Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

Contrastes da China com o Brasil no The Economist

28 de março de 2014
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia, Editoriais, Notícias, Política | Tags: o Brasil antes das dificuldades relacionadas com a Petrobras e pesquisas de opinião pública, últimas considerações de um correspondente, uma avaliação otimista da China | 4 Comentários »

Mesmo que existam posições ideológicas com as quais nem todos concordem com o The Economist, a maioria dos analistas e seus leitores admitem que suas análises são qualificadas, tanto que conta com um invejável prestígio internacional. O seu correspondente sobre assuntos econômicos na China, depois de uma estada de quatro anos naquele país, escreve um estimulante artigo mostrando que esta segunda economia do mundo, que conta ainda com uma renda per capita modesta, apresenta características e paradoxos nem sempre notados pelos que vivem no exterior, denotando um otimismo acima da média sobre o seu futuro, em que pesem os grandes ajustamentos que estão se processando na China. Como um contraste, a revista publica dois artigos sobre o Brasil, referindo-se ao projeto que estabelece a constituição da internet no país, bem como a nova classificação de risco divulgada pela Standard & Poors, antes mesmo dos problemas relacionados com a Petrobras e as divulgações das novas pesquisas de opinião que registram significativa queda com relação ao governo Dilma Rousseff. Outros paralelos podem ser efetuados para comparações mais justas em países emergentes.

Comparações são feitas da China com outros asiáticos, como o Japão e a Coreia do Sul, mostrando que a China ainda terá que superar problemas para passar a uma economia desenvolvida. Menciona-se constantemente o que alguns denominam a armadilha da renda média, ainda que seja inadequada e sugira certo determinismo que não parece existir. O que seria interessante observar é que a China conta com uma elite de dirigentes extremamente preparada, capaz de elaborar em conjunto uma estratégia invejável para a superação de seus problemas. Ainda quando não se falava deste assunto no exterior, diagnosticaram a necessidade de profundas reformas internas para passar a depender mais das indicações do mercado e do potencial da demanda do país e não tanto do mercado externo que se informa no artigo não tem a relevância atribuída internacionalmente.

bandeira-brasilBandeira-da-Chinathe economist

O artigo do The Economist aponta dez características importantes da China, e entre elas algumas que podem surpreender: em quatro dos cinco anos passados, a exportação líquida contribuiu menos para a o crescimento chinês do modelo liderado pelas exportações; a taxa de consumo das famílias de 36% do PIB em 2012 é dos mais baixos do mundo, mas o seu crescimento anual de 12,7% em termos nominais é das mais altas do mundo; a taxa de investimento da China de 48% em 2012 é das mais altas na história, mas os trabalhadores chineses contam com menos capital para ajudá-los; o crédito se expande, mas não contribui para a inflação; a taxa de poupança é de 50% e o crédito interno é de 180% do PIB; os juros pagos pelos bancos são baixos, mas não desestimulam a poupança; os trabalhadores chineses vivem em dormitórios lotados, mas muitos imóveis estão vazios; muitos investimentos são feitos em terras e edificações, sem contribuir para o aumento da produtividade industrial; entre outras características apontadas pela revista.

O autor ressalta que existem alguns enigmas como os citados, que alimentam o seu otimismo com o crescimento futuro da China. Quando se faz um paralelo com o que veio acontecendo no Brasil, nota-se que também pode haver suspeitas com relação ao crescimento que veio sendo registrado na economia brasileira, notadamente nas contas nacionais. Pode-se suspeitar que existam algumas subestimativas expressivas como as sugeridas na China.

Todos sabem que ao longo das últimas décadas, o Brasil cresceu no seu interior, notadamente no setor rural. Onde antes eram florestas ou cerrados aproveitados extensivamente, hoje estão com partes substanciais transformadas em terras de lavoura, com a expressiva multiplicação de fazendas aproveitando intensivamente estas áreas. A rigor, elas deveriam estar estimadas como ganhos de capital na contabilidade, pois, quando alienadas, os seus valores cresceram expressivamente com relação aos investimentos iniciais efetuados. Mas, como de tal forma estariam sujeitos a tributações, tanto do imposto sobre a renda federal como sobre propriedades rurais, não se costuma registrar estas valorizações imobiliárias rurais na prática. Quando, eventualmente, elas são alienadas, os registros efetuados costumam subestimar os valores para se evitar a elevada tributação.

