Rio Doce Expõe Mazelas Mais Profundas
23 de novembro de 2015
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Economia, Editoriais e Notícias | Tags: artigo no Estadão, desmatamentos nos arredores do rio, longa recuperação., peixes exóticos e poluições
Aparentemente, no Brasil só voltamos as atenções para os problemas mais profundos já incorporados à nossa cultura quando sua dramaticidade é exposta de forma muito aguda, como a lama que tomou conta do rio Doce.
Foto de um morador à beira do rio Doce, constante do artigo publicado no Estadão
É claro que todo o drama que atingiu o rio Doce, desde Mariana até chegar ao Oceano Atlântico, cobrindo mais de mil quilômetros com um dos maiores desastres ecológicos já registrados no Brasil, choca a todos, brasileiros como estrangeiros. Mas imaginar que os rompimentos das barragens da Samarco e a falta de cuidados básicos da mineradora são as únicas causas é não retirar do triste episódio todas as lições que precisamos absorver.
Um artigo bem escrito por Herton Escobar foi publicado no Estadão, colocando também os pontos de vistas dos moradores das beiras do rio por décadas. Eles informam que desmatamentos nas suas beiras vêm ocorrendo há muito tempo, transformando em pastos até as áreas ribeirinhas ocupadas por matas ciliares, ajudando a agravar as secas. Poluições já vêm ocorrendo neste rio estratégico, pescas predatórias e as introduções de peixes exóticos que reduzem as espécies locais. Agora a lama, possivelmente com produtos contaminantes, vão exigir longos esforços para a sua indispensável recuperação, além da assistência emergencial às vítimas atingidas.
Estes crimes não ocorrem somente no rio Doce, mas na maioria dos rios brasileiros que não estão merecendo de toda a população os cuidados indispensáveis. É claro que problemas como El Niño agravam os desastres climáticos, mas quem deseja observar pode constatar facilmente que problemas como secas terríveis estão sendo agravadas por tufões e outras precipitações concentradas aumentando as inundações, prejudicando as atividades agropecuárias e sua eficiência. Problemas de abastecimento de água potável e as possibilidades de aproveitamentos hidroelétricos, de navegação, de pesca e de irrigação estão se tornando mais problemáticos. Não se pode danificar a natureza sem que seus custos acabem afetando todo o país.
Os mínimos cuidados ecológicos não estão sendo tomados. Parece evidente que as barragens não eram suficientes e tais lamas decorrentes da mineração não poderiam ser armazenadas por muitas décadas, acrescentando problemas para a população. Mas também outros cuidados como as preservações das matas ciliares são rudimentos conhecidos pela humanidade há milênios em muitas regiões do mundo. As explorações agropecuárias precisam preservá-las para a sua própria continuidade de forma sustentável.
Agora, depois do leite derramado, as autoridades brasileiras parecem interessadas nos programas de longo prazo de sua recuperação, que nunca será integral, exigindo volumosos recursos sempre escassos. Não se trata somente do governo, mas o próprio setor privado terá que cuidar dos investimentos que afetam a população, principalmente os mais pobres e desinformados.
Transformar limão em limonada é algo que sempre foi feito. Todas as dificuldades que se tornaram explícitas vão exigir a disseminação de uma nova cultura na convivência humana com a natureza, e toda a discussão que se tornou mundial, cria um clima de urgência e obrigação de se mudar de atitude, para a sustentabilidade da vida humana em harmonia com a natureza.