Tentando aproximar a Ásia da América do Sul e vice-versa

A Cozinha de Sichuan Ameaçada Pelo Seu Sucesso

20 de junho de 2016
Por: Paulo Yokota | Seção: Editoriais e Notícias, Gastronomia | Tags: análise de profundidade feita por Chris Buckley, artigo no International New York Times, famosa por ser extremamente apimentada, só suportável por aqueles que estão acostumados

imageAinda que a cozinha chinesa de Sichuan, ao sul da China, seja uma das mais ricas daquele país tradicional em culinária que varia por região e pelas estações do ano, poucos suportam o seu forte conteúdo de variadas pimentas.

Uma vista do mercado de especiarias, em Sichuan, onde se destacam as variedades de pimentas. Foto publicada no site do International New York Times

Os tradicionais chefs como Wang Kaifa, 71 anos, lideram uma campanha contra o que veem como uma degradação da tradicional cozinha da região de Sichuan, ainda que sua capital Chengdu seja um dos mais respeitáveis centros onde se encontra o melhor da culinária chinesa, com uma movimentação respeitável dos seus restaurantes e todas as atividades para fornecer os melhores ingredientes. Muitos turistas até internacionais vão para lá somente pela comida.

Sua influência se espalha pelo mundo, em centros como Nova Iorque, Londres e outros conhecidos internacionalmente. O que é mais fácil está sendo até exportado, mas nem todos os chefs atentam às nuances de muitos pratos, e o artigo cita a berinjela perfumada de peixe nas bocas de chile picante, óleo e glutamato de monossódico, entre outros. Eu até experimentei alguns destes pratos, mas confesso que não aguentei a pimenta muito forte que fica ardendo na boca por horas.

image

Mapa da Província de Sichuan na China

O chef comenta que muitos pratos ficaram somente apimentados, agredindo as papilas gustativas. Um crítico afirma que muitos ficaram superficiais e achatados, não permitindo notar as nuances existentes. Na China, onde tudo acaba dependendo do Estado, as diretrizes para a culinária sichuanense acabam ficando padrões, como se fossem dirigidos por guias como o de Michelin.

Podem-se entender estas críticas, pois os restaurantes chineses são normalmente para muitos clientes, diferentes dos japoneses que ainda preservam pequenos estabelecimentos e não se interessam pelos turistas, mas apenas por habitués conhecidos, que sabem distinguir as nuances de cada casa.

Existe um debate na China que acaba sendo influenciado até pela política, com alguns desejando preservar o que realmente a China tem de tradição secular, diferente do que eles podem considerar como fast food para a grande população. No entanto, a minha experiência pessoal permite reconhecer que existem muitos chineses conhecedores dos detalhes, preservando alguns estabelecimentos tradicionais, onde pode se experimentar o que existe de mais consagrado pelo tempo. É difícil para os estrangeiros, mas bons amigos chineses podem nos conduzir para o que existe de ótimo na China.

image

Tradicional “pock- marked grandmother’s tofu” que é muito apimentada como a maioria dos pratos

Dezenas de chefs aposentados da China formaram a Sichuan Old Chef Traditional Artistry Society para restaurar as formas consagradas pelo tempo e que eles consideram sob ataques. Seus 160 membros, a maioria com idade entre 60 e 70 anos, se reúnem semanalmente para trocar receitas e informações, promovendo torneios de jogo de mah-jong (que aprendi ainda criança, mas esqueci, pois só se joga com quatro participantes e às vezes faltava um na alfaiataria do meu pai) que também se espalhou na China e para o resto do mundo.

Jovens cozinheiros também apresentam inovações com ingredientes oriundos do exterior que assustam os tradicionais chefs chineses. Eles admitem que a cozinha em todo o mundo evolua, mas não se pode trair o patrimônio culinário existente num país. Manter a tradição não significar preservar como num museu, admitindo que nenhuma tradição sobreviva sem inovação.

Também se abriu uma escola de culinária em Chengdu, a chamada Chinese Academy Food and Information Center, com técnicas de cozimentos em muitas fases, como é tradicional na culinária daquele país. Ainda que a culinária de Sichuan seja classificada com uma das oito grandes da China, ela é considerada relativamente nova, pois muitos ingredientes foram levados de outras partes do mundo, para serem incorporados pelos seus chefs. Só tem uma história de um século.

Hoje, um chef de Sichuan usa pimenta verde ou vermelha local, cebolinha, ampla gama de soja fermentada, muitos tipos de pimentão, feijão preto de soja fermentado, casca de tangerina seca e dezenas de tipos de chiles (grandes e pequenos, vermelhos e verdes, inflamados e leves) preparados de várias maneiras: frescos, secos e em conserva.

Estes e outros condimentos podem ser combinados para criar dezenas de sabores, dentro do ditado “cada prato próprio, 100 sabores em 100 pratos”. No passado, alguns jantares chineses duravam dias e eram servidas centenas de pratos que preparavam as papilas gustativas para o grand finale.

A mania atual é da lagosta de água doce em panelas quentes de chile, o que lembra que o Brasil precisa preservar o pitu, uma espécie de lagosta de água doce, como muitas outras variedades em extinção.