“Querida Konbini”, de Sayaka Murata
3 de outubro de 2018
Por: Paulo Yokota | Seção: Cultura, Editoriais e Notícias | Tags: 2018, atingiu a marca de 700 mil exemplares vendidos no Japão em poucos meses, autora premiada com os mais importantes prêmios de literatura no Japão, edição traduzida para o português por Rita Kohl, Editora Estação Liberdade, São Paulo, tradução publicada ou no prelo em 18 idiomas, um livro excepcional de 152 páginas
Sobre a autora, basta dizer que ela recebeu o prêmio Akutagawa, o mais importante do Japão, além do Gunzo e do Noma, em 2003 e 2009, respectivamente, para escritores jovens, e o Yukio Mishima, em 2013. Quem começa a sua leitura não consegue abandoná-la até o seu término, com a fluência de um texto ágil e compreensível, sem nenhuma petulância intelectual, ainda que o original seja em japonês. O tema básico pode ser considerado universal.
Capa do livro, divulgada pela Editora Estação Liberdade
Trata-se de um livro simples, mas denso em conteúdo, esclarecendo o que está acontecendo com muitos jovens japoneses, fadado ao sucesso literário também no Brasil e em muitos outros países, o que já conseguiu no Japão. A autora é jovem, ainda com menos de 40 anos, tendo trabalhado por longo período em lojas de conveniência, acumulando conhecimentos não somente teóricos, mas do dia a dia dos seres humanos.
As lojas de conveniência proliferaram nas últimas décadas no Japão, ficando conhecidas como “konbini”, pois os japoneses costumam adaptar novas palavras provenientes do inglês. Elas estão em constante aperfeiçoamento e, diante da atual falta de recursos humanos, já existem as que funcionam sem trabalhadores e caixas no período noturno para os clientes previamente registrados, que são reconhecidos eletronicamente, cujas compras são debitadas automaticamente nas suas contas, como se tudo fora robotizado. Tudo isto agrava a situação do ser humano.
A procura sistemática da eficiência, para agradar ao máximo os clientes, gera até uma situação como a descrita no livro onde os funcionários se tornam parte da organização destes estabelecimentos, como se fossem peças das mesmas. Quase deixam de ser humanos, ainda que tenham suas próprias personalidades e necessidades psicológicas que nem sempre aceitam a padronização que é muito forte na cultura japonesa, não somente do ponto de vista empresarial. Os “diferentes” acabam sendo marginalizados e são abundantes as notícias sobre eles no cotidiano do Japão, ainda que tenham aspirações específicas que nem sempre são compreendidas por todos, que se consideram “normais”.
O livro sugere reflexões dos leitores, pois correspondem ao que está acontecendo diariamente para muitas mulheres que precisam trabalhar temporariamente para complementar a remuneração familiar. Muitos não aspiram formar “famílias” e nem sentem necessidades sexuais, deixando os motéis vazios e reduzindo dramaticamente a taxa de natalidade no Japão atual. O declínio da população não é um privilégio japonês, mas está ocorrendo em muitos países no mundo, ao mesmo tempo em que ocorre um envelhecimento demográfico. O processo implica em desajustes individuais em suas mentes que atingem a muitos, que nem sempre são adequadamente considerados, onde a psicologia e a psicanálise são pouco desenvolvidas, consideradas luxos. O assunto é tratado de passagem na melhor forma que é a literatura de qualidade.
Ainda que o quadro no Brasil seja bastante diferente do Japão, as deficiências do sistema educacional agravam as compreensões adequadas destas necessidades humanas diferenciadas, levando a simplificações dos diagnósticos. Mas os avanços na literatura podem ajudar no entendimento dos dramas humanos que são quase comuns, quase universais.
Apesar da leitura agradável, muitos dos assuntos colocados exigem reflexões mais profundas dos leitores.