22 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: evacuações, kits de sobrevivência, senso coletivo, The Japan Times | 4 Comentários »
Acompanhando o drama dos japoneses, o mundo se espanta com a calma e ordem com que o povo enfrentou o desastre, enterra os mortos, e se prepara para a recuperação. Trabalhadores estrangeiros aflitos congestionaram aeroportos tentando sair do país a qualquer custo, apavorados com tremores, desabastecimento e radiação.
Residindo no Japão desde 1994, Amy Chavez, do The Japan Times (What it means do be ‘prepared’- 19 de março), narra como o Japão “escoteiro”, arquipélago sob o signo de desastres naturais, se mantém em alerta permanente, com uma organização altamente coordenada de suas forças de defesa civil e do batalhão de médicos, paramédicos e voluntários. O governo, em conjunto com prefeituras, escolas, hospitais, fábricas e empresas cumpre treinamento intensivo da população, para evacuações de emergência. Mais do que tudo, porém, o país se esforça para o preparo individual para crises: cada pessoa sabe exatamente o que fazer numa emergência. Não nativos acham que o país é hiper- obsessivo e exagera no que diz respeito a preparo da população para desastres. Mas o de 11 de março mostrou que nenhum preparo pode ser demais.
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20 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, Editoriais | Tags: A Grande Onda de Hokusai, charges sobre o tsunami
Com colaboração de Paulo Yokota
Katsushika Hokusai (1760-1849), natural de Edo (antiga Tóquio), pintor xilogravurista, é um dos mestres do ukiyo-ê, “pinturas do mundo flutuante”. Observador atento da natureza e do ser humano, seus trabalhos retratam a vida cotidiana e o homem comum da Época Edo (1608-1868). A Grande Onda de Kanagawa é sua mais conhecida obra; faz parte das “36 Vistas do Monte Fuji” em que Hokusai retrata o sagrado monte dos japoneses, sob várias perspectivas (circa 1826-33).
Note-se o poder avassalador da natureza: a imensa onda parece querer encobrir tudo. O Fuji-san aparece pequenino ao fundo, homens em três barcaças enfrentam corajosamente a grande maré. São pescadores levando peixe para mercados da Baia de Edo. É um quadro com muito movimento: a luta dos pescadores, os barcos balançando, as enormes ondas levantando espumas – um solene e estático Monte Fuji a tudo contempla. Acredita-se que Hokusai tenha se inspirado num grande tsunami de mais de cinco metros de altura que sacudiu o nordeste do litoral japonês em 1700, após um terremoto de magnitude nove, do qual ele deve ter ouvido relatos anos mais tarde. Hoje sabemos que o tsunami difere das grandes ondas.
É a pintura mais famosa de Hokusai, quiçá a mais conhecida pintura japonesa no ocidente. Por ilustrar símbolos sagrados do Japão – o Monte Fuji e o mar, fonte de vida que cerca o arquipélago -, é um cenário muito venerado pela cultura japonesa, e que diz muito da sua alma.
Por isso, foi com dupla e dolorosa incredulidade que deparamos na página dois do jornal Folha de São Paulo do dia 12 último, a charge fazendo troça da tragédia do tsunami do dia anterior, em cima desta obra de Hokusai. Como poderia o editor de um jornal de penetração permitir publicar tal gozação, logo no dia seguinte à maior tragédia daquele país? E pior, anônimo: como se o responsável já temesse a reação dos leitores. Depois ficamos sabendo que o autor era jovem de 14 anos. Cartunistas do mesmo jornal se apressaram em sua defesa, enaltecendo a “beleza artística” da charge. “Coleguismo” oblige. A ombudsman da Folha comenta hoje o dilema, mostrando outras charges semelhantes publicadas mundo afora, mas na lide da matéria registra: “É um engano pensar que cartunista pode tudo, mas é difícil decidir o que pode ser publicado quando se trata de ilustrar tragédias”.
Perdoam-se imaturidades. Mas por mais jovem que seja um ser humano, espera-se dele sensibilidade e compaixão – coisa que até bichos e pássaros demonstram para com seus iguais. Como nos sentiríamos brasileiros em geral se algum jornal, de qualquer país, publicasse piada sobre a tragédia da serra fluminense em cima de imagem do Cristo do Corcovado (ícone do país, como também o é A Grande Onda) deslizando em lama, no dia seguinte ao desastre?
