BR 163 de Cuiabá a Santarém por um Jornalista Estrangeiro
10 de julho de 2017
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia, Editoriais e Notícias | Tags: ligação fundamental do Brasil, suas dificuldades atuais, um retrato do Brasil, uma visão atual do Brasil
O jornalista Simon Romero aproveitou sua recente viagem pela BR 163, a famosa Cuiabá-Santarém com 1.800 quilômetros, para publicar artigos na revista Piauí e no site da UOL, inclusive no exterior para o New York Times, do qual foi chefe do escritório no Brasil. Raramente se encontra um trabalho de tamanha qualidade, ainda do que em inglês se chama de “bird view” (vista de um pássaro) e por ora só se dispor de um resumo interessantíssimo.
Mapa da região coberta recentemente pelo jornalista Simon Romero para o New York Times e aproveitado para a revista Piauí e o site da UOL
Simon Romero explica que ele cursou um ano de estudo de Português na Universidade de São Paulo em 1990, quando o governo Fernando Collor confiscou os recursos dos brasileiros e o país vivia um caos. Ele adorou São Paulo assistindo à saída dos brasileiros do período autoritário, quando os militares tinham se lançado na ocupação da floresta amazônica iniciando a construção da BR 163, um eixo fundamental que ligava o Sul do país até as margens do Rio Amazonas, em Santarém. Ele cita trabalhos de seus antecessores que cobriram também esta epopeia brasileira.
Depois de cobrir outros países, voltou em 2011 como chefe do escritório daquele importante jornal no Brasil, tendo acompanhado diversas fases históricas do país nos últimos anos. A revista Piauí escolheu entre outros temas a cobertura da BR 163, e ele percorreu recentemente todo o seu traçado.
Evidentemente, uma avaliação como a minha sobre seu trabalho depende também da leitura que faço em função dos meus trabalhos que estiveram fortemente ligados à BR 163 por anos, inicialmente com o Banco Central que, inclusive, cobriu parcialmente os programas especiais de alguns governos autoritários sob a responsabilidade da minha área. E como dirigindo o INCRA por um longo período que entre outras tarefas tinha a atuação de não permitir a ocupação de uma grande reserva de um milhão de hectares ao longo desta estrada, que estava reservada para os testes com armamentos atômicos não efetivados, além dos inúmeros trabalhos fundiários e de assentamentos públicos e privados na região. As leituras de coberturas independentes posteriores sempre despertam meus interesses especiais.
Foto recente da BR 163, constante do artigo publicado no site da UOL
Posso afirmar que conheço a maior parte do que está mencionado nesta ampla cobertura, ainda alguns anos antes das viagens do Simon Romero, mas que envolvem reportagens feitas por seus antecessores. É raro encontrar um trabalho de qualquer natureza que cubra um período longo de algumas décadas, que acaba dando uma perspectiva diferente das de eventos esporádicos.
É muito interessante o paralelo que o autor faz com o que os romanos fizeram na Europa de então, ligando Roma a seus domínios conquistados, cobrindo áreas equivalentes. Bem como todas as intermináveis dificuldades que se estendem até hoje para deixar esta rodovia em condições de operação regular para o escoamento da importante produção agropecuária do Brasil Central e Norte, notadamente nos períodos dase intensas chuvas. O que se pode se dizer é que os trabalhos continuam, aos trancos e barrancos, com muitos sonhos não concretizados, grandes desperdícios, mas permitindo a realização de muitos brasileiros que vieram do Sul para estas ocupações, muitas irregulares.
Dificuldade de uso da BR 163 com as chuvas, diante da grande produção como da soja e do milho
Acredito que o retrato feito pelo autor é equilibrado, com ações irregulares de madeireiros, jagunços e grileiros, mas há que se admitir que existam imensas ocupações de ares regulares que continuam permitindo que muitos brasileiros se realizem ampliando as produções pelas regiões pioneiras, desejando que se respeitassem as condições para a melhor sustentabilidade das reservas necessárias. As limitações das promessas governamentais foram superadas por muitos que chegam ao limite do heroico, superando os obstáculos naturais. Comparando com o que foi feito, por exemplo, com a ocupação dos Estados Unidos até o Pacífico, não se pode dizer que os brasileiros cometeram barbaridades equivalentes, como me afirmou pessoalmente uma antropóloga do Banco Mundial que me ajudou em diversas ações. Fez-se o que foi possível, ainda que muitas críticas justas possam ser também formuladas.
