Reconstrução do Brasil
25 de setembro de 2017
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais e Notícias, Política | Tags: aumento das discussões sobre assuntos relevantes para o Brasil, conveniência de aumento de colocações até didáticas que permitam a compreensão dos problemas que estão em pauta inclusive suas causas, o livro de José Fucs com artigos e editoriais do Estadão nos dois últimos anos
Observando o que vem sendo discutido recentemente no Brasil, nota-se que diferentes colocações estão aumentando em número o que já parece saudável, porque deles podem decorrer algumas luzes sobre as causas dos problemas brasileiros e as mudanças indispensáveis para as suas correções. É claro que a inconformidade com a situação em que se encontra o país é o pano de fundo, mas algumas das discussões ainda aparentam estar no plano emocional, polarizando exageradamente as posições como vem acontecendo em muitas partes do mundo, simplificando o que é muito mais complexo. O que indicaria que os problemas não são somente brasileiros, mas do mundo em que estamos inseridos atualmente, ainda que por aqui eles possam ser mais agudos em muitos aspectos. (Foto do repórter especial José Fucs publicado no Estadão)
Para que a discussão seja mais produtiva, parece que há que se fornecer um mínimo de mecanismos de análise, de forma didática, pois sem a consolidação de algumas ideias mais profundas na população parece que somente a discussão da elite se torne quase acadêmica não fornecendo suporte popular para as decisões que porventura sejam tomadas para a sua correção e tenham a sustentação de um amplo segmento da população.
Capa do livro A Reconstrução do Brasil, de autoria de José Fucs, editado pelo O Estado de São Paulo. Ele dedicou-me com o seu autógrafo uma observação simpática
José Fucs publicou um interessante livro reunindo diversos seus artigos bem como editoriais publicados pelo Estadão tratando de assuntos que ele considera relevantes para a discussão que está se travando, o que é um bom exemplo e base interessante para estimular estes debates mais profundos. Também se socorreu de dezenas de entrevistas com analistas experientes que têm manifestado seus pontos de vista sobre os principais assuntos em pauta para estabelecer a sua prioridade. Sua leitura é fundamental. A colocação básica do autor é que existem dois Brasis, um do setor público que ganhou uma força descomunal recentemente e que tem foco em Brasília onde estão muitos privilegiados que se encontram agora na berlinda diante das muitas acusações de corrupção nas distribuições de benesses do poder. De outro, o Brasil seria dos que arcam com pesados impostos, trabalham duro para sustentar suas famílias e que não estão recebendo os serviços que deveriam ser-lhes destinados como segurança, educação, saúde e assistência social nem os benefícios outros que merecem, com riscos de não contar com as aposentadorias para as quais contribuíram.
O que se poderia discutir paralelamente é o que teria ajudado a provocar este problema no Brasil de forma tão aguda, enquanto em outros países existem tendências que estas diferenças não sejam tão nítidas entre os que atuam no setor público e privado. É evidente que existem situações ideológicas, históricas e culturais diferenciadas, mas parece que a aspiração pela melhoria do nível de bem-estar da população e sua razoável distribuição seja uma aspiração quase universal, notadamente no mundo globalizado em que as informações sobre bons resultados são disseminadas muito rapidamente. Mas parece que prevalece no Brasil a ideia que a concentração da riqueza cria melhores condições para aumento do investimento, quando o aumento da demanda parece comandar o processo de forma mais importante.
Na quase totalidade dos países existe eleições razoáveis ou seus simulacros de forma que os eleitores contam, bem ou mal, com seus representantes que os governam constituindo as cúpulas do Executivo e do Legislativo. No Judiciário, com sistemas de escolhas, deveriam considerar os currículos dos indicados para membros de seus organismos mais elevados. Lamentavelmente, no Brasil tudo isto vem funcionando com muitas deficiências, onde os representantes e representados não estão relacionados de forma adequada, não havendo possibilidade de um controle desejável dos eleitos para determinados programas que anunciaram durante a campanha eleitoral.
O Brasil adotou o sistema presidencialista para a organização da cúpula do Executivo, sendo que os seus auxiliares burocratas, normalmente, seriam selecionados por concursos iniciais para suas carreiras e outras formas de avaliações dos seus méritos. Na China, ainda no século VII, criou-se o mecanismo da seleção dos mandarins pelos seus méritos. No Japão, na Era Meiji, organizou-se as universidades imperiais para preparar a elite para o governo e o setor privado; na França, formou-se a Escola Nacional de Administração, depois da Segunda Guerra Mundial; e a Escola Fazendária na Alemanha na mesma época, somente para citar os casos mais conhecidos. Há que se pensar na formação dos políticos e burocratas da cúpula, que conheçam de forma sistemática os principais problemas de um país independentemente de suas preferências ideológicas, sendo difícil que eles sejam somente selecionados dentro da população pelo sistema eleitoral que não é destinado para esta finalidade.