Ninguém nasce preconceituoso. Um indivíduo se imbui de influências que o cercam desde tenra infância, no meio familiar, social, racial. Conforme vai amadurecendo, pode ir alcançando discernimentos que mudem suas idiossincrasias, xenofobias e intolerâncias adquiridas. Ou não: quanto mais seus horizontes forem estreitos, menor será sua capacidade de crescer e discernir. Aliás, realidade triste aqui, acolá, a começar pelo Japão, há uma juventude consumista e egoísta, insensível e superficial. Claro, com exceções honrosas: a globalização em muito vem contribuindo para criar cidadãos do mundo, abertos e esclarecidos, aptos para entender e praticar tolerância, sensibilidade, humanidade, espiritualidade e, sobretudo, humildade. Como os grandes mestres.
“Se os céus me tivessem concedido pelo menos dez, cinco anos (de vida) mais, eu poderia ter me tornado um artista de verdade.” – Hokusai, pouco antes de falecer aos 89 anos de idade.
Não há dúvida nenhuma que os que sofrem mais influência da cultura japonesa se sentem mais ofendidos com estas charges, mesmo que tenham o maior respeito pela liberdade de imprensa e artística.
17 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: coragem, otimismo, solidariedade, The JapanTimes | 2 Comentários »
Para brasileiros médios de norte a sul, o que nos amedronta é a violência (roubos, assaltos) e desemprego, enquanto em países da Europa é o terrorismo. Para americanos que moram em lindas casas brancas de madeira com venezianas verdes na Nova Inglaterra, como na Califórnia de outras arquiteturas, é o fogo, o incêndio.
A jornalista Kaori Shoji, do The Japan Times (Through the shaking, Japan comes together –16/03/2011), relata que quatro são os tensais (desastres divinos) que japoneses sempre temeram desde tempos remotos: jishin (terremoto), kaminari (raios), kaji (incêndio) e oyaji (o pai, o “velho”). Não havia muita coisa que um mortal pudesse fazer para apaziguar a fúria deles. Sendo jishin o primeiro deles, toquioenses e o resto do país encaram terremotos com preparo estóico. Assim que aprendem a andar, já ganham o seu kit-mochila com itens de emergência (comida não perecível, água, primeiros socorros, toalha). Quando atingem a maioridade, todos sabem que patrões têm a obrigação de equipar cada empregado com um substancial kit-jishin.
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14 de março de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: Japan Times, New York Times, NHK World, TV5 Monde; terremoto e tsunami no Nordeste do Japão
Terremoto de magnitude sem precedentes no Japão (sismografia mais detalhada indica que foi de 9.0 Richter), seguido de destruidor tsunami que varreu o nordeste do Japão, ao longo do litoral. Mesmo nas cidades mais distantes do epicentro – como em Tóquio –, as pessoas tiveram dificuldade até de se manter em pé nas ruas, nos infinitos segundos em que a terra tremia no primeiro forte sismo; está seguido de vários outros tremores de mais de 6.0, nas horas seguintes. Centenas de mortos, milhares de desaparecidos. Com os impactos, acidentes em usinas nucleares da área causam preocupação global; centenas de milhares de pessoas, algumas já desabrigadas pelo tsunami, foram evacuadas. Pela primeira vez, desde que foi estabelecida em 1951, a Tokyo Electric Power está racionando o fornecimento de energia elétrica a partir da segunda feira.
Águas que invadiram cidades litorâneas por vários quilômetros, adentrando arrozais e plantações, lá permanecem ainda, mais de três dias após o tsunami, sem recuarem para o mar – como seria o normal em maré alta. Especialistas dizem que, no momento do sismo maior, as terras ao longo do litoral podem ter afundado de 0,60 a 0,70 m em alguns locais. Onde era praia e terra firme virou mar, como aconteceu com ilhas da Sumatra quando do grande tsunami de 2004. Dentro de meses o nível da terra talvez volte a subir uns 0,30 m, e a água recuar. Talvez não.