Também as técnicas de exploração agropecuária vieram sofrendo avanços substanciais, passando de extensivas para intensivas, que permitem mais que uma safra por ano, notadamente com o uso da irrigação, para produções de sementes selecionadas, de valor mais elevado do que os produtos colocados no mercado. Estes ganhos de eficiência vieram sustentando a competitividade brasileira do setor rural e, mesmo com as reclamações com os meios de escoamento da produção, até estradas foram construídas com recursos privados, pois seus retornos eram compensadores.

Como na China, em que muitas terras rurais foram transformadas em industriais e em conjuntos habitacionais, cujos ganhos foram apropriados principalmente pelas autoridades locais, no Brasil elas proporcionaram ganhos aos proprietários rurais que não foram tributados por eles. O lobby existente para a defesa do meio rural é poderoso, tanto pela bancada que existe no Legislativo como pelas entidades de cúpula do setor, em termos nacionais e estaduais. Enquanto trabalhadores rurais e pequenos proprietários expressam suas insatisfações.

Quando se fala da fragilidade da economia brasileira, como no caso chinês, tudo indica que existem outros aspectos que são difíceis de serem entendidos por aqueles que não possuem a intimidade do que vem acontecendo localmente. São assuntos que merecem um estudo mais profundo do que o permitido neste espaço.


4 Comentários para “Contrastes da China com o Brasil no The Economist”

  1. Rubens
    1  escreveu às 13:35 em 29 de março de 2014:

    Prezado Paulo,

    A ascensão da China desperta curiosidade em todos. Na área de educação uma indagação é como conseguiram a primeira colocação no Programme for International Student Assessment (Pisa) em 2012. Pergunto se o Brasil não necessita de uma observação mais regular, sistemática e aprofundada das bem-sucedidas soluções educacionais alhures. Não que as experiências possam ser diretamente aplicáveis ao Brasil, mas sempre é possível aproveitar bastante.

  2. Paulo Yokota
    2  escreveu às 23:13 em 29 de março de 2014:

    Caro Rubens,

    Tenho a impressão que a China dá uma grande prioridade para a educação por influência dos ensinamentos de Confúcio. Quanto ao Pisa, acho que se trata de um caso isolado de uma escola na China, não se referindo a todas as escolas chinesas. Parece que esta prioridade para a educação ocorre em muitos países do Extremo Oriente, onde os ensinamentos de Confúcio frutificaram. Acho que vale a pena acompanhar os casos de sucesso da educação, em qualquer país.

    Paulo Yokota

  3. Hugo Penteado
    3  escreveu às 10:18 em 31 de março de 2014:

    Interesssante pensar que há otimismo demais com a China e pessimismo demais com o Brasil. De qualquer forma, ambos os países enfrentam desafios crescentes, principalmente porque irão precisar desenvolver suas sociedades sem sacrificar o meio ambiente, assim como o fizeram as sociedades desenvolvidas (uma exceção gloriosa ao Japão, que pode nos ensinar muito).

    Acho que rever o modelo com uma nova economia que integra outras esferas, assim como fala André Lara Resende e tantos outros antes dele, faz parte do objetivo de todos: um mundo mais igualitário, sustentável não apenas economicamente e justo em termos de oportunidades para todos.

    Hugo

  4. Paulo Yokota
    4  escreveu às 15:44 em 31 de março de 2014:

    Caro Hugo Penteado,

    Pensar teoricamente sobre o assunto não parece apresentar muitos méritos. O difícil é sempre fazer, mesmo de forma modesta, pois é quando as verdadeiras dificuldades se apresentam. Não há dúvida que uma formação mais humanística evita as exageradas especializações que não correspondem à realidade, que é muito mais complexa que podem ser imaginadas por acadêmicos.

    Paulo Yokota