Parece que no Brasil exagera-se com a ocupação dos cargos da burocracia pública com as livres nomeações, sem que sejam funcionários de carreira, o que poderia ser restrito drasticamente. E onde se exige somente o concurso para o ingresso nas carreiras consolidadas, não havendo um sistema contínuo de avaliação dos seus méritos ao longo de sua vida profissional. Nas posições mais elevadas acabam dominando os que possuem fortes ligações políticas.
Tudo indica que alguns tradicionais sistemas de preparo da elite vem permitindo em muitos países que os que atuam no setor público estejam razoavelmente preparados e sabendo de fato as aspirações da população e as limitações existentes para o seu atendimento, evitando-se um agigantamento exagerado do setor público, sem ser capaz de prestar os serviços indispensáveis para o povo como acontece no Brasil. Principalmente quando se considera o nível de renda per capita dos brasileiros e que não teve a tradição de ser um país socialista, salvo em períodos curtíssimos.
Está em discussão a reforma política que mudaria os mecanismos pelos quais os eleitores poderiam controlar os eleitos, com o aperfeiçoamento do sistema eleitoral. Lamentavelmente, até agora as indicações são que os parlamentares pensam somente na manutenção dos seus privilégios facilitando suas reeleições futuras, pouco se pensando nos interesses da população e seu poder de controle efetivo dos eleitos. Discute-se no Congresso se o sistema eleitoral seria proporcional, distrital ou misto sem que nem os parlamentares saibam exatamente suas diferenças profundamente e as dificuldades como da determinação dos chamados distritos, o que já está sendo adiado. Na população, pouquíssimos estão informados sobre estas questões, como as das exigências para os partidos se manterem como as votações mínimas e eleições dos seus membros. Sobre o regime presidencial ou parlamentarista, até o atual presidente acaba admitindo que exista um presidencialismo-parlamentarista de fato, ainda que não esteja prevista na Constituição.
Assim, os custeios do setor público tendem a continuar crescendo, não havendo formas de elevação das tributações para a manutenção dos serviços básicos indispensáveis para o país, que vão da Segurança, Educação, Saúde, Previdência e outros benefícios sociais para os que apresentam alguns problemas mais graves. Também não se cuida da sustentabilidade para a melhoria em longo prazo do país, como as pesquisas que poderiam elevar a eficiência e a produtividade, bem como preservação do meio ambiente.
Poucos sabem como ocorre a surda resistência para aperfeiçoamento da máquina burocrática que é uma difícil especialidade da administração pública. Na legislação brasileira há uma disposição que metade das promoções nas carreiras ocorra por tempo de serviço e metade pelos méritos, mas são poucos os que possuem noções de como se incorpora o mérito nos sistemas, que apresenta dificuldades de toda ordem. Parece haver um razoável consenso que a gestão é de grande importância para muitos projetos e programas, mas não se cuida de preparar os que serão responsáveis por ela, acabando por provocar elevados prejuízos com suas interrupções constantes.
O Brasil é um país federativo que apresenta algumas restrições para os sistemas tributários, mas, mesmo quando os tributos com base no valor adicionado foram introduzidos, não se atentou para esta realidade, sendo adotados artifícios para a continuidade do seu funcionamento. Mas poucos são, até entre os especialistas, que conhecem estes problemas em profundidade no país. Uma parte das receitas que deveriam ser das municipalidades não é implantada em muitas localidades, pois atingem diretamente os que são os eleitores que escolhem estas autoridades locais. As tributações sobre os ganhos de capital são insignificantes agravando os problemas da distribuição. Muitos Estados e Municípios vivem das suas cotas sobre os tributos arrecadados pela União ou pelas Unidades Federativas. Sempre é conveniente que estes assuntos sejam comparados com o que já existem no exterior.
Muitos estudos estão elaborados sobre a Previdência Social e os astronômicos déficits que continuam crescendo. Procuram assustar os modestos contribuintes para estes sistemas, sem que se ataque os privilegiados da administração pública e das estatais que continuam recebendo remunerações acima dos tetos estabelecidos e cujas aposentadorias pesam fortemente sobre os déficits da Previdência, que não são enfocados com seriedade, havendo até duplicidades. O poder político destes privilegiados acaba provocando suplementações do Tesouro que são sustentadas por toda a população.
O combate à corrupção está em pauta, mas ela não ocorre somente com os recursos que estão nos orçamentos. Parece que a dilapidação do patrimônio público como as terras públicas e as reservas minerais não fazem parte da apropriação indébita do que é do país, bem como em privatizações malfeitas de estatais brasileiras.
Sem que alguns destes e outros assuntos graves sejam debatidos com profundidade, parece que a tendência de desequilíbrio continuar crescendo parece inevitável. A pauta destes assuntos poderia ser elaborada com a contribuição de jornalistas e acadêmicos. Infelizmente, não parece haver formulas milagrosas e somente a racionalidade e a perseverança das medidas ao longo do tempo podem restabelecer as condições para a retomada do desenvolvimento de forma sustentável.