Cautelas Indispensáveis dos Assessores Acadêmicos
28 de setembro de 2018
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia e Política, Editoriais e Notícias | Tags: aprendizado para sobrevivência dentro das duras limitações da realidade, pretensões exageradas de que conhecem a realidade brasileira mais que os políticos, sabedoria acumulada pelos políticos e seus representados
Com o desprestígio atual da classe política, aparecem muitos acadêmicos com boas formações, até no exterior, que imaginam poder contribuir com suas visões para resolver muitos problemas complexos da realidade brasileira. No entanto, sem que estas ideias tenham a adequada germinação com a compreensão dos dirigentes políticos e seus representados, as possibilidades de que possam ser implementadas no Brasil acabam sendo limitadas.
O duro agreste nordestino, onde para se sobreviver há que se utilizar as experiências acumuladas ao longo do tempo
Quem realmente conhece o Brasil em todos os seus detalhes constata que o bode é um dos animais que resistem às mais duras realidades das longas secas de partes do Nordeste brasileiro. A palma nordestina (opuntia cochenlifera) acaba sendo o último alimento para o gado e para os seres humanos quando nada mais resta de verde em algumas partes do Nordeste, como o Agreste e o Sertão. Certamente, do ponto de vista acadêmico, pode parecer uma forma primitiva de sobrevivência, mas é o que veio permitindo que muitos continuassem vivendo ao longo de séculos, ainda que de forma muito precária.
Palma nordestina (opuntia cochenlifera), o alimento para o gado e seres humanos nas secas mais drásticas
Também não se pode supor que avanços tecnológicos não sejam possíveis nestas regiões, o que poderia ser um grave engano. Na realidade, em muitas áreas do mundo, uma precipitação pluviométrica de 300 mm por ano é suficiente para uma boa exploração, como das videiras que proporcionam os melhores vinhos conhecidos na França. O exagero de irrigações intensivas como ao longo do rio São Francisco, com mais de 1 mil mm de água por ano, acabam facilitando a salinização do solo, pois os sais que existem no subsolo acabam se tornando placas de difícil eliminação na superfície do terreno. Normalmente, o que existe é a necessidade de sequência de açudes que permita que a água das chuvas não escoe rapidamente possibilitando a sua aproveitamento por um período mais longo.
É evidente que existem alguns políticos mal informados que vivem da “indústria da seca”, mas não é a regra. De forma semelhante, em todo o Brasil, os pequenos agricultores acumularam conhecimentos que os permitem sobreviver mesmo na adversidade. Na minha andança pela Amazônia, estranhava que nordestinos, como do Ceará, de irregularidade climática como a seca, se ajustaram às condições de elevadas precipitações, coletando pelos caminhos dos seringais a matéria-prima para a produção da borracha natural.
O que não se pode forçar é que estes que sobreviveram com o extrativismo virem rapidamente agricultores, necessitando de estágios longos para tanto, preservando parte da floresta, e também consigam produções de alto valor como o guaraná, a seringueira plantada e outros produtos amazônicos, ao lado da pecuária limitada que suporta transportes de longa distância e produtos de sua alimentação, como as lavouras intercalares. Há necessidade de tempo para novas adaptações, como as que ocorreram no passado.
Tudo isto para sugerir que o que nem sempre é do conhecimento dos bons acadêmicos, que precisam receber subsídios de experientes brasileiros que vieram sobrevivendo com todas as suas adversidades ao longo do tempo. Na realidade, parece que diretrizes gerais sejam suficientes para os planos, para que todos os detalhes dos muitos deles sofram o crivo da dura realidade e da gestão possível, para se não constituir num consenso imposto e seja no mínimo compreensível para parte da população mais modesta e seus representantes, que são os políticos brasileiros.
Os discursos da campanha eleitoral acabam sendo exagerados para ser diferenciado dos concorrentes, mas todos sabem que eles acabarão sendo ajustados às limitações existentes na realidade. Ainda que muitos fiquem assustados com as polarizações que aparentam estar dominando o cenário brasileiro, como o Brasil é amplo com muitos estados e municípios diferentes, tudo indica que existem possibilidades para se chegar a algo razoável, ainda que não seja o ótimo desejável para a maioria. O que está acontecendo nos Estados Unidos vem demonstrando que é muito difícil chegar-se à ruptura, ainda que pudesse ser mais razoável para todos. A democracia permite acomodações, mesmo difíceis de serem imaginadas.