Bambus, exemplos de resistência e tenacidade seguidos pelos japoneses
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11 de fevereiro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Cultura, Depoimentos | Tags: arte em papel, Hina Aoyama (França), Mari Kanegae (Brasil), Tomomi Inoda (Japão) | 2 Comentários »
A arte em papel veio da China, entre elas kiriê, kirigami e origami. Técnica sutil e delicada, o kiriê requer muita paciência e concentração: corta-se o papel com estilete, seguindo desenhos de flores, animais, paisagens. Origami é dobradura em papel, bastante conhecido no Brasil pelos “mil tsurus (grous)” da saúde e da prosperidade. Kirigami é um misto de dobradura e recorte, com tesoura (em japonês, kiri=cortar; e=desenho; gami=papel; ori=dobrar).
Na China, o kiriê era praticado pelo menos desde o VI século D.C. Eram feitos para se dar de presente almejando bons votos, ou para fins decorativos. Geralmente, usava-se papel de cor vermelha, com ênfase em motivos simbolizando animais do zodíaco chinês. No Japão, introduzido por monges budistas, desenvolveu-se um estilo peculiar e único, surgiram muitos artistas que inovaram as artes em papel. Geralmente, vaza-se o desenho em papel branco ou preto, e o recorte é montado em folha de papel cartão; pode-se colocar papel de diferentes cores, de entremeio – o resultado é surpreendente.
Kiriê de Hina Aoyama, que mora na França
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26 de janeiro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos | Tags: A. S. Neill, behaviorismo, cognitivismo, decoreba, liberdade sem medo, Summerhill
A educação formal nas escolas como conhecemos sofreu duas grandes transformações entre 1960 e 1970. Até então, grosso modo, assumia-se que o aluno era um ser passivo cujo comportamento se moldava e modificava através de aplicações positivas ou negativas de estímulos. Experimentos behavioristas realizados em laboratórios com animais eram generalizados para aplicações em humanos. Ratos em labirintos, testes de Pavlov com cães, lembra-se?
Ao redor de 1960, propostas cognitivistas passaram a substituir as behavioristas como paradigma. A psicologia educacional se foca então em atividades mentais mais profundas: as pessoas não são animais programados que apenas respondem a estímulos exteriores, mas seres racionais capazes de participar ativamente para aprender; suas respostas são consequências da capacidade de estabelecer conexões de ideias. O cognitivismo usa a metáfora da mente como um computador: informação recebida (input) é processada pelo cérebro, e resulta em respostas (output).
Para a didática e a metodologia do ensino, isso significou grandes mudanças em todos os campos, o maior deles talvez no ensino de línguas estrangeiras – no Brasil, o ensino do inglês como 2ª língua. Foi preciso rever toda a metodologia; fizeram-se reciclagens nos Estados Unidos, especialistas americanos foram convidados para orientar professores de língua e linguística em São Paulo. A União Cultural Brasil-Estados Unidos foi das pioneiras. Métodos foram revistos, livros didáticos refeitos, mães que tinham estudado no método antigo questionavam desconfiadas os novos livros adotados para os filhos. Repetição automática e decoreba tinham chegado ao fim: agora o aluno participava ativamente, estabelecia conexões, seus neurônios processando a mil megabytes.
Capa do livro Liberdade sem Medo e fachada da escola na Inglaterra
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21 de janeiro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, Notícias | Tags: “Heart of a Samurai” de Margi Preus - Amulet Books - Nova York – 2010. | 2 Comentários »
A incrível história de menino pescador japonês que naufragou nas costas da Província de Kochi, Ilha de Shikoku, em 1841, e foi parar nos EUA, é best-seller americano de literatura juvenil, informa a NHK. O barco em que Manjiro, de 14 anos, estava com mais quatro pescadores soçobrou, e eles conseguiram chegar a uma pequena ilha no Oceano Pacífico. Resgatados por baleeiro americano, Manjiro foi levado pelo capitão até New Bedford, Massachusetts; os outros preferiram ficar em ilha do Havaí. Apesar de nunca ter tido escolarização formal, Manjiro impressionava pela inteligência e vontade de aprender, principalmente matemática, navegação e língua inglesa. O Capitão William Whitfield, que não tinha filhos, o adota cativado pela retidão de caráter e tenacidade do menino. Manjiro recebe o nome de John Mung, frequenta a escola de Fairhaven, Mass., onde foi morar com a família do Capitão.
