Análise de Raul Velloso Sobre o Teto dos Gastos
17 de outubro de 2016
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia e Política, Editoriais e Notícias | Tags: desagradáveis ponderações realísticas, dificuldades da Previdência Social, um analista que examina o assunto há muito tempo | 2 Comentários »
Todos nós procuramos comentar sobre temas agradáveis, mas, para conseguirmos chegar a elas, precisamos enfrentar as dificuldades por que passamos. Raul Velloso cuida dos assuntos relacionados ao déficit público, com insistência, há muito tempo.
Economista Raul Velloso, especialista em contas públicas
Uma entrevista de Raul Velloso para Mariana Carneiro foi publicada pela Folha de S.Paulo informando que a chiadeira por conta o teto dos dispêndios ficais não virá da educação e da saúde, mas diante da necessidade de dispêndios governamentais serem compensados pelos setores que não possuem capacidade política para resistir aos cortes a que estarão sujeitos. O governo, frente ao aumento de despesas emergenciais, será obrigado a cortar as poucas despesas que podem ser reduzidas, como os alugueis, contratos de prestação de serviços, agricultura, reforma agrária, justiça e despesas das relações externas, segundo o entrevistado.
Os espaços para manobras do governo são mínimos, pois a maioria das despesas está vinculada, não podendo ser administradas. Alguns que teriam as despesas reduzidas contam com interesses de parlamentares e a preservação da maioria na base parlamentar será muito difícil, havendo os que preferirão estar na oposição ao governo, mesmo não tendo vinculações com as administrações anteriores. No fundo, o cobertor é curto e não poderá atender a todas as necessidades, como de costume.
Lamentavelmente, as perspectivas de crescimento da economia brasileira e do mundo no futuro próximo são mínimas, havendo uma tendência para manter o desemprego elevado, exigindo um mínimo para as assistências sociais e manutenção da ordem nos protestos populares que tendem a aumentar. É uma situação desconfortável que, apesar das notícias mais positivas difundidas pela imprensa, contam com limitações e cautelas dos potenciais parceiros estrangeiros. Sempre ocorrem os chamados “lips services”, que são manifestações agradáveis, mas que serão efetivadas somente com garantias seguras difíceis de serem proporcionadas no momento.
O que parece estar se disseminando no mundo atual, diante de um quadro econômico modesto, é a ênfase nas chamadas AI – Artificial Intelligence que procuram localizar ganhos possíveis dentro da multidão de informações disponíveis, permitindo avanços em setores envolvendo despesas, que possam ser economizadas sem a perda dos serviços prestados pelo governo ou até com o aumento da eficiência.
É evidente que a privatização de muitos serviços hoje no setor público deve ser procurada, mas com a montagem adequada das agências que efetuarão a sua fiscalização, não podendo ser dominadas pelos interesses dos setores que procuram sempre maximizar os seus ganhos, sem pensar nos interesses maiores do Brasil. Qualquer luta será árdua exigindo esforços de um governo coeso que parece ainda não existir. Também há que ser pragmático e realista, para perseguir o chamado “Second Best”, sem procurar pelo ideal. É preciso tentar o que seria possível, esperando que a opinião pública brasileira se convença de que duros sacrifícios serão indispensáveis, para criar perspectivas mais razoáveis para o futuro.
Hoje, se o governo federal gastar R$ 1,5 trilhão em um determinado ano, quanto ele poderá gastar no ano seguinte?
Resposta: o quanto ele quiser, desde que demonstre que, para qualquer nova despesa que ele criar e que for durar mais de 2 anos (a qual é tecnicamente chamada de “despesa continuada”, como aumento de salários do funcionalismo), haverá uma fonte de receita para isso.
Esse é o único freio imposto atualmente ao crescimento dos gastos do governo federal, graças à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em tese, se o governo federal quiser, no ano seguinte, elevar os gastos de R$ 1,5 trilhão para, digamos, R$ 2 trilhões — o que dá um aumento de 33% —, ele pode, desde que mostre que haverá fonte de receita.
Mas essa restrição, na prática, é perfeitamente contornável. Por exemplo, se a fonte de receita prevista acabar não se confirmando na prática — ou seja, não gerando a receita no volume esperado —, não há punição. O governo federal simplesmente incorre em déficit orçamentário, tendo de tomar dinheiro emprestado para fechar as contas — com isso gerando consequências como a elevação dos juros e a retração dos investimentos —, e pronto. A economia foi desorganizada, e nenhuma punição foi aplicada.
A única obrigação do governo, neste caso, seria manter seus gastos com pessoal dentro do limite de 50% da receita líquida.
Já a Proposta de Emenda Constitucional nº 241 (leia na íntegra) tenta mudar esse cenário. Por essa proposta, o máximo que o governo federal poderá gastar em um ano é o orçamento do ano anterior mais a respectiva inflação de preços — IPCA — daquele ano.
