Temas Relevantes Pouco Discutidos Pelos Candidatos
25 de setembro de 2018
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia e Política, Editoriais e Notícias | Tags: as dificuldades das gestões na administração pública federal, limitações da legislação eleitoral desestimulam as discussões de assuntos relevantes, um artigo do ex-ministro Mailson da Nóbrega
Conheço Mailson da Nóbrega (foto) desde quando era um funcionário do Banco do Brasil e assessorava um dos seus diretores, quando eu era diretor do Banco Central do Brasil e membro do Conselho Monetário Nacional. Ele era nascido e criado no nordeste brasileiro e utilizou muito bem um dos mecanismos importantes de ascensão social disponíveis naquela região, sendo que os demais eram as carreiras militares ou religiosas. Ele conhecia os detalhes dos problemas que afetavam a concessão de crédito de um banco oficial, numa parte do Brasil que conta com muitas adversidades, principalmente políticas. Nas diversas funções importantes que exerceu, acumulou um respeitável conhecimento das dificuldades da administração pública federal que resumiu num artigo publicado num jornal brasileiro recentemente. Com uma brilhante carreira, chegou a ministro da Fazenda, acabando por dar uma relevante contribuição para o desenvolvimento do Brasil.
Costuma-se afirmar que o papel aceita tudo, como os discursos feitos nas rádios e televisões pelos muitos candidatos atuais que colocam até algumas ideias brilhantes, mas fazer com que estas se tornem realidades vai uma distância muito grande. As gestões para tanto são de fundamental importância, mas as limitações começam nos interesses político-partidários das ações governamentais, além dos recursos disponíveis, principalmente de humanos com qualificações indispensáveis, que são gigantescas e não podem ser subestimadas.
Todos diagnosticam que parte importante dos problemas brasileiros decorre dos exagerados custeios da administração pública, decorrentes de tantos funcionários nomeados pelos políticos, em todos os níveis, que vão do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, além dos múltiplos penduricalhos como as estatais, agências, fundações e outras entidades semelhantes. São tantos que acabam gerando conflitos entre si, além dos que não exercem nenhuma tarefa, mas recebem polpudos vencimentos. Atualmente, as ações dos tribunais de contas se concentram na identificação das grandes irregularidades, que viram manchetes na imprensa, quando eles próprios não são adequadamente fiscalizados, principalmente nos benefícios concedidos a seus funcionários, até com a desculpa de que são poderes independentes. Os candidatos pouco falam do assunto, temendo represálias destes funcionários que contam com estabilidade e muitos são seus cabos eleitorais, por terem efetuados concursos pouco eficientes no ingresso nas suas carreiras, mas não continuam apresentando trabalhos correspondentes aos seus custos.
Tive a oportunidade de introduzir alguns mecanismos que tentassem melhorar parte da administração pública. No Banco Central, tentei efetuar a sua unificação real, pois a entidade era a junção de muitos organismos como a antiga SUMOC – Superintendência da Moeda e Crédito, parte do Ministério da Fazenda. Para formar o Banco Central tinha se permitido a transferência de funcionários do Banco do Brasil e outras instituições bancárias federais, que naturalmente tinham grupos de interesses comuns. A legislação federal estabelecia que as ascensões dos funcionários em suas carreiras devessem decorrer metade pelo tempo de serviço e metade pelos méritos, que apresentavam dificuldades para definição dos critérios de sua avaliação.
Com a ajuda de uma equipe do Instituto de Administração da Universidade de São Paulo, que era eficiente na época, estruturamos as carreiras dos funcionários do Banco Central, estabelecendo dois estágios. No primeiro, além do tempo de serviço, considerava-se precariamente os méritos dos trabalhos efetuados por estes funcionários. Para passar para o segundo estágio, havia necessidade de passar por uma nova prova, que representava as qualificações que foram adquiridas no exercício efetivo dos trabalhos na instituição. Por mais que se perseguisse, não havia forma para que o mérito tivesse o mesmo peso da simples antiguidade na carreira.
Quando presidente do INCRA – Instituto Nacional de Reforma Agrária, que tinha um histórico semelhante com o do Banco Central, organizado pela fusão de diversas entidades relacionadas com a administração das terras no Brasil, que vinham no mínimo do século XIX, além de outros relacionados com a habilitação dos pequenos proprietários para atividades eficientes, também estabelecemos uma carreira de forma semelhante com o do Banco Central, ainda que apresentasse um problema ideológico adicional, pois havia dois grandes grupos: os que desejavam efetuar a reforma agrária com a divisão de todo o país em pequenos lotes e os que defendiam a permanência das grandes propriedades, ainda que muitas fossem resultantes de grilagens de terras públicas. Nunca se conseguiu convencer a opinião pública brasileira que as terras só representavam cerca de 10% dos custos dos assentamentos, quando assistência técnica, construção da infraestrutura, assistência social e outros encargos implicassem nos demais 90% dos custos, para os quais não se contavam com recursos orçamentários suficientes.
Na execução de dois programas importantes para o Brasil, como o Polonordeste e o Polonoroeste, constatou-se que tais programas exigiam a coordenação do trabalho de diversas entidades, como o do INCRA, construção da infraestrutura, preservação do meio ambiente, proteção dos indígenas etc. Acabamos sendo considerados líderes deste conjunto de esforços, pois as entidades que estavam com seus programas enquadrados dentro deste objetivo acabavam tendo maior facilidade de acesso a recursos orçamentários ou financiamentos de organismos internacionais, como o BID e do Banco Mundial. A complexa gestão destes programas implicava no natural convencimento de seus dirigentes que, mesmo vinculados a diferentes ministérios, suas atuações acabam sendo facilitadas desde que participando ativamente de projetos que contassem com lideranças com facilidade de mobilizar recursos de variadas fontes.
A gestão eficiente exige que existam lideranças capazes de importantes negociações políticas em diversas regiões do país, pois não se pode prescindir da atuação dos estados, mesmo que os programas sejam predominantemente federais. Lamentavelmente, as poucas tarefas relacionadas com estas administrações proporcionam votos eleitorais populares. Há que se convencer políticos locais que muitos benefícios podem ser colhidos quando atuam coordenadamente com entidades federais. Infelizmente, não parece haver uma razoável programação para medidas desta natureza, que poderiam fazer parte da reforma administrativa, fundamental, mas que só apresenta charme na manutenção dos privilégios dos altos servidores públicos, muitos nomeados livremente pelos políticos, sem a participação dos funcionários de carreira.