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Artigo Sobre Machado de Assis no The New Yorker

10 de julho de 2018
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais e Notícias | Tags: considerado importante do ponto de vista literário, diferente dos autores da época, um escritor brasileiro pouco conhecido no exterior

clip_image002É raro que revistas importantes como o The New Yorker se refiram a autores brasileiros, mesmo os mais destacados, que por terem escrito em português não favoreceram o conhecimento profundo por parte de estudiosos estrangeiros. Benjamin Moser escreveu um longo artigo sobre Machado de Assis, nascido em 1839, publicado naquela revista, que estudiosos consagrados da literatura brasileira, como Antonio Candido, recentemente falecido, destacava pela elevada qualidade literária do seu trabalho nas suas aulas, conforme depoimento de uma de suas alunas. O autor do artigo estranha que um autor consagrado no Brasil não tenha o mesmo reconhecimento como outros de outros países.

Mesmo no Brasil, o que se discute é muito sobre a leve ascendência africana de Machado de Assis, um personagem que não procurava as manchetes dos jornais e escrevia para uma elite brasileira de sua época, levando uma pacata vida de um burocrata destacado do Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do país, como acontecia frequentemente com muitos intelectuais. O autor do artigo esclarece que mãe de Machado era de origem portuguesa como seu pai, sem grandes destaques na sociedade. Na época, quem tinha os cabelos levemente encaracolados já era considerado como mulato, ainda que esta qualificação fosse muito ligeira. Seus críticos da época, com o preconceito reinante, consideravam-no como pertencente a uma sub-raça. Apesar destas dificuldades, parece preciso lembrar que muitos mulatos brasileiros se destacaram no país naquela época, o que continua difícil até hoje.

O tempo disponível de Machado era dedicado à leitura, quando ainda não era viável se editar livros no Brasil e eram importados da Europa, onde também ele estudou, como muitas destacadas personalidades daquela época. Diferia de outros autores brasileiros como o poeta Gonçalves Dias ou José de Alencar que usavam temas indígenas ainda que pouco tivesse relação com a realidade, num período de transição do velho romantismo.

Em inglês, “The Collected Stories”, com quase mil páginas, segundo o autor do artigo, capta a maior variedade dos escritos de Machado de Assis entre 1870 a 1906. Moser adiciona que os primeiros escritos de Machado têm todos os aparatos da ficção do século XIX: olhares significativos das carruagens, donzelas de coração gelado, heranças fatídicas. Mesmo no Brasil, Machado de Assis foi plenamente reconhecido tardiamente, ainda que fundador da Academia Brasileira de Letras.

clip_image003Depois do seu retorno da Europa, com “O alienista” há uma grande mudança, mantendo sua orientação original imperturbável, mas descobrindo que um conjunto tão bom de qualidades morais e mentais de uma personalidade, que considera altamente perigoso deixar o homem normal livre na sociedade, havendo necessidade de trancá-lo na Casa Verde que ele criou para tratamento dos loucos. Machado, segundo o autor do artigo, se delicia em mostrar a tênue sanidade de pessoas respeitáveis, tudo com uma acentuada elegância literária, muitas vezes de forma indireta.

Este livro de Machado de Assis representaria uma mudança de enfoque dos trabalhos deste consagrado autor brasileiro

As críticas de Machado são indiretas, implícitas e encantadoras, segundo Moser. Que termina o seu artigo afirmando que Machado mostrou que a comédia humana é a mesmo em toda parte e a verdade universal é que nos conflitos entre os homens e a sociedade, a última acaba vencendo geralmente. E a vitória não pode ser sufocante quanto parece, salvaguardando a liberdade interior que ele sempre considerou relevante, inclusive na sua vida pessoal e nos seus inúmeros trabalhos. Os que se conformam com a situação, como o alienista, talvez seja o mais louco de todos.

É preciso concordar que o autor do artigo conseguiu uma visão que nem sempre é conhecida mesmo de muitos brasileiros. Seria de grande conveniência que este artigo no The New Yorker fosse lido na íntegra por todos que se interessam pela literatura brasileira, tão pouco prestigiada.