Quem conhecia esta região toda a cerca de 50 anos atrás pode ter uma pálida ideia das revoltas militares contra Juscelino Kubistchek que estavam isoladas às bases da Aeronáutica em Jacareacanga e Aragarças. Lembro-me dos voos em pequenos aviões que eu fazia entre Cuiabá e Brasília, por exemplo, cobrindo mais de mil quilômetros. Notavam-se algumas explorações isoladas e hoje se observa um tapete delas ocupando toda está região.
Plano da construção da Belém-Brasília antes do regime autoritário
O autor menciona também os artigos de seus antecessores da época da construção da Belém-Brasilia, que acabou desempenhando um papel importante na direção da ocupação dos brasileiros do Oeste chegando ao Norte. Já antes da construção de Brasília, havia um projeto de assentamento oficial no Sul de Goiás, em Ceres, que contava com ajuda de pioneiros como Bernardo Sayão, que desempenhou um papel importante na construção da rodovia. Havia um projeto privado de colonização em Açailândia, no município de Imperatriz no Maranhão, que recebeu ajuda do Conselho Mundial de Igrejas com a minha participação no Advisory Committee on Technical Services.
O autor cita suas experiências em Lucas de Rio Verde e Alta Floresta, entre outras muitas localidades. Ambas são colonizações privadas que foram autorizadas pelo INCRA sob minha administração, sendo a primeira em terras pobres por iniciativa de Enio Pepino, uma espécie de cerrado, hoje transformadas em tapetes de soja e milho. Alta Floresta, nas ricas terras do Norte de Mato Grosso, por iniciativa de pioneiros como Ariosto da Riva. Na fase pioneira, só era possível atingir-se estas cidades que estavam se formando em pequenos aviões e que hoje são importantes com suas estruturas específicas.
Alta Floresta, exemplo de colonização privada de sucesso
Ao lado destes projetos privados que foram bem-sucedidos, também foram concretizados muitos bons assentamentos oficiais utilizando-se terras que antes eram devolutas. Lembro-me que nas cerimônias das entregas de títulos autênticos de terras hasteava-se no Mato Grosso a bandeira do Rio Grande do Sul, de onde provinham muitos colonos. Depois da cerimônia, havia um fandango onde eu dançava com senhoras destes imigrantes como autoridade fundiária. Sempre houve os que fracassaram, mas a maioria hoje é de pequenos e médios produtores agrícolas que sustentam este país. Alguns deles deram depoimentos para Simon Romero.
Não há dúvidas que os militares se preocupavam com a integração nacional, assim como outros estrategistas civis. No entanto, projetos como a Transamazônica tinha o sonho de permitir acesso às terras de flagelados nordestinos com as secas, sem nenhum planejamento mais detalhado de todas as suas consequências. Esgotadas as explorações hidroelétricas nas regiões mais ocupadas, caminhou-se para o aproveitamento da Amazônia que exigia imensas inundações diante de sua topografia, além de transmissões por longas distâncias, sem o adequado respeito aos aspectos ecológicos e direito dos indígenas, que necessitam ser corrigidos com elevados custos.
Tanto os políticos como os burocratas do governo que vivem nos gabinetes de ar-condicionado de Brasília tendem a minimizar as dificuldades das execuções dos projetos. Ainda que reportagens como estas elaboradas por Simon Romero ajudem na conscientização dos problemas, seria desejável que os responsáveis pelos diversos programas visitassem as diversas regiões, passando algum tempo para notar in loco as dificuldades existentes. Não parece prático mandarem executar o que é de extrema dificuldade para os braços do governo em todas as regiões pioneiras, com suas imensas limitações.
Há que se corrigir erros e caminhar no sentido de adicional valores para as produções primárias, evoluindo para agroindústrias e todos os serviços que permitam aumentar as receitas de divisas com as exportações, contribuindo também para a redução das pressões inflacionárias no Brasil. Este imenso Brasil e todos os seus recursos naturais precisam ser mais bem aproveitados para proporcionarem condições de vida melhores para os brasileiros, começando com a ampliação dos empregos indispensáveis. O Brasil dispõe de uma ampla biodiversidade que pode ser utilizada para a melhoria da saúde, em diversas frentes. Há que se trabalhar muito, objetivamente, para o aumento da eficiência da economia ajudando a recuperar o seu desenvolvimento.
Recomendo, fortemente, que todos os leitores procurem ler a íntegra do artigo de Simon Romero, que acaba sendo uma grande aula sobre o Brasil para todos nós.