Atraída pela singular epopéia, Margi Preus fez pesquisas na Nova Inglaterra e no Japão, no vilarejo natal de Manjiro, Nakanohama. Ela foca a história em como Manjiro conquistou sólidas amizades e respeito com seu caráter franco e confiante, apesar dos pesados preconceitos, revezes e desencontros culturais que sofreu. Professora de literatura em Duluth, estado de Minnesota, Preus escreveu o livro desejando que seus alunos se inspirassem na coragem de Manjiro e na sua capacidade de aceitar críticas e se envolver com as pessoas. Ela se declara preocupada com o crescente número de crianças americanas que encontram dificuldades para estabelecer relacionamentos, e tem viajado pelo estado divulgando o livro para que mais jovens conheçam a edificante história.
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17 de janeiro de 2011
Por: Paulo Yokota | Seção: Depoimentos | Tags: experiência japonesa, lições para os Estados Unidos
Por Samuel Kinoshita
Enquanto o mundo aguarda ansiosamente a nova rodada de Quantitative Easing que Ben Bernanke do FED norte-americano prepara, vale a pena saber como se deu a experiência de um país que passou por processo similar. O recente artigo de Kazuo Ueda, “The Bank of Japan’s Experience with Non-Traditional Monetary Policy”, retrata os métodos empregados pelo banco central japonês no período 1998-2006.
Ueda delineia as políticas utilizadas num ambiente de baixas taxas de juros. As estratégias são: (I) administração das expectativas quanto ao futuro da taxa de juro; (II) compras focalizadas de ativos; e (III) Quantitative Easing. Discute os resultados dessas políticas. A estratégia (I), introduzida em abril de 1999, teve efeito claramente positivo ao conseguir diminuir as taxas praticadas nas maturidades mais distantes. Estudos mais técnicos apontam esta estratégia como sendo a que obteve maior impacto. As estratégias (II) e a (III) se confundem em pontos do tempo, e seus resultados podem ser considerados positivos.
Kazuo Ueda, do Bank of Japan
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12 de janeiro de 2011
Por: Naomi Doy | Seção: Depoimentos, Notícias | Tags: anime e mangá dos anos 70, Antonio Inoki, artes marciais e luta livre, Naoto Date, Rikidozan, Tiger Mask | 2 Comentários »
Segundo agências de notícias (Kyodo, NHK), instituições e centros de bem estar para crianças órfãs em diversas cidades do Japão estão recebendo mochilas escolares contendo material escolar, brinquedos, comida e dinheiro, de remetentes que se identificam como o herói de antigo mangá e anime.
Tudo começou no dia de Natal na cidade de Maebashi, província de Gunma, e, depois que o fato foi divulgado pela imprensa, novos casos vêm ocorrendo, um depois de outro, e se espalhando por cidades de várias províncias, principalmente a partir do Ano Novo. (É tradição japonesa presentear crianças no Ano Novo com o “otoshidama”, geralmente em forma de pequena mesada). No dia 25 de dezembro, uma funcionária de centro de assistência infantil em Maebashi encontrou 10 caixas de papelão contendo mochilas escolares com brinquedos na porta da instituição. Acompanhava apenas uma nota assinada “Naoto Date”, pedindo que fossem destinadas a crianças órfãs necessitadas. Não se fazia a menor idéia de quem seria a pessoa ou qual a motivação, quando um funcionário veterano se lembrou que Naoto Date era o alter-ego do herói de luta livre da série de mangá e anime Tiger Mask, dos anos sessenta/setenta.
Tiger Mask- Naoto Date, Antonio Inoki e Rikidozan
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16 de dezembro de 2010
Por: Naomi Doy | Seção: Cultura, Depoimentos | Tags: documentos Joseon da Coreia, sutras budistas de Mogao-Dunhang, tesouros incas do Peru, Tung Huang, Yasushi Inoue
Acordo firmado pelos governos do Japão e Coreia do Sul estabeleceu, para o fim deste ano, a devolução de objetos históricos coreanos levados para o Japão durante a dominação japonesa da península coreana. Entre os mais de 1.200 itens negociados, incluei-se conjunto de arquivos do protocolo real da Dinastia Joseon (1392-1910). Igualmente, após disputa de décadas, o Peabody Museum of Natural History da University of Yale, New Haven, vai devolver ao Peru, a partir do início de 2011, cerca de 4.000 objetos extraídos das ruínas de Machu Picchu. A coleção inclui peças de cerâmica, têxteis e ossos levados pelo estudioso Hiram Bingham III, entre 1911 e 1915, patrocinado pela Fundação Peabody-Yale.
