, como se fora uma liberação da informática, utilizando o termo de reforma 2.0, ou que seria o sonho chinês. A revista informa que se falou pouco da reforma política, mas mencionou as organizações sociais. No Judiciário teria ficado mais claro, com os direitos humanos assegurados contra o trabalho forçado e o relaxamento da política de filho único.
The Economist prevê, ainda assim, fortes resistências a Xi Jinping. Mas reconhece que as reformas propostas poderão fazer inveja a Deng, ainda que este tenha sido menos estridente.
Estes reconhecimentos do Financial Times e do The Economist são da maior relevância internacional, e deverão ter efeitos em todo o mundo, levando a reconsiderar a superficialidade com que se vinha considerando as intenções reformistas da China e de Xi Jinping.