Não Basta Somente Privatizar e Reformar no Papel
10 de setembro de 2019
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia e Política, Editoriais e Notícias | Tags: a boa intenção do ministro da economia de acelerar as reformas e as privatizações, medidas para controles dos monopólios privados, o entendimento dos congressistas e da população, o problema político das agências governamentais de controle da concorrência
Uma entrevista longa e de grande importância foi dada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes (foto), para a competente jornalista Claudia Safatle, que publicou um resumo da mesma no Valor Econômico. Ainda que só existam partes preliminares do seu plano já elaboradas e escritas, que serão apresentadas para discussão de seus conteúdos ao longo do tempo, as informações fornecidas merecem atenções e análises profundas. Ainda terá que ser aprovada em muitos itens pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, que revela não ser pessoalmente simpático a algumas medidas. Duras negociações terão que ser feitas, principalmente com o Congresso Nacional e também com o Supremo Tribunal Federal, que no vazio existente vem decidindo sobre assuntos que não foram ainda legislados adequadamente no Brasil.
Muitos entendem que a reforma da Previdência Social já foi aprovada, mas variados detalhes ainda estão sendo introduzidos. Ainda que o diagnóstico do governo fosse que o forte desequilíbrio atual e futuro de suas contas governamentais ocorrem com os privilégios de alguns funcionários públicos e militares, as mudanças não foram ainda suficientes para se chegar a uma razoável correção de alguns privilegiados para o equilíbrio no futuro. Medidas adicionais serão indispensáveis para impedir o crescimento do numero dos funcionários públicos, notadamente dos privilegiados nos três níveis da administração pública, bem como nas estatais e agências de controle dos setores que forem privatizados. Não será fácil reduzir a importância política destes segmentos, tanto no Congresso, no Judiciário como na própria administração pública, pois eles detêm o poder de influir fortemente nas decisões sobre estes assuntos.
O governo anuncia que a privatização será uma bandeira importante para a redução do déficit público. Para a população, fica a impressão que, sem agências eficientes de seu controle, a privatização dos investimentos que já foram feitos servirá somente para ajudar a financiar o custeio da máquina pública com os recursos arrecadados. Haverá o risco da criação de monopólios privados de alguns serviços e a necessidade de rentabilidade para o setor privado que assumir estas privatizações pode elevar as tarifas que serão pagas pelos consumidores. Até o momento, estas agências tendem a serem controladas pelos grupos privados que procuram retornos que lhes interessam para seus investimentos.
O ministro Paulo Guedes diz que o seu plano é sistêmico, uma expressão que pode ter sentidos diferentes para muitos analistas, não garantindo a sua eficácia, notadamente quando não existem elementos para considerar todo o conjunto envolvendo os variados setores que serão incluídos nas mudanças, que terão que ser feitas ao longo de muito tempo, talvez exagerado.
As negociações dos planos governamentais com os funcionários públicos aparenta contar com poucas equipes eficientes na defesa do interesse nacional, experientes em duras tarefas desta natureza. O mesmo ocorre com o Judiciário como no Congresso Nacional, cujos interesses estão sendo atendidos por importantes concessões da parte do Executivo. Existe no Brasil uma verdadeira cultura sobre o assunto, onde os setores diretamente interessados estão conseguindo tirar vantagem em tudo, como o que ficou conhecido como a Lei do Gerson, extremamente difícil de ser mudada.
Parece relevante que se tenha plena consciência que o Brasil é uma Federação, onde, além da União, existem Estados independentes, como um número enorme de municipalidades que possuem, muitas vezes, interesses divergentes. Todos usam seus poderes políticos para conseguir benesses para os seus eleitores, quando poucos na União estão adequadamente preparados para a dura defesa do interesse nacional.
Outro aspecto de vital importância é a reforma tributária, que já conta com algumas versões em discussão. A redução da carga tributária que interessa ao setor privado encontra limites nas necessidades dos atendimentos sociais dos segmentos menos privilegiados da sociedade brasileira, que envelhece rapidamente ao mesmo tempo em que amplia suas necessidades de saúde. Os exemplos de outros países mostram a dramaticidade deste quadro, que precisa ser conciliado com o estímulo ao aumento da produção.
Até agora, cortes significativos de recursos orçamentários foram efetuados em setores estratégicos para o futuro, como educação e fomento das pesquisas. Estas medidas não ajudam a criar uma expectativa de um país mais eficiente para superar suas dificuldades de forma competitiva no mundo. Os relacionamentos internacionais sofrem com muitas posições brasileiras que colidem com outros países que poderiam ser parceiros importantes para ajudar o Brasil no melhor aproveitamento dos seus recursos naturais de forma sustentável.
Com a imensa pauta dos assuntos que precisam ser decididos, é preciso ser extremamente otimista para se acreditar que os aspectos mais relevantes possam beneficiar o interesse nacional, não havendo exageradas barganhas de favores para atender grupos que possuem a clara consciência dos seus interesses mais imediatos, que nem sempre são os nacionais.
Acena-se ao setor privado, nacional e estrangeiro com a redução da burocracia e redução da carga tributária, visando tornar os projetos brasileiros competitivos com relação aos existentes no exterior. Além de atender a demanda interna expressiva que se espera tenha um crescimento futuro atraente às atividades privadas. No mundo que passa por um acirramento das tendências recessivas, competir com agressivos países, como os asiáticos, não parece ser uma tarefa fácil, ainda que não seja impossível para o Brasil que ficou atrasado em diversos setores.
Os desafios sempre foram fatores importantes para estimular a criatividade brasileira. Parece indispensável que se tenha uma consciência clara de todo o quadro, principalmente da classe política brasileira que nem sempre teve clareza do projeto do Brasil que se persegue, bem como a forma de se chegar a ele. O aumento da discussão destes assuntos, envolvendo até os acadêmicos de peso, como começou a ocorrer no suplemento Eu & Fim de Semana, do jornal Valor Econômico, parece um sinal que todos entendem que há que se identificar caminhos que possam atender as aspirações dos diversos segmentos que formam a população brasileira de forma sustentável.
Parece ser um começo interessante, que necessita contar com propostas concretas, pois suas implementações costumam contar com obstáculos adicionais de execução que nem sempre foram considerados adequadamente nas suas formulações. Como existem muitos riscos nos novos projetos, seria interessante contar com maior clareza jurídica, no nível do Supremo Tribunal Federal, de forma a contê-los ao nível segurável pelo setor privado.