As Múltiplas Dificuldades Agudas na América Latina
4 de novembro de 2019
Por: Paulo Yokota | Seção: Economia e Política, Editoriais e Notícias | Tags: a desaceleração rápida, as disparidades nas distribuições dos benefícios do desenvolvimento passado, diagnósticos gerais e pouco operacionais, influência da comunicação rápida no mundo, uma tentativa de explicação num artigo publicado no Foreign Affairs
Poucas vezes na história do mundo, uma região importante como a América Latina, que vinha registrando um crescimento econômico razoável no passado (cresceram 3,5% per capita no período 2003 a 2013), com a elevação de 100 milhões na sua classe média, passa agora por um período de aumento das manifestações populares, algumas violentas, para expressar a sua insatisfação. Um artigo de Moisés Naim e Brian Winter publicado no respeitável Foreign Affairs tenta uma explicação, que ainda é genérica, não sendo funcional para a superação deste fenômeno raro.
Foto de manifestantes com a bandeira do Chile, constante do artigo no site do Foreign Affairs, que vale a pena ser lido na íntegra
O artigo publicado no site do Foreign Affairs informa que em 10 países da América Latina se registram manifestações populares, às vezes violentas. Repetem o que vem acontecendo em muitos países do mundo, como Hong Kong, mas principalmente na Europa. Tudo indica que os meios de comunicação rápida, como da internet, acabam estimulando estas manifestações de insatisfação com o estado atual das economias e das políticas nesta região. Até países como o Chile, que veio executando por anos uma política para correção de suas dificuldades, acabam registrando manifestações prolongadas, inclusive com muitas mortes, sem que as medidas tomadas pelo governo tenham condições de acalmar a população. Países tão diferentes como Bolívia, Equador, Haiti, Honduras e Chile passam por protestos populares violentos, manifestando suas insatisfações com o atual estado de suas economias e do quadro político.
As queixas são variadas, como fraude eleitoral, corrupção e aumento dos preços de combustíveis e transporte público. Existem até alegações de interferências externas, como de Cuba e da Venezuela, ainda que elas sejam insignificantes. As teorias de conspiração sempre visam criar algum bode expiatório. Os agitadores locais só providenciaram as faíscas, em situações que já estavam preparadas para a combustão, segundo os autores.
O boom, como das commodities no mundo, nos primeiros anos deste milênio geraram expectativas excessivas de um crescimento por um longo período, mas a América Latina apresentou um crescimento decepcionante. Era um quadro onde os salários reais estavam estagnados, com elevação do custo de vida, indignidades com a corrupção e as desigualdades econômicas. Viam o que estava acontecendo em Hong Kong, Beirute e Barcelona e se perguntavam “por que não nós também?”, segundo os autores.
As estimativas recentes do Fundo Monetário Internacional indicam que a América Latina pode crescer somente 0,2% em 2019, o pior desempenho em qualquer região do mundo. De outro lado, os emergentes, incluindo os chineses, devem crescer 3,9%, apesar dos conflitos dos Estados Unidos com a China. As dificuldades econômicas tendem a agigantar as insatisfações com as desigualdades e a corrupção nesta parte do mundo. Pequenos aumentos de alguns custos provocam reações exacerbadas.
A classe media, que aumentou no início deste século, permitiu que muitos experimentassem o que poderiam almejar, inclusive com viagens ao exterior. Agora, as esperanças destes padrões ficaram mais distantes, criando uma frustração perigosa. As corrupções reduziram a credibilidade dos dirigentes políticos. Uma pesquisa efetuada por uma equipe da Universidade de Vanderbilt mostrou um aumento da descrença da população local que a democracia possa resolver seus problemas. Há uma perigosa tendência que dirigentes “fortes” possam resolver seus problemas, como no caso do México e do Brasil.
Mas estes novos dirigentes não estão capacitados a resolverem sozinhos os problemas que vêm de longa data. Seus prestígios estão desgastados rapidamente. No Chile, que vinha executando políticas importantes de reformas, o presidente Piñera não consegue atender às aspirações da população. A melhoria na distribuição de renda depende de um ritmo elevado de crescimento econômico, como também se observa no Brasil.
As reformas que sejam introduzidas no momento necessitam de muito tempo para proporcionar resultados, enquanto novos encargos precisam ser impostos. Ao mesmo tempo, as dúvidas sobre seu sucesso acabam inibindo investimentos de empresários locais e estrangeiros. Os problemas sociais nem sempre contam com os recursos indispensáveis para o seu atendimento.
O que poderia ser feito no Brasil dentro deste quadro geral? Há uma necessidade de um diagnóstico mais claro e simples, envolvendo a classe política que pode decidir sobre o assunto. Somente colocações acadêmicas não são suficientes. Um simples planejamento poderia listar as prioridades de alguns investimentos, mesclando com um mínimo de gastos sociais indispensáveis. É preciso deixar claro que só se pode gastar parte do que foi produzido, e a redução dos gastos com as administrações públicas precisam ser promovidas, num entendimento com a classe política.
O aumento da produção poderia ocorrer utilizando a ampla biodiversidade disponível no Brasil, que apresenta um custo relativamente baixo, ao lado das disponibilidades dos mercados externos para novos produtos saudáveis. Quaisquer concessões aos políticos necessitam estar com os gastos relacionados com os atendimentos sociais.
Há que se assegurar a segurança jurídica sobre os empreendimentos que sejam promovidos, num entendimento claro com o judiciário. As novas tecnologias já obtidas no exterior precisam sofrer adaptações para as condições brasileiras.
Reduzir a polêmica provocada pelo exagero do uso das comunicações sociais parece urgente e indispensável. No fundo, falar menos e fazer mais, pois não há mais tempo para se evitar a explosão perigosa da insatisfação popular. Um pouco de modéstia ajudaria também.