Algumas Reflexões Sobre a Recuperação do Brasil
30 de agosto de 2017
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia e Política, Editoriais e Notícias | Tags: alguns fatos que determinaram os resultados atuais, o que pode ser examinado para a sua recuperação, os diagnósticos existentes sobre a atual economia brasileira
O que existe de elementar na literatura sobre o desenvolvimento econômico, político e social para um país emergente como o Brasil que adota um sistema de mercado na sua economia, além das experiências de planejamento pragmático das grandes diretrizes para a sua recuperação, permite esboçar de forma simples algumas ideias ainda preliminares para estimular as reflexões e aprofundamento de suas discussões.
Um artigo publicado na Folha de S.Paulo, elaborado por Érica Fraga e Álvaro Fagundes, que vale a pena ser lido na íntegra, está sendo utilizado como base de algumas ideias gerais, aproveitando-se alguns dos seus gráficos mais expressivos.
Evoluções das rendas per capita pelo poder de compra dos brasileiros e dos chineses, constante do artigo na Folha de S.Paulo
A comparação mais dramática é que o Brasil dispunha em 1980 de uma renda per capita cerca de 15 vezes maior que a da China, que nos superou em 2016 sendo possível projetar algo em torno de 30% superior para os chineses em 2022. Sempre convém usar uma referência para avaliação do Brasil como qualquer outro país e, no caso, foi escolhida a China, que vem registrando um crescimento significativo, mesmo sendo um país emergente.
O PIB brasileiro era de 1,4% do mundial em 1980 e em 2016 ficou com 2,4%, enquanto o da China era de 2,7% e passou de forma impressionante a 14,9% em 2016, com um crescimento poucas vezes visto na economia mundial. Compara-se o Brasil com a China, que melhor resultado apresentou como economia emergente nas últimas décadas, ainda que o governo continue sendo autoritário, com tendências recentes para uma centralização maior nas mãos de Xi Jinping e do Partido Comunista.
A fatia destas economias na mundial dá uma boa ideia das performances do Brasil e da China em relação ao resto do mundo
O poder aquisitivo dos brasileiros está ligeiramente declinante no período abaixo quando comparado com o dos Estados Unidos, que em 1980 era de 38,3% passando a 26,5% em 2016, enquanto o dos chineses passaram de 2,5% para 26,8% nos mesmos anos. Este é um fenômeno no Brasil que alguns economistas atribuem à chamada armadilha da renda média que, sem reformas substanciais na economia, não poderia ser superada a partir de um determinado nível de renda. Deve-se observar que a economia chinesa veio crescendo dependendo fortemente de suas exportações e agora processa uma substancial reforma para utilizar mais o seu mercado interno, que ganhou uma grande importância nas últimas décadas. O Brasil foi beneficiado pelas exportações de produtos primários como minérios e produtos agropecuários, cujos preços estavam favoráveis, em grande parte, com a demanda chinesa no mercado mundial.
Há que se considerar que Cingapura é um país cidade, com características bastante distintas das demais economias
A importância do comércio exterior para o Brasil era de 32,4% do PIB em 1980 e passou para 40% e 2016, enquanto a da China passou de 12,4% para 39,8% nos mesmos anos, com algumas fortes flutuações no final do período em alguns países.
Todos estes países dependeram fortemente do comércio exterior para o seu crescimento
Grandes parcelas das dificuldades brasileiras atuais decorrem do baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento, que no ano de 2000 era de 1,1% do PIB e se manteve praticamente igual com 1,09% em 2014. A China, nos mesmos anos, registrava 0,9% e passou para 2,02%, dobrando este esforço, que se agigantou nos anos posteriores ao coberto pelo gráfico.
O Brasil praticamente manteve o mesmo nível de investimentos em pesquisas neste período, quando a China se destacou no mundo
As técnicas de planejamentos aplicadas atualmente, com mais ou menos detalhes na maioria dos países do mundo, indica que feito o diagnóstico das dificuldades, as limitações dos recursos humanos e naturais disponíveis, procura-se estabelecer os objetivos a serem perseguidos, que em termos gerais costuma-se resumir em:
a) Maior taxa de desenvolvimento per capita possível;
b) Menores desequilíbrios possíveis, expressos internamente principalmente pela inflação e pelo déficit fiscal e externamente pelos saldos das contas externas;
c) Superar os principais constrangimentos de cada economia;
d) Implementar os demais objetivos específicos, como o aperfeiçoamento do sistema político e atendimentos das necessidades sociais, como de saúde, educação e pesquisa.
Para se atingir os objetivos estabelecidos são escolhidos os instrumentos a serem utilizados pelo governo como as políticas fiscal, monetária, cambial e salarial, entre os mais usuais. Também se escolheria a estratégia que seria utilizada frequentemente, como o aumento da poupança nos primeiros anos e ampliação dos consumos nos últimos do período considerado.