Por exemplo, se o IPCA foi de 5% naquele ano em que o governo federal gastou R$ 1,5 trilhão, então, no ano seguinte, o governo federal só poderá gastar R$ 1,5 trilhão mais 5%, o que dá um total de R$ 1,575 trilhão. Aumento de R$ 75 bilhões no orçamento do governo.
Logo, ao contrário do que ocorre hoje, o governo não mais poderá criar gastos baseando-se em receitas futuras incertas e com projeções infladas, como faz hoje. Um avanço.
Como era de se esperar, toda a “intelligentsia” entrou em cena gritando chavões e lugares-comuns contra a PEC 241, recorrendo a efusões emotivas e a afetações de vitimismo.
É inevitável: falou-se em restringir, ainda que minimamente, os gastos do governo, a esquerda progressista — e seus asseclas no meio artístico, intelectual, acadêmico e jornalístico — imediatamente se sente ferida em seus brios.
Ou, como já ironizava Roberto Campos, para essa gente, “a dimensão do déficit público é sagrada”.
O principal “argumento” é o de que a PEC irá congelar (os mais exaltados falam em “cortar”) os gastos da educação, da saúde e da assistência social. Pura fanfarronice.
Para começar, a PEC 241 estabelece um piso para essas duas rubricas. Até 2018, pelo menos 18% da receita líquida (receita total menos transferências para estados e municípios) do governo federal deve ser aplicada na educação. É só a partir de 2019 que tais gastos passam a ser corrigidos pela inflação de preços do ano anterior.
E considerando-se a decrescente taxa de fecundidade do Brasil, a tendência é que o gasto per capita aumente na educação ao longo do tempo.
Já para a saúde, há um aumento: no ano que vem, em 2017, o governo federal será obrigado a gastar pelo menos 15% da arrecadação líquida. Antes da PEC, estava previsto 13,7%. Será só em 2018 que tais passarão a ser corrigidos pela inflação de preços do ano anterior.
Mas eis o ponto principal: os gastos com educação, saúde e assistência social poderão continuar aumentando aceleradamente, desde que os gastos em outras áreas sejam contidos ou reduzidos, de modo que o aumento total de todos os gastos do governo federal não supere a inflação de preços do ano anterior.
No exemplo numérico fornecido, os gastos com educação, saúde e assistência social poderiam aumentar impressionantes R$ 75 bilhões de um ano para o outro, desde que nenhuma outra área administrada pelo governo vivenciasse um aumento de gastos.
Ou, mais ainda, os gastos com educação, saúde e assistências sociais poderiam aumentar, digamos, R$ 100 bilhões, desde que os gastos em todas as outras áreas encolhessem R$ 25 bilhões.
Isso será um ótimo teste para ver o quanto os progressistas realmente amam os pobres. Se quiserem que mais dinheiro seja direcionado à educação, à saúde e à assistência social, então menos dinheiro terá de ser direcionado ao cinema, ao teatro, aos sindicatos, a grupos invasores de terra e, principalmente, aos salários dos políticos (descobriremos a verdadeira consciência social dos políticos de esquerda).
Se quiserem mais dinheiro para educação, saúde e assistência social, então terão de pressionar o governo a reduzir os concursos públicos e os salários nababescos na burocracia estatal. Terão de pressionar o governo a fechar emissoras estatais de televisão. Terão de pedir para o governo parar de injetar dinheiro em blogs progressistas.
Terão de pedir por um amplo enxugamento da máquina pública. Terão de ser extremamente vigilantes em relação à corrupção, impedindo superfaturamentos em obras contratadas por empresas estatais.
Terão de exigir a redução do número de políticos. Terão de exigir a abolição de várias agências reguladoras custosas. Terão de exigir menores gastos com a Justiça do Trabalho, que é o mais esbanjador dos órgãos do Judiciário.
Acima de tudo, terão de pedir para que o estado pare de administrar correios, petróleo, eletricidade, aeroportos, portos e estradas, deixando tais áreas a cargo da livre iniciativa e da livre concorrência.
De bônus, para que tenham um pouco de diversão, terão também de pedir para que o estado pare de gastar dinheiro com anúncios publicitários na grande mídia (impressa e televisiva) e em times de futebol. E que pare de conceder subsídios a grandes empresários e pecuaristas.
Se os progressistas não se engajarem nestas atividades, então é porque seu amor aos pobres era de mentirinha, e eles sempre estiveram, desde o início, preocupados apenas em manter seus próprios benefícios.
Com a PEC 241, o dinheiro que vai para a Lei Rouanet, para a CUT, para o MST e para o alto escalão do funcionalismo público passará a concorrer com o dinheiro do Bolsa-Família, do Minha Casa Minha Vida, da Previdência Social e do SUS.
Vamos ver quão sérios são os progressistas em seu amor aos desvalidos. Veremos o real valor de sua consciência social.
Kkkk….
Caro José, obrigado pelo seu comentário. O assunto que ainda não está definido totalmente vai ser discutido em outros artigos que postaremos neste site.
Paulo Yokota