São notícias alvissareiras, aquietam corações daqueles que, visitando ricos museus mundo afora, se questionam até onde iria a legalidade da possessão de milhares de objetos arqueológicos supostamente levados para “pesquisa” e nunca devolvidos. Monumentais peças pré-colombianas e incaicas estão em alguns dos mais conceituados museus ligados ou não a prestigiosas instituições universitárias americanas. Múmias, totens, esculturas de pedra, máscaras e potes de cerâmica, objetos de jade, prata, ouro e tecido de civilizações asteca, maia, inca, mochica etc., fazem qualquer pessoa imaginar que nada deve ter restado das ruínas desses povos nas Américas Central e do Sul. Belíssimas peças da mais fina arte pré-colombiana em puro ouro maciço lembram que o El Dorado existiu, sim.
Os detentores dessas coleções alegam, não sem razão, que não tivessem esses tesouros sido levados, catalogados e preservados devidamente em locais seguros e adequados, hoje estariam todos vandalizados, derretidos, sumidos e que, da maneira como estão conservados, mais pessoas poderão apreciá-los. Os países de origem, por sua vez, contestam: acusam o imperialismo de governos e instituições patrocinadoras de terem feito saques e pilhagens em indefesos países coloniais. Por exemplo, instalando-se de mala e cuia junto às ruínas maias de Chichen Itza, Yucatán, México, o suposto arqueólogo Edward Thompson levou equipe a escavar sítios sem o devido rigor científico, nos anos 1890. Negociações levaram o governo mexicano a reaver alguns dos objetos levados ao Museu de Etnologia Peabody-Harvard, e Thompson se safou das acusações de pilhagem e venda. No Peru, além de Machu Picchu, das maltratadas ruínas pré-colombianas da costa norte do país também saíram preciosos objetos de ouro e pedras preciosas. Na verdade, a pilhagem vem de longos séculos: diz-se que o ouro levado à Espanha por conquistadores das Américas causou tamanho desequilíbrio monetário que chegou a desestabilizar a economia europeia na época. Na França, até hoje a expressão “ce n’est pas un Pérou” indica situação de muita riqueza, como em “a herança recebida não é nenhum Peru, mas dá pro gasto”.
Pilhagens e saques sempre foram demonstrações de força e poder ao longo da história. O maior deles talvez tenha acontecido quando Rússia e Inglaterra disputavam o Grande Jogo de influência na Ásia Central, nos fins do século XIX: segundo constatou o historiador Joseph Needham em 1943, Aurel Stein, explorador a serviço de sua majestade em 1907, levou algo como 24 vagões cheios de papéis e objetos antigos de uma das cavernas de Mogao, a 25 km de Dunhuang, norte da China. Needham o classifica como um dos mais ricos achados da história da arqueologia: objetos e documentos guardados durante séculos por monges, copistas e peregrinos budistas, só descobertos, então, 900 anos depois (Simon Winchester, “O Homem que Amava a China”, páginas 176-187). Espalhados por museus da Europa e Ásia (British Library, British Museum, Srinagar Museum, National Museum de Nova Delhi, Índia, e afins), ficaram longo tempo esquecidos em seus porões. No Reino Unido, hoje estão sendo cuidadosamente catalogados e digitalizados. Através de senha, internautas vão poder visualizá-los, quiçá copiá-los, inclusive a mais rica descoberta de Stein, o Sutra do Diamante: são rolos de pergaminho com transcrição de sutras budistas considerados o mais antigo documento impresso da história da humanidade. Em “Tung huang” (Tonkô, 1959), o escritor Yasushi Inoue tece uma apaixonante história sobre como, quando e porque muita seda e bateladas de sutras, documentos, pinturas, esculturas e relíquias búdicas foram zelosamente guardados nessas cavernas de Mogao, próximas de onde partiam caravanas pela Rota da Seda. Há dez séculos.