No caso brasileiro, o diagnóstico parece razoavelmente consensual na sociedade, com elevada parte do PIB sendo gasta no custeio público, reduzindo a capacidade de investimento do setor público que estimularia o desenvolvimento. A carga tributária é elevada comparada em termos mundiais, transferindo recursos do setor privado mais eficiente para o público, de baixa eficácia. Os recursos naturais bem como os humanos estão sendo utilizados com baixa produtividade, tanto pela carência de pesquisas como de educação, sempre comparando com outras economias. Os amplos espaços brasileiros estão mal interligados com uma infraestrutura deficiente. Muitos recursos públicos foram mal utilizados com a corrupção que envolveu o setor privado, com alocações duvidosas para atendimento das demandas políticas e não necessariamente os interesses nacionais.
O governo e a população clamam por reforma política, mas não está se chegando a um mecanismo com o qual os anseios populares possam ser atendidos e os representantes sejam adequadamente fiscalizados pelos eleitores quanto aos seus desempenhos no cumprimento das tarefas para os quais foram eleitos. Os políticos estão atendendo somente aos seus interesses e de uns poucos que os cercam, tanto empregados no setor público como de setores privados que absorvem expressivos recursos públicos.
Os gastos públicos mal aplicados estão superando em muito os recursos arrecadados, com perspectivas de déficits crescentes. Os juros cobrados estão acima do praticado no mundo e o câmbio relativamente valorizado não ajuda na competitividade brasileira, desestimulando a exportação que depende dos preços alcançados pelos produtos brasileiros, enquanto se processa a importação que deveria estar concentrada nos equipamentos e tecnologias indispensáveis. Ainda que o setor primário da economia, de produção de minerais e produtos agropecuários, venha sustentando a economia brasileira, está se sucateando os setores que deveriam ser os mais dinâmicos, como as indústrias, a infraestrutura e alguns serviços, principalmente do setor público.
Apesar do agigantamento do setor público, não se conseguiu sua modernização, premiando os funcionários públicos mais competentes, que tenham capacidade de elevar a eficiência de suas atividades. Os serviços públicos estão precários, começando com a segurança, saúde e educação. As pesquisas não estão sendo mantidas ao nível das necessidades nacionais.
Há que se considerar que o Brasil é uma Federação, com estados e municípios. Mas o que acontece em nível federal se repete de forma semelhante nos demais, com as mesmas limitações. Também as divisões do poder entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, juntamente com outros setores também com relativa independência, repete os vícios do país como um todo.
O setor privado da economia brasileira acabou ficando a reboque do público, dependendo fortemente de suas orientações. Os vícios políticos acabaram contaminando as empresas públicas e privadas, determinando uma eficiência duvidosa, com as entidades máximas da cúpula do setor privado vivendo à custa de recursos parafiscais.
O número de estatais no Brasil é relativamente elevado e mesmo que alguns serviços públicos estejam sendo privatizados as agências responsáveis pelas suas fiscalizações ainda não contam com a eficiência desejada, muitas sendo influenciadas pelas empresas que deveriam estar atuando sob sua orientação. Muitos setores privados estão cartelizados, não contando com a ativa concorrência que determine a sua eficiência.
As instituições de pesquisas econômicas, políticas e sociais não estão oferecendo alternativas devidamente detalhadas para resolver os principais problemas do país e muitas decisões estão sendo tomadas sem base nos estudos mais detalhados. Parece predominar certa improvisação com muitas decisões tomadas na base de fatores emocionais.
É evidente que as ideias gerais necessitam ser detalhadas nos planos setoriais, sendo indispensável que os esforços sejam devidamente coordenados para não se chocarem de forma desnecessária, provocando maiores ineficiências. São tarefas que deveriam ficar em nível técnico, com o mínimo de interferência política, que deve ficar restrita às decisões.
Como em tudo, a execução ou a gestão se torna importante, pois o papel aceita tudo, mas a realidade apresenta novos obstáculos que não foram antecipados no mundo globalizado em que estamos inseridos. O treinamento de funcionários para tanto se torna estratégico, como se observa em muitos países. Ainda que só seja executado o que é possível, sempre é mais fácil de constatar os avanços se houver um mínimo de plano, que vá sendo ajustado ao longo do tempo.
O que parece claro é que o Brasil está conseguindo menos do que seria possível com os recursos humanos e recursos naturais que dispõe. Não parece conveniente que se confunda as disponibilidades com os recursos orçamentários, pois o patrimônio nacional do que já foi acumulado bem como as reservas minerais e os recursos fundiários também não podem ser utilizados ao bel prazer dos que se encontram temporariamente no comando do país.
Parece evidente que existem espaços para avanços pragmáticos com benefícios para toda a população brasileira, em que pesem as limitações sempre presentes.